A globalização e a China: algumas considerações

sábado, 16 de abril de 2022

 


"Em resumo: nos encontros com a realidade acabávamos todos ou racionalizando em defesa do Brasil ou desprezando o Brasil por ser como era."   -   Viana Moog   -   Bandeirantes e pioneiros


A globalização, com todos os seus ingredientes – comércio generalizado, comunicações globais, fluxos financeiros e (nem sempre) de pessoas, entre outros aspectos – contribuiu para que o planeta se transformasse naquilo que Marshall McLuhan, filósofo canadense, já no início da década de 1960 previa como sendo o futuro da civilização planetária: a aldeia global. Outro filósofo americano, Francis Fukuyama, levado pelo entusiasmo da derrocada do império soviético (1991), escreveu em seu O fim da história e o último homem (1992) que com a propagação da democracia e do capitalismo de livre mercado, a evolução política da humanidade havia chegado a uma conclusão. A economia de mercado e a democracia liberal – com nuances mais ou menos flexíveis – foram adotados pela maioria dos países. E assim seria.

No rastro da globalização e de suas possíveis consequências de uniformização cultural (leia-se a cultura-de-massa-ocidental-americana-capitalista) surgiu a preocupação com a valorização das culturas locais; de cada país e região. Temia-se que o processo da globalização, em suas perspectivas sociais e culturais, pudesse provocar o desaparecimento ou a descaracterização de práticas regionais e locais específicas, que faziam parte do patrimônio cultural dos diversos povos. A própria ONU, através de um relatório da PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), elaborado em 2004, sugeriu que o processo da globalização pudesse ameaçar as identidades nacionais e locais. Por isso, a organização recomendou que os nações implementassem políticas que promovessem a diversidade e o pluralismo, interna e externamente, sem se refugiarem no conservadorismo ou na xenofobia. (relatório PNUD disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pn000010.pdf).

Sob este aspecto, a globalização do século XX deu importância ao multiculturalismo. Diferentemente das relações entre nações e culturas no passado, quando o europeu ou o ocidental dominador se relacionava com o indiano, o africano, o chinês ou o indígena de forma condescendente, a globalização em sua fase recente tomou uma forma – pelo menos neste aspecto – mais democrática, relativizando a situação histórica de dominação pelo Ocidente. Não são mais apenas alguns países ou culturas – os países colonizadores ou as potências econômico-militares do pós guerra – que detêm o poder de determinar a trajetória da história, em seus aspectos políticos, econômicos e culturais, pela paz ou através da guerra.

O próprio processo da globalização contribuiu fortemente para acelerar a diminuição da hegemonia ocidental europeia e americana nas relações internacionais, notadamente após a queda do Muro de Berlim e, significativamente, com o crescimento em importância das economias asiáticas; a japonesa no pós-guerra, os tigres asiáticos (Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan) na década de 1970 e a China, a partir dos anos 1980.

O desenvolvimento acelerado e robusto da economia chinesa foi, provavelmente, o grande acontecimento a influir na relação de forças da política mundial no final do século XX e começo do XXI. Apesar de sempre ter sido uma grande potência econômica, militar e cultural ao longo da história, o gigante asiático se manteve relativamente afastado do comércio global (o começo do que chamamos de globalização), iniciado no século XVI. Desde as primeiras décadas do século XIX o país esteve sob domínio de potências estrangeiras, até o final da Segunda Guerra, quando expulsou as tropas de ocupação japonesas e, depois de uma guerra civil, tornou-se uma república socialista. O rápido desenvolvimento da China a partir do final dos anos 1970, foi fortemente impulsionado pelas políticas industriais do governo liderado por Deng Xiaoping, aliadas aos aportes de investimentos e transferência de know-how de empresas ocidentais. A China ascendeu ao posto de segunda maior economia do mundo e se tornou o maior exportador de produtos industriais e manufaturados, com alta componente tecnológica.


Nem Fukuyama e menos ainda McLuhan, poderiam prever os rumos que a globalização tomaria. Na visão de ambos o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos com seu sistema político, sua tecnologia e cultura, estariam à frente do processo – como tudo parecia indicar na época em que ambos formularam suas teorias. Pouco indicava em 1992 e muito menos ainda no início dos anos 1960, que o Oriente, basicamente a China, passaria a ter a importância que atualmente tem dentro do sistema de produção e distribuição capitalista.

O que transparece desta situação é que o Ocidente, a civilização cristã ocidental – como os historiadores europeus e norte-americanos do século XIX e início do século XX denominavam esta cultura que teve origem na Europa – está perdendo sua importância na história. Será que em vinte ou trinta anos, veremos as grande iniciativas e decisões relativas à economia e política mundial sendo tomadas na Ásia, provavelmente na China? Assunto a ser observado e acompanhado pelos especialistas.


(Imagens: pinturas do realismo soviético)

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