“Este
trabalho revela que neste nosso Brasil republicano e pós-moderno, esperar numa
fila ainda é algo desagradável e, quase sempre, ofensivo. Quem se percebe como
superior exige atenção imediata. E como todos são superiores, posto que a superioridade
é sempre relativa a múltiplos critérios subjetivos e objetivos de classificação,
há um sentimento de indizível mal-estar e até mesmo de recusa quando nos
deparamos com a fila. Nesse sentido, vale mencionar a velha piada que um
americano, mas filho de um inglês moldado no mais acabado estilo britânico,
gostava de contar na frente do pai. “Você sabe – dizia ele para mim com um
sorriso malicioso – como se descobre um inglês? Fácil... Ele é descoberto
porque, ao encontrar duas pessoas paradas uma atrás da outra, ele imediatamente
forma uma fila!”
Já
no Brasil, ficamos decepcionados, ansiosos ou até mesmo irritados quando nos
deparamos com uma fila. A reação exprime a autovisão de que não merecemos uma
espera; a qual cabe sempre aos outros. Vocês são feitos para a fila (e para a
espera igualitária e subordinada), eu não! No Brasil, temos um problema com o
tratamento impessoal e automático, denotativo de que seriamos “pessoas comuns”.
Tal como ocorre no trânsito, conforme demonstrei no meu livro Fé em Deus e pé na tábua (Rio de Janeiro:
Rocco, 2010), essa reação revela uma alergia a situações igualitárias e a nossa
saudade de um velho mundo hierarquizado no qual todos sabiam com quem falavam. Aquele
universo dos nossos ancestrais e de algumas áreas de nosso sistema, pois as
mudanças não são lineares e muito menos uniformes e gerais.”
Roberto DaMatta e Alberto Junqueira, Fila e democracia
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