Legislação ambiental na América Latina

sábado, 30 de outubro de 2010
"O possível é mais rico que o real. A natureza apresenta-nos, de fato, a imagem da criação, da imprevisível novidade. Nosso universo seguiu um caminho de bifurcações sucessivas: poderia ter seguido outros. Talvez possamos dizer o mesmo sobre a vida de cada um de nós." Ilya Prigogine - O fim das certezas

A América Latina é uma região de grandes contrastes, tanto sob o aspecto social quanto econômico. Enquanto que certas regiões do continente já atingiram um grau de organização social e desenvolvimento econômico comparável a certas partes da Europa, a maioria dos países latino-americanos ainda vive em condições precárias. Esta disparidade no grau de desenvolvimento tem uma influência na maneira como as sociedades encaram a questão da proteção ambiental. Países com mais alto grau de industrialização, desenvolvimento humano e conscientização – como o México, o Brasil, o Chile a Argentina e o Uruguai - possuem uma ordenação ambiental mais desenvolvida e específica.
Outro fator que exerce uma grande influência neste contexto é o grau de organização da sociedade civil. A maioria dos países latino-americanos viveu durante grande parte do século XX sob ditaduras que restringiram as liberdades individuais. Grandes projetos, implementados por governos ou grandes companhias nacionais ou multinacionais, não tiveram seus impactos ambientais avaliados e discutidos com os grupos sociais atingidos pelos projetos. A própria ação das ONGS (Organizações Não-Governamentais) era tolhida e encarada como ingerência externa nos interesses dos países, já que a maioria destas organizações à época era de origem estrangeira.
A questão ambiental começou a ser discutida com mais profundidade na maioria dos países latino-americanos somente a partir de meados da década de 1980. Neste período temos, por um lado, o aumento dos problemas ambientais ocasionados pela concentração populacional nas grandes metrópoles, como a questão do acesso à água, o tratamento do esgoto e a coleta do lixo. Por outro lado, acentuaram-se as conseqüências da degradação ambiental causada pelas diversas atividades econômicas, como a agricultura (monocultura voltada para a exportação) a mineração e a atividade industrial.
A biodiversidade da América Latina é uma das maiores do mundo. Segundo dados da ONG “Conservation International”, que compilou diversos dados estatísticos no ano 2000, a America Latina abriga:
- Sete dos países com maior diversidade de vertebrados no mundo;
- Doze dos países com maior diversidade de aves;
- Doze dos países no mundo com maior variedade de anfíbios;
- Cinco dos doze países no mundo com maior variedade vegetal;
- Sete dos países no mundo com mais de 70% de seu território ainda coberto por vegetação natural.
Quanto aos recursos hídricos, a bacia do rio Amazonas é a maior em todo o planeta. As bacias dos rios Paraná e Prata - localizadas entre a Bolívia, Paraguai, Brasil e Argentina - e a do rio Orenoco, localizada entre a Venezuela e a Colômbia, estão entre as mais importantes em todo o planeta. A América do Sul dispõem do maior aqüífero em todo o mundo, o Guaraní, cobrindo parte do território do Brasil, da Bolívia, Paraguai, Uruguai e da Argentina.
Todavia, em outras regiões da América Latina os recursos hídricos são mais escassos e sua falta representa um desafio ao desenvolvimento futuro destas regiões. O México e o Peru, por exemplo, estão entre os países com maiores problemas de escassez de água, já que utilizam anualmente cerca de 15% de seu estoque de recursos hídricos. Grande parte dos rios brasileiros localizados em uma faixa de até 300 km do oceano Atlântico – onde se localizam as maiores cidades brasileiras – estão poluídos por efluentes domésticos e industriais e parcialmente assoreados pelas atividades agrícolas e pecuárias.
A legislação ambiental, que até há cerca de 30 anos era praticamente inexistente na região, foi rapidamente implantada. O principal sinal desta mudança é que a questão ambiental foi incorporada às constituições da maioria dos países da região, em diversos níveis de profundidade. Nos últimos 30 anos, 14 países latino-americanos promulgaram novas constituições, todas elas contendo capítulos específicos tratando sobre a questão ambiental. O meio ambiente deixa de ser encarado como assunto somente limitado as atividades econômicas e as decisões de governos. O cidadão passa a ter assegurado seu direito em dispor de um meio ambiente saudável, assim como acontece nas sociedades mais desenvolvidas.
No aspecto legal, a maioria dos países da América Latina estabeleceu legislações ambientais específicas, tratando de assuntos como: recursos hídricos, recursos minerais, áreas marinhas, pesca e caça, recursos florestais, turismo, produtos químicos e poluição atmosférica. Criaram-se leis específicas regulamentando temas como a obrigatoriedade de execução dos EIA (Estudos de Impacto Ambiental), o correto gerenciamento e disposição final de resíduos perigosos, as leis de crimes ambientais, e normas estabelecendo padrões para emissões atmosféricas e níveis de tratamento de efluentes. Apesar disto, as leis muitas vezes não incluem sanções administrativas ou criminais. Uma exceção importante é a Lei de Crimes Ambientais do Brasil, publicada em março de 1998, que prevê pesadas sanções penais para os poluidores, podendo levar os infratores até a cumprir pena de prisão.
A maior parte dos países latino-americanos também desenvolveu estratégias nacionais e planos de proteção ambiental, geralmente contando com financiamento e assistência técnica de organismos internacionais. Durante as décadas de 1980 e 1990 muitos países da região criaram novas instituições ambientais na forma de ministérios, secretarias, agências controladoras, conselhos e comissões. Países como o México, Honduras e Nicarágua são bons exemplos de países que implementam sua política ambiental através de Ministérios. Outros, como o Chile, Equador, Guatemala e Peru optaram por conduzir a questão ambiental através de Comissões Coordenadoras.
A América Latina, encarada como um todo, já deu seus primeiros passos no estabelecimento de uma legislação ambiental. Novos fatos, na área econômica e social, estão forçando cada país a aprimorar e alterar suas leis e avançar cada vez mais em direção ao conceito de desenvolvimento sustentável. O maior problema, no atual estágio de desenvolvimento das sociedades latino-americanas não é a falta ou o pouco desenvolvimento da legislação. O que mais afeta o meio ambiente na região é a fraca implementação da legislação existente. Existem inúmeros exemplos em toda a região, como:
- Extensas áreas de floresta amazônica localizada no Peru, no Brasil e na Colômbia – apesar de estarem sob proteção legal – ainda são derrubadas por falta de controle das autoridades da região.
- No México, grande parte dos recursos hídricos esta poluída por efluentes domésticos e industriais, apesar de existir legislação que exige o tratamento destas emissões.
- Na Nicarágua, criaram-se diversas leis referentes a descarga de efluentes domésticos, industriais e agrícolas, que todavia não são respeitadas, aumentando o nível de poluição dos lagos e cursos de água.
- As emissões atmosféricas de atividades mineradoras na Bolívia e no Chile ainda causam danos ao meio ambiente, apesar de existirem leis regulamentando estas atividades.
Especialistas latino-americanos e de diversos órgãos internacionais apontam os seguintes fatores como principais impedimentos a um efetivo controle ambiental e cumprimento da legislação na região:
- Pouca coordenação entre os diversos órgãos ambientais, agências econômicas e sociais;
- Falta de recursos financeiros para implementação de programas e projetos;
- Poucos profissionais qualificados e escassez de recursos para treinamento e equipamentos de monitoramento;
- Falta de decisão política para implementação de programas e projetos;
- Pressão econômica por partes de grupos que se sentem afetados pelas ações de controle.
Por outro lado, os mesmos analistas apontam tendências que deverão contribuir para a melhoria do controle ambiental e a criação de leis mais restritivas:
- O papel cada vez mais forte desempenhado pela opinião pública sob regimes democráticos;
- A atuação dos meios de comunicação, apontando os problemas ambientais e informando a população;
- O fortalecimento dos ministérios públicos em todos os países da América Latina;
- Crescimento da importância das normas técnicas em economias cada vez mais internacionalizadas;
- Empresas multinacionais e locais voltadas para o mercado exportador estão introduzindo sistemas de gerenciamento ambiental e obtendo certificações na norma ambiental ISO 14001;
- Diversos países da região já criaram leis de proteção ao consumidor e com isto também órgãos de proteção ao consumidor;
- O aumento do numero de ONGs, com grande atuação na área ambiental e social;
- A “industria ambiental” apresenta um rápido crescimento, abrindo novas oportunidades de trabalho e ampliando a oferta de cursos especializados.
Quanto às normas ambientais da série ISO 14001, é cada vez maior o número de empresas – principalmente nas economias mais industrializadas da região – implementando sistemas de gerenciamento ambiental, para em seguida obterem a certificação. O Brasil é o país na América Latina com o maior número de certificações na norma ISO 14001, devendo alcançar cerca de 3.000 certificações até o final de 2009. A Argentina dispõem de cerca de 800 empresas certificadas, o México cerca de 600 e o Chile aproximadamente 500. Quanto as certificações em outras regiões da América Latina, estas ainda são em número reduzido.
As empresas que estão obtendo a certificação ambiental são empresas com seguinte perfil:
- Empresas de grande porte, nacionais ou multinacionais;
- A grande maioria destas empresas exporta parte de sua produção para a Europa, EUA ou Japão.
- A maior parte das empresas certificadas na norma ISO 14001 já obtiveram a certificação na série 9000.
- Algumas empresas certificadas já estão solicitando a seus fornecedores que implementem um sistema de gerenciamento ambiental , para que no futuro também possam solicitar a certificação ambiental.
Em suma, está sendo criada uma estrutura que permitirá o desenvolvimento deste mercado nos próximos anos.
Cabe acrescentar que o desenvolvimento sustentável da América Latina não depende somente da criação de leis ambientais mais elaboradas e restritivas. É importante que, sejam criados mecanismos locais e internacionais, que possibilitem à América Latina atingir melhores padrões de educação, emprego, moradia e saúde para seus habitantes.
(imagens: Almeida Junior)

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