"O que neste mundo decidem as menores coisas, as mudanças que os objetos e circunstâncias aparentemente menos importantes acarretam em nosso destino, constituem, a meu ver, o mais profundo abismo para o pensamento." - Alfred Musset - Confissões de um filho do século
Nos últimos dez anos a economia brasileira entrou em um ritmo de crescimento relativamente constante. O controle da inflação, o aumento do consumo interno, a expansão da agricultura comercial e a aceleração da demanda mundial das commodities, foram fatores que ajudaram a impulsionar a economia, depois de duas décadas de estagnação. A retomada da atividade econômica fez com que fossem criados mais postos de trabalho e que aumentasse a massa salarial. Empresas, em diversos setores, viram seus resultados anuais crescerem gradualmente e o Estado aumenta a arrecadação de impostos a cada ano.
No entanto, o crescimento econômico provocou um impasse. Bastaram alguns trimestres de ampliação das atividades, para que a infraestrutura – estradas, portos, aeroportos, energia elétrica, administração pública, entre outros – desse sinal de inoperância, mostrando o quanto o país ainda está subdimensionado para um ritmo de expansão constante. Fala-se, também, em uma falta de mão-de-obra qualificada; resultado dos baixos investimentos em capacitação e das constantes oscilações do mercado de trabalho, ao longo das crises econômicas das décadas anteriores.
Além de pressionar a infraestrutura, o crescimento econômico também tem forte impacto sobre o meio ambiente, já que a expansão da economia implica em maior exploração dos recursos naturais; mais consumo de energia, aumento na geração de resíduos e emissões. Em outras palavras, as empresas utilizam mais matérias primas, energia e água, produzindo mais e gerando volumes maiores de resíduos; o cidadão aumenta seu consumo de bens e serviços, mas também multiplica seus excedentes. Em suma, o processo econômico extrai recursos da natureza – na forma de minérios, alimentos e água – e devolve imensos volumes de sobras – na forma de lixo, resíduos industriais e esgoto. Qual o impacto ambiental e social deste processo?
Nas sociedades mais industrializadas – onde a atividade econômica é mais intensiva – a legislação ambiental e a pressão da sociedade civil existem há mais tempo e são mais efetivas, forçando todos os setores econômicos a adotar medidas de controle da poluição e redução na geração de resíduos. Na administração pública estas sociedades já lograram, há décadas, resolver seus problemas com relação à gestão dos resíduos domésticos e do saneamento. Leis garantem a proteção dos direitos do cidadão, no que se refere às condições seguras de trabalho, educação e assistência à saúde.
No Brasil, tais medidas ainda estão pouco implantadas. Apesar do gradual desenvolvimento da legislação ambiental desde o início da década de 1980, a falta de efetivo controle das atividades econômicas, o diminuto volume dos investimentos do Estado e o baixo nível de conscientização da maior parte da população, fazem com que o crescimento econômico ainda aconteça fortemente às expensas dos recursos naturais e, consequentemente, provocando impactos sociais.
Um dos principais problemas de meio ambiente, gestão social e de saúde, continua sendo o saneamento; o tratamento de água potável e do esgoto doméstico. Dados de 2008 informam que 81,2% da população dispunham de acesso à água tratada. Somente 43,2% do esgoto gerado foram efetivamente coletados e deste volume 34,6% eram tratados. Entre 2007 e 2010 o governo planejava investir cerca de R$ 40 bilhões no setor, através do “Programa de Aceleração do Crescimento” (PAC). Esta previsão ainda precisa ser confirmada, dado o atraso em diversas obras do programa e o corte de recursos anunciado nos primeiros dias do governo de Dilma Rousseff. A realização da Copa de 2014 e das Olimpíadas em 2016, esperança de um aumento nos investimentos em saneamento – já que se planejava apresentar ao mundo uma “copa verde” – não deverão trazer relevantes benefícios ao setor, dados a falta de organização, recursos e tempo hábil para as obras. O saneamento, prioritário sob aspecto de saúde pública, continuará sendo uma meta não alcançada pelo país. Para uma nação do porte do Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os investimentos anuais no setor deveriam ser de no mínimo 0,5% do PIB (R$ 10 bilhões), o que não está acontecendo. Assim, continuaremos indefinidamente poluindo os rios, lagos e oceano, com esgotos domésticos e até efluentes industriais, degradando o meio ambiente, os recursos hídricos e exterminando espécies – muitas desconhecidas ainda. No aspecto social continuarão as epidemias de dengue, viroses e doenças provocadas por águas contaminadas, sobrecarregando o sistema de saúde e matando milhares de crianças a cada ano, geralmente aquelas das camadas sociais mais desprotegidas.
A questão do lixo e dos resíduos industriais também não foge à regra, por ser um problema ambiental e de saúde pública. Diariamente são gerados hoje no Brasil 182 mil toneladas de lixo doméstico – média de 0,95 kg/habitante /dia, para uma população de 191 milhões. Os dados, reunidos pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública - ABRELPE, também dão conta de que deste volume 88% são coletados pelas prefeituras. O restante é despejado no meio ambiente, muitas vezes provocando contaminação de solos e rios. Da quantidade total coletada, 60% vão para lixões, sem qualquer tipo de fiscalização, ou para aterros com limitado padrão de controle. Somente 40% de todo o volume de lixo gerado tem destinação correta em aterros sanitários devidamente construídos.
Na área industrial o Brasil gera 86 milhões de toneladas anuais de resíduos (dados de 2008). Deste volume, quatro milhões de toneladas/ano são formados por resíduos perigosos. No entanto, somente 30% deste volume – 1,2 milhões de t/ano – recebem tratamento adequado; os restantes 70% são depositados em lixões, sem qualquer tipo de cuidado. A má gestão destes resíduos provocou a formação de milhares de áreas contaminadas em todo o país - somente no Estado de São Paulo são mais de 3.000 locais poluídos. Já os resíduos de serviços de saúde chegam a 1.100 toneladas por dia em todo o país, dos quais cerca de 340 t/dia são efetivamente tratados. A quantidade restante vai para aterros e não recebe processamento especial, representando grande perigo para as cerca de 50.000 pessoas, que em todo o território nacional infelizmente ainda sobrevivem com o que coletam nos lixões.
A recente aprovação da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em dezembro de 2010, deverá trazer importantes mudanças na gestão dos resíduos sólidos no Brasil. No prazo de quatro anos, empresas, consumidores, prefeituras, cooperativas de catadores; todas as partes envolvidas na gestão dos resíduos terão que contribuir para que seja dado um tratamento eficiente ao lixo; seja pela reincorporação ao sistema produtivo ou o descarte correto. A introdução de um sistema deste porte demandará anos de trabalho sério e investimentos.
Esta só uma pequena amostra das dificuldades ambientais e sociais que continuam afetando a sociedade brasileira. Isto sem abordar todas as outras mazelas sociais, como o ainda péssimo nível do ensino, o caos que perdura há décadas no sistema de saúde e a baixa qualidade de vida nas grandes cidades – principalmente em suas periferias. Também não mencionamos aqui os impactos ambientais e sociais de um crescimento por vezes desordenado e introduzido a qualquer custo – como os grandes empreendimentos no setor de geração de energia e transporte.
O crescimento da economia não pode ser objetivo único de uma nação. Não é só a expansão do consumo, cada vez mais exacerbado, que trará bem estar ao cidadão. A diminuição do ciclo operacional da mercadoria, gerando mais receita, mas sem considerar as externalidades da atividade econômica, provocará um gradual depauperamento ambiental e humano da sociedade. Por isso, é preciso perguntar qual o tipo de crescimento queremos e quem deverão ser seus beneficiários.
(imagens: Pierre-Auguste Renoir)
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