Pressupostos
A idéia de que o homem estava situado em dois mudos, o material e um ideal (espiritual, mítico, intelectual, psíquico) sempre permeou o pensamento da maior parte dos filósofos. Um dos precursores da antropologia filosófica (AF), segundo Abbagnano, foi o viajante, cientista e intelectual Alexandre von Humboldt. Este já no início do século XIX pretendia que a antropologia, além de determinar as condições naturais do homem (temperamento, raça, nacionalidade, entre outros) também descobrisse, através destas condições, o próprio ideal da humanidade; padrão que continua sendo o objetivo ao qual todos os indivíduos tendem. Max Scheler, filósofo alemão do início do século XX e considerado o fundador da AF, coloca sua filosofia como situada entre a ciência positiva e a metafísica, no que se refere à sua análise do homem. Scheler fazia uma nítida distinção entre os diversos tipos de conhecimento e talvez seja por isso que tenha conseguido afirmar tantas coisas que – mesmo à sua época – conflitava com o conhecimento científico. “Aquilo que pertence à esfera da crença religiosa, nasce no âmbito da história, cresce definha e morre. Nunca será estabelecido à maneira de uma proposição científica, provado e, mais tarde refutado” (Scheler, 1993).
Objetivo
A AF se propõe a ser uma ciência antropológica (ao lado das outras antropologias, como a física e a cultural) que estuda o homem além de seus aspectos físicos, biológicos e psicológicos; estudando “o lugar do homem no universo” e respondendo às eternas perguntas sobre sua situação (quem sou?), sua origem (de onde vim?) e seu destino (para onde vou?). Scheler em seu “A posição do homem no universo”, escreve: “É tarefa de uma antropologia filosófica mostrar exatamente como emergem a partir da estrutura fundamental do ser homem, tal como ela foi transcrita de maneira apenas resumida em nossas exposições, todos os monopólios específicos, as realizações e as obras do homem: assim a linguagem, a voz da consciência, o instrumento, as armas, as idéias de certo e errado, o estado, o governo, as funções representativas das artes, do mito, da religião, da ciência, da historicidade e da sociabilidade” (Scheler, 2003).
A AF pretende ter, pelo exposto, uma visão completa das atividades do homem, considerando sua especificidade separada dos outros seres vivos. Em seu método se vale de “um discurso racional sobre o ser humano para explicar a essência do ser humano, as categorias abstratas, para isso precisa das contribuições do saber científico e do ontológico, precisa das contribuições das ciências do homem” (Acha e Piva, 2007).
Histórico
Os antecedentes da AF encontram-se em diversos pensadores que, de uma maneira ou outra, contribuíram para a formação desta disciplina. Entre os principais filósofos que influenciaram a AF, estão:
- Kierkegaard e sua idéia do valor absoluto do homem diante de Deus, sem intermediários;
- Herder, pensador influenciado pelo iluminismo e defensor da liberdade e da responsabilidade do homem;
- Toda a escola dos pensadores considerados existencialistas (a prioridade da existência sobre a essência), como Heidegger, Jaspers, Buber, Sartre, Marcel, Hartmann, entre outros.
- Pensadores da corrente personalista, de forte influência católica, como Mounier, Lesch e Jolif.
Uma das grandes preocupações de grande parte dos filósofos, desde a Antiguidade, foi o homem. Cada um, a seu modo, procurou definir qual seria o papel do homem no cosmos. Nesta tentativa, cada pensador, evidentemente, tentou dar seu parecer sobre a situação do ser humano em sua visão do de mundo. Desde Heráclito e Parmênides, passando por Sócrates, Platão e Aristóteles; até a Idade Média com Agostinho e Tomás de Aquino; a pergunta principal da filosofia foi: “o que é o homem e qual seu papel no universo?” Ernst Cassirer, em sua obra “Ensaio sobre o Homem”, escreve em relação a esta pergunta: “Que o conhecimento de si mesmo é a mais alta meta da indagação filosófica parece ser geralmente reconhecido. Em todos os conflitos entre as diversas escolas filosóficas, esse objeto permaneceu invariável e inabalado: foi sempre o ponto de Arquimedes, o centro fixo e inamovível, de todo o pensamento” (Cassirer, 2005).
O que é o homem?
Quanto à pergunta sobre o que é o homem, a AF tenta respondê-la a seu modo, considerando a criatura humana como sujeita a fatores físicos, biológicos, psicológicos e sociais, ao mesmo tempo dotado-a de uma “dimensão espiritual”. “Enquanto o Eu e o corpo permanecem relegados à finitude do ambiente, a pessoa espiritual pura consegue alçar-se ao absoluto. Sua dimensão é o mundo como mais alta representação de valores e idéias absolutos, como lugar de atributos puramente espirituais e divinos. O ser humano pertence a ambos os reinos; ele enquanto o ser cindido tem de se reconciliar entre si e o corpo e o centro espiritual pessoal. Neste sentido, refletem-se nele enquanto microcosmo as relações (metafísicas) do macrocosmo” (Arlt, 2008).
A AF é baseada em pressupostos metafísicos. No entanto estes conceitos, como o das Idéias de Platão, o hilomorfismo de Aristóteles, a essência e existência de Tomás de Aquino, o res cogitans e res extensa de Descartes; os conceitos de substância, alma, entre outros, têm mais interesse histórico mas não são mais temas correntes na filosofia moderna. A AF, no entanto, se baseia em grande parte nestes conceitos. No pensamento de Scheler, iniciador da moderna AF, encontra-se temas que caberiam mais nos tomos de metafísica ou até na apologética cristã. Sob muitos aspectos, a AF não tem mais uma mensagem para o mundo moderno e tornou-se, assim, mais uma corrente filosófica a fazer parte dos tomos de história do pensamento filosófico.
Bibliografia:
Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes. São Paulo: 2007, 1210 p.
Acha, Juan A.; Piva, Sérgio I. Antropologia Filosófica. CEUCLAR. Batatais: 2007, 71 p.
Arlt, Gerhard. Antropologia Filosófica. Editora Vozes. Petrópolis: 2008, 299 p.
Cassirer, Ernst. Ensaios sobre o Homem. Martins Fontes. São Paulo: 2005, 391 p.
Scheler, Max. A posição do homem no Cosmos. Forense Universitária. Rio de Janeiro: 2003, 123 p.
Scheler, Max. Morte e sobrevivência. Edições 70. Lisboa: 1993, 103 p.
(imagens: João Baptista Castagnetto)
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