"Não sei o que pensar! Nunca acreditei em fantasmas, só que..." - Mickey - Os sete fantasmas
No
século XIX o Brasil e outros países da América do Sul foram visitados por grupos
de viajantes, geralmente a serviço de países europeus ou de grupos de interesse
econômico. No Brasil teve grande influência a abertura dos portos às nações
amigas, promovida por D. João VI, quando se mudou com a corte portuguesa para o
Rio de Janeiro. Em suas viagens estas delegações eram compostas por
mineralogistas, geógrafos, botânicos, pintores e desenhistas que elaboravam
diários e relatórios, desenhavam mapas e retratavam a população e a natureza.
Muitas vezes estes relatos são repletos de julgamentos tendenciosos e análises
superficiais de aspectos culturais e econômicos. Sob a ótica de sua própria
cultura, estes viajantes analisavam as práticas sociais e culturais da
sociedade brasileira à época.
Estes
visitantes, em sua visão unilateral, não conseguiam conceber que poderiam existir
outras formas válidas de cultura; maneiras diferentes de relacionar-se com o
meio ambiente natural e de organizar o ambiente social. Os brasileiros, em
muitos autores, são classificados como preguiçosos, libidinosos, carolas,
vaidosos e ignorantes. Os europeus julgavam que somente seu ponto de vista era válido
e, desta forma, mais evoluído – o ponto de vista da cultura européia. Auguste
de Saint-Hilaire, por exemplo, famoso botânico francês viajou pelo Brasil entre
1816 e 1822. Deixou vários comentários tendenciosos sobre aspectos da
religiosidade; retratou os campos mineiros como “um misto de desordem e regularidade
selvagem”; e desvalorizou as obras de arte das igrejas no interior do Brasil. Outros
viajantes da mesma época como os alemães Spix e Martius elogiaram a exuberância
da natureza, estudaram as plantas brasileiras e os costumes dos indígenas.
Alemães, franceses, ingleses e russos viajaram pelo país, comentaram seus
costumes e sua exuberância natural, mas sempre sob uma perspectiva européia.
A
visão de mundo que inspiraria as descrições destes viajantes sobre a vida no
Brasil é caracteristicamente européia. Em visita ao Brasil, então colônia de
Portugal, observam os costumes dos habitantes locais, que não têm a
sofisticação material da vida nos países europeus de ponta da época (Inglaterra,
França, Alemanha, Áustria, entre os principais). Influenciados por sua cultura
e sem conhecimentos ou senso crítico suficiente capaz de relativizar seus
próprios costumes, julgam a cultura dos brasileiros como primitiva,
característica de um povo longe dos padrões da “civilização européia”. Em seus
comentários, não conseguem ver que: “Se
conseguirmos desse modo dominar o significado de culturas estrangeiras, também
devemos estar aptos a ver quantas de nossas linhas de comportamento – que
acreditamos estar profundamente fundadas na natureza humana – são na realidade
impressões de nossa cultura e estão sujeitas a alterações produzidas por
mudança cultural. Nem todas as nossas normas são categoricamente determinadas
por nossa qualidade de seres humanos: várias delas mudam com as circunstâncias.”
(Boas, 2004, pág. 109).
A
partir do século XX o estudo de outros povos evolui com a antropologia, que
chegou também a ter funções militares. A idéia básica por trás da iniciativa
estava em estudar determinadas culturas, conhecer-lhes os aspectos de interesse
aos fins de uma potência da época (os países já citados acima) – principalmente
suas idiossincrasias – e explorá-las a favor (do país, de grupos sociais, de
interesses econômicos, etc.). Um exemplo
simples disso, mas bastante significativo, está na história brasileira dos
primeiros tempos. No final do século XVII, o bandeirante Bartolomeu Bueno da
Silva, estava acuado pelos índios goitacazes no sertão de Minas Gerais. Tomou
um pouco de aguardente, colocou-a em uma vasilha e pôs-lhe fogo, dizendo que
faria o mesmo com os rios, caso os indígenas atacassem seu grupo. Os
goitacazes, com medo, chamaram-no de Anhangüera, que quer dizer “diabo velho”.
O bandeirante sabia que os índios não conheciam a bebida destilada e usou este
fato em seu favor. Explorou assim um aspecto da cultura indígena em benefício
próprio – ou pelo menos para salvar sua vida e a de seu grupo.
Um
dos mais famosos casos de utilização da antropologia para fins militares foi o
caso da antropóloga americana Ruth Benedict. Estudante da cultura japonesa,
Benedict foi convocada pelo governo americano para que estudasse a cultura
japonesa com fins militares. Fez uma série de pesquisas durante a guerra e
depois foi estudá-la in loco, no
Japão. Cita a antropóloga “Em junho de
1944, recebi o encargo de estudar o Japão. Pediram-me que utilizasse todas as
técnicas que pudesse, como antropóloga cultural, a fim de decifrar como seriam
os japoneses.” (...) “Em junho de
1944, trata-se, portanto de responder a uma multidão de perguntas sobre o nosso
inimigo, o Japão” (...) (Benedict, 1988, págs. 11 e 12).
Em
seu livro “O crisântemo e a espada”, Benedict passa a descrever a sociedade
japonesa, gerando informações que ajudaram o governo americano a cooptar o
Japão depois da Guerra, integrando-o à comunidade das nações alinhadas, em
oposição àquelas perfiladas à União Soviética. Desta forma, a antropologia
ajudou no esforço de guerra e contribuiu para fortalecer aspectos da Guerra
Fria.
Bibliografia:
Boas,
Franz, Antropologia Cultural, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, 109
págs.
Benedict,
Ruth, O crisântemo e a espada, São Paulo: Editora Perspectiva, 1988, 264 págs.
(Imagens: fotografias de Haruo Ohara)
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