"Quando se há de começar a fugir deste perigo? Antes que nos colha a morte. Quando há de chegar a morte? Não o sabemos; poderá ser logo." Padre Manuel Bernardes - Nova Floresta Tomo II
Uma das grandes questões da moderna
biologia é estabelecer o numero de espécies vivas existentes na Terra. Se, em
uma primeira abordagem, o problema pode parecer restrito a biólogos ou outros
cientistas que estudam o assunto, em uma análise mais profunda percebe-se que o
tópico tem implicações em vários outros ramos do conhecimento - talvez até para
a sobrevivência humana. Se, por um lado, o número de espécies estava mais ou
menos definido no passado, a exploração e o estudo de novos ambientes - as
regiões geladas dos polos, as florestas tropicais e o fundo dos mares, entre os
biomas principais - acabou mostrado a existência de espécies vivas nunca
imaginadas. Fato é que até o momento já foram catalogadas cerca de 1,3 milhões
de espécies e a cada ano são descobertas cerca de 15 mil novas.
Em grandes profundidades dos
oceanos, perto de falhas geológicas que expelem água quente a altíssimas
temperaturas - apesar de nessas profundidades a temperatura da água estar entre
2 a 3 ºC -,
habitam espécies únicas, só encontradas naquelas regiões, completamente
desconhecidas do homem até meados década de 1990. Em outra situação, cientistas
descobriram, por exemplo, que certas espécies de bactérias sobrevivem em águas
bastante ácidas, perto de vulcões e gêiseres, em condições onde qualquer outro
tipo de vida pereceria em segundos. Escavações de minas e poços depararam com tipos
de bactérias que sobrevivem em profundidades de 2, 3 até 5 quilômetros na
terra, suportando altas temperaturas, pressões colossais e total ausência de
luz e oxigênio. Recentemente, estudiosos americanos da Universidade Estadual de
Montana encontraram sinais de vida nas águas do lago Whillans, após perfurarem
uma camada de 800 metros de gelo, na Antártida. Nos oceanos, mesmo a pouca
profundidade, é cada vez maior o número de microrganismos identificados pela
pesquisa, formando verdadeiros ecossistemas independentes, cujos habitats distam poucos quilômetros um do
outro, demonstrando a grande variedade de espécies.
A ciência classifica atualmente
os seres vivos em cinco reinos: monera (bactérias), protista (protozoários),
fungi (fungos), vegetal e animal. Destes, somente alguns tipos de fungos, os
vegetais e os animais são pluricelulares. Os demais são organismos unicelulares,
únicos habitantes da Terra por cerca de dois bilhões de anos - antes que os
seres pluricelulares aparecessem há cerca de 600 milhões de anos -, e que mesmo
hoje constituem a maior parte da biomassa viva existente no planeta. Dada esta
grande diversidade de seres vivos, ainda não é possível para os cientistas
estabelecerem o numero de espécies existentes. As estimativas mais
conservadoras atuais dizem existir entre três e dez milhões de espécies; entre
os pesquisadores mais entusiastas estes números variam de 50 a 100
milhões.
A revista de divulgação Science
Magazine publicou em seu volume 339 um artigo assinado por diversos cientistas,
entre os quais o ecólogo Robert May, da universidade de Oxford. Sob o nome Can
we name the earth´s species before they go extinct? (Poderemos denominar as espécies da
Terra antes que se tornem extintas?), o estudo apresenta dois
pontos bastante importantes para a discussão da questão ambiental.
Primeiramente, os autores dizem que o número de espécies não é tão vasto quanto
alguns setores da ciência afirmam - apesar de May ser autor de estimativas
bastante otimistas no passado. A quantidade de tipos de seres vivos, segundo o
artigo, é de aproximadamente de cinco milhões.
Os dados nos quais os
pesquisadores da universidade de Oxford se baseiam, são os mesmos disponíveis
para os outros cientistas. Desta forma, dizem os críticos, trata-se apenas de
uma nova interpretação daquilo que já existe, sem, no entanto, apresentar mais
indícios comprobatórios. Outro aspecto, levantado pelos autores, é de que a
taxa de extinção de espécies é muito mais baixa do que se estima, variando
entre 1% a 5% por década; muito abaixo dos índices "alarmantes"
divulgados por ONGs e institutos de pesquisa de todo o mundo nos últimos anos.
Também neste ponto Robert
May e seus colaboradores estão defendendo apenas uma interpretação diferente de
fatos existentes, já que até o momento não existe um consenso definitivo sobre
o ritmo de extinção das espécies. Grande parte das informações hoje disponíveis
é baseada em inferências, como por exemplo, a velocidade de destruição dos
ecossistemas originais; ocorrendo de forma bastante acelerada, se comparado aos
períodos históricos pré-industriais.
O artigo deverá atrair
muitas críticas de diversos setores das ciências biológicas e ambientais. Ainda
é muito grande a dificuldade em estabelecer o número das espécies existentes
sobre a Terra. A diversidade de biomas e de adaptações da vida às mais diversas
condições, como assinalado acima, dá motivo para imaginar que possam existir muitos
tipos de criaturas ainda a serem descobertas. Quanto ao ritmo da extinção, é cada
vez mais temerário dizer que ocorre de forma mais lenta do que o estimado até
agora, quando as informações disponíveis indicam exatamente a aceleração do
ritmo de destruição dos ecossistemas.
Afirmações como as
produzidas por este estudo precisam ser avaliadas e largamente debatidas por
especialistas, ambientalistas, políticos, empresários e outras instituições envolvidas
com o tema. Isto porque tais ideias, mal ou tendenciosamente interpretadas, podem
dar força a grupos de interesse que se colocam contra o aumento das áreas de
proteção para biomas (e espécies) naturais - seja nos continentes ou nos mares.
Além disso, podem relativizar a importância do fato de que a economia mundial
vem destruindo os ecossistemas naturais - e com isso as espécies - de forma
cada vez mais rápida.
(Imagens: fotografias de Eduardo Gageiro)
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