No texto “O lugar da ‘Natureza’ na teoria
sociológica contemporânea”, o
sociólogo e professor da UFRGS, Dr. Luciano F. Florit, apresenta resumidamente
certos aspectos das discussões que atualmente ocorrem na sociologia ambiental:
o debate entre a linha do realismo ambiental e a do social construtivismo. Ao
mesmo tempo, ainda segundo o autor, o texto pretende superar o que ele chama de
“clássico dualismo sociológico da estrutura e da ação, ou como também têm se
chamado, o dualismo do objetivismo e subjetivismo.”
Segundo o autor, não é fácil incorporar a
influência dos fatores naturais às discussões sociológicas. Efetivamente, desde
sua origem a sociologia sempre procurou se afastar das explicações biológicas,
até há pouco classificadas como reducionistas. Um dos fundadores dos estudos
sociológicos no Brasil, Gilberto Freyre, escreve em sua obra “Sociologia –
Introdução ao estudo dos seus princípios” (1945):
A Sociologia, no seu primeiro esforço para firmar status de
ciência, baseou-se quase exclusivamente sobre a Biologia, adotando-lhe a
terminologia (organismo social, evolução, sobrevivência do mais apto) e por tal
modo identificando o social com o biológico ou com o sócio-biológico que acabou
por não restar quase lugar nenhum, em tal sociologia biológica, para o cultural,
muito menos dentro do cultural, para o elemento histórico-biográfico a que
acabamos de nos referir. Tentou-se a explicação do fato sociológico pelo fato
biológico: do processo sociológico pelo processo biológico (FREYRE, p. 230, 1973).
O fato de que os fenômenos sociais não são
naturais é, segundo o autor do texto, “um axioma fundador do mainstream do pensamento sociológico
sistemático”, fazendo com que a sociedade e o mundo natural se tornassem mundos
essencialmente antagônicos.
No entanto, a partir da década de 1970 autores
como os americanos Riley E. Dunlap e William R. Catton, Jr. começaram a
considerar certos aspectos do meio ambiente – como a capacidade de carga de um
ecossistema e a finitude dos recursos naturais – em seus estudos. Catton, citado
textualmente por Florit, escreve que é preciso perceber os seres humanos “não
somente como uma criatura da cultura, mas também como um mamífero em
desenvolvimento que faz parte de um ecossistema em transformação.”
A discussão proporcionou o surgimento de duas
principais correntes de abordagem do problema no interior da sociologia: de um
lado o “novo paradigma ambiental” (NEP – New environmental paradigm); de outro
o “paradigma excepcionalista humano” (HEP – Human excectionalist paradigm). A
primeira corrente advoga que a natureza, o meio ambiente, efetivamente tem
influência sobre as sociedades, já que estas estão inseridas e sobrevivem pela
atividade econômica que busca seus recursos na natureza. A outra linha, afirma
que o estudo das sociedades humanas pode ser feito sem considerar os aspectos
naturais, já que estes não têm forte influência sobre as interações sociais.
Ao longo dos anos 1990, surgem diversos autores
na sociologia (Freudenberg & Gramling, 1989; Giddens & Beck, 1996;
Irwin, 1997; Buttel, 1996) que de uma maneira ou outra, com mais ou menos
ênfase, colocarão os aspectos ambientais no desenvolvimento de estudos e
teorias no campo da sociologia.
Não por coincidência, surge no mesmo período a
economia ecológica, que diferentemente da economia clássica baseia-se no fato
de que a atividade econômica é um sistema aberto; retira e devolve matéria da
natureza para subsistir. Retiramos recursos (minerais, energia, água) da
natureza e submetendo-os a processos industriais os transformamos em produtos.
Estes depois de usados voltam ao ambiente na forma de resíduos, lixo. O
processo, no entanto, não pode ser repetido indefinidamente, já que todos os
recursos – água, solo fértil, minerais – são finitos.
A economia ecológica explica de outra maneira
aquilo que o sociólogo Anthony Giddens fala na sociologia: a situação atual da
humanidade tem conotações bastante diferentes daquela do passado
(pré-industrial), por estarem os produtos da cultura humana – a tecnologia e a
indústria – na origem dos próprios riscos ambientais. Não há mais como separar
natureza e cultura (o famoso dilema nurture
and culture), já que são os produtos culturais que estão colocando em risco
a sobrevivência da nossa e de outras espécies. Isto é, é nossa atividade
econômica, resultado de nossa cultura, que está erodindo os recursos naturais,
colocando a sobrevivência do “ecossistema Terra” (segundo expressão de
James Lovelock) em perigo no longo prazo.
Mesmo assim, como mostra Florit em seu texto,
diferentemente daqueles que seguem uma agenda realista, existem correntes na
sociologia, como os construtivistas, que encaram esta relação com a natureza de
outra maneira. Estes avaliam toda a problemática ambiental como sendo mais um
produto da cultura, “produto de uma construção social, envolvendo os
processos sociais e sua definição, negociação e legitimação.” Esta linha de
pensamento sociológico estima os impactos ambientais (ou sua divulgação) como
sendo fatos elaborados em certas circunstâncias socioeconômicas.
Um dos maiores representantes desta corrente
sociológica, John Hannigan, reporta, por exemplo, que os grandes problemas
ambientais, surgidos principalmente entre as décadas de 1980 e 1990 são
efetivamente elaborações, constructos,
de diversos grupos de pressão (países, empresas, cientistas, universidades),
com interesses econômicos e políticos específicos, mostrando desta forma que a
atividade científica não é neutra. A chamada “crise ambiental” é para os
construtivistas, resultado de atividades socioeconômicas, cujos efeitos sobre a
natureza são “interpretadas” pelas projeções intelectuais dos grupos de pressão
e formadores de opinião. Em outras palavras, a crise ambiental é muito mais uma
construção sociopolítica do que fato científico.
No entanto, apesar da aparente oposição entre a linha
construtivista e a realista, Florit conclui que em última instância “ambas
as perspectivas não tratam, na verdade da natureza em si, mas de construções
sociais, sejam estas materiais ou cognitivas.” Mais à frente afirma em seu
texto que “a atribuição do caráter de ‘natural’ a quaisquer dos objetos
analisados por quaisquer destas perspectivas é mais uma construção
social.”
Fontes de pesquisa:
FLORIT, Luciano F. O lugar da natureza na teoria sociológica
contemporânea. XXIV Encontro
anual ANPOCS, GT 14, 2000.
FREYRE, Gilberto. Sociologia – Introdução ao
estudo dos seus princípios Vol I e II – 5ª edição. Rio de Janeiro:
Livraria Editora José Olímpio, 1973.
Hannigan, John. Environmental sociology.
Disponível em:
<http://www.untag-smd.ac.id/files/Perpustakaan_Digital_1/ENVIRONMENTAL%20SOCIOLOGY%20Environmental%20sociology.pdf>.
Acesso em 4/5/2013.
Perspectivas para uma economia ecológica.
Disponível em:
Acesso em 28/04/2013
Setor ambiental brasileiro: estrutura e
tecnologia. Disponível em:
>. Acesso em 4/5/2013
Sociologia ambiental: estudo na perspectiva da
sociedade de risco e bioética na esfera da educação. Disponível em:
<www.fevale.br/site/hotsite/tpl/86/arqiovos/4-2-2012/8%20-%20SOCIOLOGIA%AMBIENTAL.pdf>. Acesso em 28/04/2013.
(Imagens:fotografias de Hans Günter Flieg)
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