"Uma vez que os tempos não se adaptam aos nossos modestos apetites, o remédio é nos adaptarmos aos apetites do tempo." - Carlos Heitor Cony - O ato e o fato
Os rios sempre tiveram um
importante papel na história da humanidade. De acordo com sua localização,
volume d'água e navegabilidade, ofereciam as condições para que os homens
pudessem sobreviver às suas margens. Foi à beira dos cursos d'água que se
estabeleceram as primeiras aldeias em regiões propícias à agricultura. As aglomerações
cresceram, passando a reunir um grande número de atividades que ocupavam parte
da população. Ao longo to tempo criaram-se leis, um governo central, um
exército profissional e logo surgiram os primeiros estados e impérios. Foi
assim que às margens do rio Nilo surgiu o império egípcio e à beira dos rios
Tigre e Eufrates surgiu o império babilônico.
Outros rios eram propícios
ao escoamento de mercadorias produzidas ao longo de seu curso, tornando-se rota
de comércio e ligação entre cidades e regiões. O rio Reno, localizado na Europa
Central, tem estas características. Já na Idade Média o Reno era navegado por
comerciantes da Liga Hanseática que faziam o comércio de mercadorias, ligando o
Mediterrâneo e o Mar do Norte. O rio Volga, na Rússia e o Tamisa, na
Inglaterra, tiveram e ainda têm a mesma função.
Em São Paulo o rio Tietê,
correndo da costa para o interior, foi utilizado como via de acesso às terras desconhecidas;
o sertão. A exemplo de outros rios como o Mississipi, nos Estados Unidos, o
Paraná e o Uruguai, na região da bacia do Prata, o rio Tietê tornou-se o
caminho de acesso às regiões inexploradas do oeste do país. Foi através dele que
as bandeiras alcançaram o ouro de Minas Gerais e de Goiás e povoaram parte do
interior de São Paulo.
O rio Tietê há muito perdeu
sua função de via de acesso ao interior do país. A construção de ferrovias no
início do século XX e a expansão da malha rodoviária na década de 1950, fizeram
com que diminuísse a importância do rio para o transporte. A partir dos anos
1980 o rio voltou a ser importante meio de transporte de produtos agrícolas e
minerais, com a construção de eclusas que facilitaram sua navegação.
A partir do final do século
XIX o Tietê começou a ser utilizado para diluir os esgotos da crescente cidade
de São Paulo. A poluição do rio começou a se fazer notar a partir dos anos
1920, quando a população da cidade começava a ultrapassar os 700 mil
habitantes. Com isso a captação de água do rio para bairros da região norte teve
que ser gradualmente interrompida. Nos anos 1930 as atividades recreativas realizadas
no Tietê tiveram que ser suspensas devido ao mau cheiro das águas.
Em 1992 teve início um
ambicioso projeto de despoluição do rio Tietê, coordenado pela SABESP, a
companhia de saneamento do estado. No entanto, apesar das promessas das
autoridades nos últimos 20 anos, o rio Tietê continua relativamente poluído no
trecho entre Mogi das Cruzes e Barra Bonita (cerca de 230 km). A poluição mais
forte, onde o nível de oxigênio na água é de 0 a 2 mg de oxigênio por litro -
considerado praticamente morto - se concentra entre Guarulhos e Bom Jesus de
Pirapora, numa extensão de cerca de 70 quilômetros.
As obras de saneamento
continuam avançando, mas não existe uma previsão de término. Cerca de 40% do
esgoto gerado pela cidade e centenas de córregos poluídos ainda deságuam no
Tietê. Lixo e entulho ainda são carregados pela correnteza em direção ao
interior; triste paródia das monções que partiam da vila de São Paulo no
passado.
(Imagens: xilogravuras de Oswaldo Goeldi)
0 comments:
Postar um comentário