Cerrado é esquecido nos acordos internacionais

sábado, 23 de janeiro de 2016
" ('As Bacantes' de Eurípedes) é uma percepção terrível e dura da vida humana. Ainda assim, no excesso mesmo do seu sofrimento encontra-se o clamor do homem por dignidade. Destituído de poder e alquebrado, um mendigo cego perambula às margens da cidade; ele assume uma nova grandeza. O homem se enobrece com a maldade vingadora ou injustiça dos deuses. Isso não o torna inocente, mas consagra-o como se tivesse passado pela chama."  George Steiner  -  A morte da tragédia


Em tempos de aquecimento global e Fórum Climático em Paris, fala-se apenas na eliminação do desmatamento ilegal na Amazônia. O objetivo é louvável e - se for realmente alcançado - trará muitos benefícios para o país e o planeta. No entanto, existe um outro bioma, o Cerrado, muito mais ameaçado pela expansão do agronegócio, e que não recebe a mesma atenção. Matéria recente do jornalista Marcelo Leite, publicada no jornal Folha de São Paulo, mostra alguns dados sobre a lenta e inexorável destruição à qual está sendo submetido o Cerrado.
O nome é, na verdade, a denominação de um imenso espaço geográfico, com clima e relevos característicos, dominado por três principais biomas: campo tropical (campo limpo); savana (cerrado ou campo sujo); e floresta estacional (cerradão), estendendo-se por 2,045 milhões de quilômetros quadrados - área pouco maior do que o território do México (1,9 milhões de km²). O Cerrado estende-se em espaço contínuo pelos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas. Em seu espaço geográfico também se encontram as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul; a do rio Tocantins, rio São Francisco e rio da Prata.
Estima-se que cerca de 70% da área do Cerrado esteja alterada por atividades agrícolas, pecuárias e mineração. A velocidade do desmatamento na região batizada de Matopiba (incluindo os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) vem crescendo devido à expansão das culturas de soja, milho e algodão. No Matopiba, entre 2000 e 2007, derrubavam-se em média 1.114 km² de vegetação nativa por ano. No período 2007 e 2014 a velocidade do desmatamento cresceu para 1.800 km² ao ano. Em outras área do Cerrado, nos estados de GO, MG, MS, MT, PR, RO, SP e no Distrito Federal, houve uma queda de 64% na ocupação do território entre 2000 e 2014. Nestes estados, o aumento do preço da terra fez com que a expansão agrícola ocupasse áreas abertas anteriormente para a pecuária; atividade menos rentável. Diferentemente, no Matopiba, o baixo preço da terra faz com que a agricultura continuasse avançando sobre áreas ocupadas pela vegetação original.
Estudos concluíram que existem no Cerrado pelo menos 200 mil km² (área equivalente ao estado do Paraná) de terras desmatadas disponíveis para a agricultura, em sua maior parte anteriormente ocupadas pela pecuária.


A falta de coordenação entre os ministérios do Meio Ambiente e o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento faz com que esta imensa área permaneça inaproveitada pela agricultura, ao passo que a vegetação original continua a ser destruída. Significativo também é que no compromisso assumido para a Conferência do Clima de Paris, o governo brasileiro não tenha incluído metas específicas de redução do desmatamento para o Cerrado. As suas áreas protegidas, incluindo unidades de conservação e terras indígenas, somam apenas 8,2% de sua superfície, em comparação com 43,9% da Amazônia.
Os interesses do agronegócio são fortes na região e dispõem de muitos defensores em Brasília. No entanto, já existem soluções como a da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que possibilitam a convivência das atividades econômicas com o ambiente original da Cerrado.
(Imagens: desenhos de Burle Marx)

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