(Publicado originalmente no site www.ricardorose.com.br)
Nossa última newsletter foi
escrita e publicada exatamente na quarta-feira de Cinzas, dia 1 de março
último. Retrospectivamente, podemos ver como toda a situação do país mudou em pouco mais de dois meses. A denúncia da JBS
foi definitivamente o estopim para aprofundar a crise política na qual o pais
vem se arrastando desde o final do governo Dilma.
No plano econômico era
imperativo que o governo conseguisse aprovar algumas reformas que, segundo
especialistas, iriam voltar a trazer o equilíbrio e começar a apontar a direção
da retomada do crescimento econômico. Assim, aprovado o teto de gastos do
governo, os próximos passos seriam a aprovação das reformas trabalhista e
previdenciária.
Apesar da falta de apoio à
reforma da CLT por parte dos partidos de oposição e das centrais sindicais, a
maioria governista no Congresso muito provavelmente garantiria o apoio
necessário ao governo. Passado na Câmara dos deputados, o novo marco legal
agora aguarda avaliação do Senado. Já a reforma da Previdência tem um número
maior de opositores. Se, por um lado, o projeto não foi do agrado da maior
parte da população - provavelmente por falta de informação e pela incapacidade
do governo em comunicar as mudanças -, por outro lado, a retirada dos militares e dos
funcionários públicos das categorias afetadas pela reforma gerou mais
desconfiança ainda. Para aqueles setores que a priori entendiam a necessidade da reforma, concordando com a
ideia, a concessão de regimes especiais de aposentadoria para os servidores
públicos, historicamente gozando de privilégios vedados aos trabalhadores do
setor privado, dava a entender que nada iria mudar.
Como se já não bastasse este
imbroglio governamental, junte-se a
isso a denúncia premiada feita pelos proprietários da empresa JBS, os irmãos
Wesley e Joesley Batista, incriminando centenas de políticos de todos os
partidos, inclusive o presidente Temer e o senador Aécio Neves. Os irmãos
teriam repassado cerca de R$ 600 milhões a deputados e senadores nos últimos
meses, além de aparentemente terem tido um ganho de R$ 1 bilhão com especulação
no mercado financeiro. Mesmo assim, estranhamente, tiveram o direito de deixar
o país - onde diziam estarem sendo ameaçados de morte - para fixar residência
nos Estados Unidos.
Se o país já ficou
estarrecido com as denúncias do Mensalão e da Lava Jato, as acusações feitas
pelos donos da multinacional da carne (e comprovadas pela Polícia Federal) são
mais um golpe na confiança da idoneidade e capacidade dos políticos - se é que
ainda havia alguma. No plano internacional a imagem do Brasil fica
cada vez mais abalada, prejudicando empresas, instituições e cidadãos.
Para a economia as
consequências provavelmente serão ruins. As negociações referentes às reformas,
se não foram completamente prejudicadas, poderão ser atrasadas ou até alteradas
em sua formulação original (a qual já era produto de uma série de concessões).
As agência internacionais de avaliação já falam em baixar mais uma vez o rating do Brasil, o que poderá
prejudicar planos de investimentos em áreas como a infraestrutura. Alguns
bancos reduziram suas previsões de crescimento para a economia brasileira em
2017, prevendo que não ultrapasse os 0%.
Em todo este quadro, as
notícias sobre o meio ambiente também não são otimistas. Dados recentemente
divulgados informam que a Mata Atlântica, por exemplo, teve um aumento no
desmatamento de 57,7% entre 2015 e 2016, com a derrubada de 29.075 hectares de
floresta. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, tal nível de desmatamento não era
registrado há dez anos. O estado que mais desmatou foi a Bahia, que destruiu
12.288 hectares de floresta nativa. No estado do Espírito Santo a derrubada da
floresta aumentou em 116% entre 2015 e 2016. Um dos principais motivos deste
aumento no desflorestamento, segundo a ONG, foram as alterações no Código
Florestal brasileiro e a flexibilização do licenciamento ambiental. Mais um
exemplo desta "nova orientação política" em relação ao bioma, é o
projeto de construção de uma usina termelétrica de 1,7GW (será a maior do Brasil)
no município de Peruíbe, em São Paulo, na região onde o bioma da Mata Atlântica
é um dos mais conservados do país. Na região amazônica, além da redução das áreas
das Unidades de Conservação (UC), o desmatamento também aumentou em 2016, com
direito ao "Troféu Moto Serra" para os estados do Mato Grosso, Pará e
Rondônia.
Para tentar se manter no
cargo apesar das acusações, o presidente Temer precisará do apoio de um grande
número de parlamentares. Providencialmente a bancada ruralista, representada pela
Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), já garantiu seu apoio ao mandatário no
último dia 23 de maio. Qual será a moeda de troca para pagar este apoio? Depois
da alteração do procedimento de demarcação das áreas indígenas, quais serão as
novas mudanças que beneficiarão o agronegócio?
Como não resta muito espaço
para falar do avanço (ou não avanço) na implantação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos e das (poucas) novidades na questão do saneamento, gostaria
apenas de lembrar do desastre de Mariana. Em março último houve rompimento em
um duto da Companhia Vale do Rio Doce em Congonhas, fazendo com que os rejeitos
de mineração fossem descarregados em rios e córregos da região. No mesmo mês os
jornais noticiaram que o governo Temer omitiu o desastre de Mariana em um
relatório que foi entregue para a ONU, tratando da situação dos direitos
humanos no país - como se o desastre de Mariana nada tivesse a ver com o
assunto. Segundo o governo, "a ONU impõe um tamanho ao documento, e assim
o desastre de Mariana não pode ser incluído no texto".
Tá bom isso ou quer mais?
(Imagens: fotografias de Bruce Davidson)
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