(Texto publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)
Em sua primeira homilia, em
março de 2013, o papa Francisco I citou um escritor católico já bastante
esquecido, mas que entre o final do século XIX e início do XX causou bastante
furor no meio católico francês. Disse Francisco em sua primeira mensagem aos
católicos: "Quando não se professa Jesus Cristo, eu retomo a frase de Léon
Bloy: 'Quem não reza a Deus, reza ao diabo.'"
Léon Bloy nasceu na pequena
cidade de Notre-Dame-de-Sanilhac, na Dordonha, região Sudoeste da França em
1846 e faleceu em Paris em 1917. Novelista, ensaísta, jornalista e poeta, Léon
era filho de um livre-pensador e de uma católica devota. Fez seus estudos em um
colégio interno católico, mas era aluno medíocre e indisciplinado. Aproveitava
o tempo livre no internato para estudar pintura e ler os autores famosos de sua
época; Baudelaire, Villiers de L'Isle-Adam, Huysmans, Barbey d'Aurevilly, entre
outros. Léon era agnóstico e tinha aversão pelos ritos e pela doutrina
católica, preferindo suas leituras, que evocavam outras ideias.
Terminando o colégio vai
para Paris onde continua os estudos de pintura e aprofunda sua cultura
literária. Certo dia, em uma livraria, conhece o escritor Barbey d'Aurevilly,
que se torna seu tutor intelectual e por influência do qual tem uma dramática
conversão ao catolicismo.
Depois de atuar como soldado
na guerra franco-prussiana (1870-1871) - da qual trará muitas recordações
dramática - volta a Paris, onde começa carreira jornalística e publica as sua
primeiras obras literárias. Sempre passando por dificuldades financeiras, Bloy
muitas vezes teve que contar com a caridade de amigos e até estranhos, aos
quais pedia recursos através de cartas. Amigo de intelectuais e escritores,
contribuiu na conversão ao catolicismo de alguns deles, como o escritor Huysmans,
o pintor Rouault e o filósofo Maritain. Por outro lado também era bastante
temperamental e atacava autores contemporâneos como Victor Hugo, Emile Zola,
Guy de Maupassant, Ernest Renan e Anatole France, que se tornaram seus
inimigos.
Apesar de relativo sucesso
literário e da fama como polemista em defesa do catolicismo, contra o laicismo
e o agnosticismo que se espalhavam no mundo intelectual francês do final do
século XIX e início do XX, Bloy foi pobre durante toda a sua vida. Em 1890
casa-se com a dinamarquesa Jeanne Molbeck que lhe dá três filhos; dois dos
quais morrem em consequência de desnutrição. Mesmo assim, continua escrevendo e
publicando sua obra ensaística e, principalmente seus diários.
Visionário e movido por sua
fé, Bloy foi ao mesmo tempo um grande escritor e agitador religioso. Acreditava
em aparições da Virgem e estava convencido do fim dos tempos, caso a humanidade
não se reformasse. Seu estilo influenciou diversos autores em todo o mundo.
Escritores como George Bernanos, Loius-Fernand Céline, Ernst Jünger, Jorge Luis
Borges, Graham Greene, Aleijo Carpentier, além dos brasileiros Ronald Carvalho,
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Atayde), Jorge Lima, Murilo Mendes, Augusto
Frederico Schmidt e Gustavo Corção, todos incorporaram algo daquele que a si
mesmo chamava de "mendigo ingrato" e "peregrino do
absoluto". O escritor e ensaísta Octavio de Faria (1908-1980) escreveu um
longo ensaio sobre Bloy, publicado em 1968.
Das principais obras do
escritor destacam-se as novelas "O Desesperado" (1887) e "A
mulher pobre" (1897); os ensaios "O sangue do pobre" (1909),
"A alma de Napoleão" (1912) e "Joana d'Arc e a Alemanha"
(1915); contos como "Suando sangue" (1898) e "Histórias desagradáveis"
(1894). Os escritos que mais lhe trouxeram fama foram os seus diários, dos
quais destacamos "O mendigo ingrato" (1898), "O invendável"
(1909) e o "Peregrino do Absoluto" (1914). Inédito no Brasil, Bloy
teve um livro lançado em 2017, "Nas Trevas" (1917). Abaixo
apresentamos citações de várias das obras do autor:
"O maior mal não é
cometer crimes, mas falhar em fazer o bem que se devia ter feito"
"Somos todos miseráveis
e derrotados, mas poucos são capazes de encarar o próprio abismo."
"Existem partes do
coração que ainda não existem; o sofrimento tem que entrar para que possam
existir."
"O sofrimento passa,
mas o fato de haver sofrido nunca passa."
"Qualquer cristão que
não é herói, é um porco."
"A única tristeza real,
o único grande fracasso, a única grande tragédia na vida, é não se tornar
santo."
"Chegamos a esse
formidável e absolutamente estranho momento, em que Deus tendo sido expulso de
toda parte, faz com que nenhum homem saberá mais para onde ir."
"Um santo pode cair na
lama e uma prostituta pode ascender à luz."
"O excesso é um
defeito."
"Devemos criar uma
cátedra para ler nas entrelinhas."
"Eu sou naturalmente
triste, como alguém é pequeno ou loiro. Eu nasci triste, profunda e
terrivelmente triste, e dominado por uma imensa saudade da alegria."
"É notável que em uma
época onde a informação se tornou a mestra do mundo, não se encontre mais
ninguém que traga às pessoas uma mensagem de seu Criador. Este está ausente:
das cidades, dos campos, das montanhas e das planícies. Ele está ausente das
leis, da educação e dos costumes. Ele está ausente mesmo da vida religiosa, no
sentido de que todos aqueles que ainda querem ser Seus amigos íntimos, não
precisam mais de Sua presença."
"Eu sou um
contemporâneo dos últimos humanos da decadente Antiguidade e por isso muito
estranho a tudo aquilo posterior à Queda de Bizâncio. O ser humano é tão
sobrenatural que, aquilo que ele menos compreende, são as concepções de tempo e
espaço."
"Não seria possível
juntar toda a miséria, toda tristeza e sofrimentos dos pobres em uma trouxa, em
uma cesta? Teríamos as histórias de Deus."
(Imagem: fotografia retratando Léon Bloy)
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