Turistas e degradação ambiental do litoral

sábado, 23 de setembro de 2017
"O bárbaro pilha a terra; ele a explora violentamente e não consegue recuperar suas riquezas, tornando-a inabitável. O homem verdadeiramente civilizado entende que seu interesse é indissociável dos interesses de todos e da natureza."   -   Elisée Reclus   -   Do sentimento da natureza nas sociedades modernas

Já faz alguns anos, mudei para o litoral. Cidade pequena e agradável, rodeada por montanhas e de frente para o mar. Ar puro, bem diferente da atmosfera cinzenta de São Paulo. O trabalho não é problema, já que minha principal ferramenta é a internet. Vez ou outra apenas uma reunião de negócios na capital; bate e volta, porque não suporto mais a cidade grande.

Algumas vezes, durante o ano, a calma da cidade é interrompida pelos feriados, finais de semana prolongados e férias, principalmente as do verão, quando o afluxo de pessoas é maior. Milhares de turistas põem o pé na estrada e descem para o litoral, abarrotando as cidades e vilarejos dos cerca de 500 quilômetros do litoral paulista. Nos outros estados a situação deve ser igual; mas nem em todo lugar se "desce a Serra", como aqui. Nessas épocas, a população da região litorânea chega a triplicar, até quadruplicar.

Durante dias ou semanas, tudo na minha cidade está lotado, com gente saindo pelo ladrão. Padarias, supermercados, farmácias, bares, restaurantes, todos cheios. As principais avenidas congestionadas, já que até pra ir até a adega, a duas quadras de casa, usa-se o carro. Existe prazer maior do que desfilar com seu veículo, símbolo de status social, mostrando a todos - principalmente aos vizinhos - o que o dinheiro pode comprar (mesmo que seja em 60 prestações)?

Sob o sol forte e céu azul, as praias transformam-se no principal local de lazer. Praia cheia, por todos os lados. Guarda-sóis, esteiras e barracas montadas por famílias de turistas, debaixo das quais acomodam cadeiras de alumínio e as indefectíveis geladeiras de isopor, repletas de latas de cerveja e, evidentemente, alguns refrigerantes para as crianças. Perto da água, o jovem casal jogando frescobol e no areão a garotada correndo atrás da bola. Sorveteiros, pipoqueiros, vendedores de raspadinha, salgadinhos e até um carrinho vendendo roupas, chapéus e óculos de sol. Perto da água, dezenas, centenas de pessoas caminhando, pra cá e pra lá.

Nestas épocas, os sistemas de coleta de lixo da cidade ficam sobrecarregados. A frota de caminhões coletores não consegue dar conta do volume de detritos. Na região central, onde a concentração de pessoas é maior, principalmente à noite, os resíduos jorram das lixeiras - sem contar a grande quantidade de lixo que é jogada na rua, em qualquer lugar, sem qualquer consideração.

O mesmo ocorre com os sistemas de transporte público - só existem ônibus e vans -, que já em outros períodos do ano são demorados, e que com o aumento dos usuários ficam sob mais pressão ainda. O incipiente serviço de saúde apresenta a mesma deficiência; emergências lotadas, esperas de horas para consultas urgentes, falta de equipamentos, funcionários... É o quadro da maior parte das cidades brasileiras, mesmo daquelas que por receberem grande número de turistas deveriam estar mais bem equipadas.

O que toda esta invasão traz para a cidade? Quais benefícios revertem para a população local? Muito pouco. Algumas centenas de empregos e subempregos no comércio e no setor de serviços, quase todos temporários, por um período máximo que vai de outubro a março. Para os comerciantes e prestadores de serviços, trata-se da época do ano em que se deveria faturar o suficiente para cobrir a temporada das vacas magras, que vai de março a junho e de agosto a novembro.

Também é nas férias de verão, ou nas semanas que as antecedem, que aumenta a demanda por serviços de pedreiro, pintor, encanador, faxineiro, jardineiro, corretor imobiliário, e outros: são os turistas preparando suas casas para a família ou para os potenciais locadores. Lojas, hotéis, bares e o comércio em geral fazem reformas e ampliações.

E o impacto sobre o ambiente urbano e natural de todo este aumento da população? Muito lixo nas praias, removido diariamente, bem cedo pela manhã, pelos caminhões da prefeitura. Mesmo assim, muita coisa fica pra trás. Embalagens de plástico, papel, fraldas, garrafas e uma série de outros objetos de uso diário, como escovas de dente e cabelo, óculos de sol, restos de brinquedos de plástico, camisinhas, rótulos de produtos e até dentaduras. Às vezes cacos de vidro. Além disso, restos de cordas e linhas de pesca e muito papel higiênico. É comum ver a barraca de uma família armada na praia durante a manhã e na parte da tarde encontrar lixo no local. Alguns, mais "educados" (ou dissimulados) às vezes se dão ao trabalho de enterrar os restos na própria praia.

As florestas do entorno, atravessadas por estradas com pouco ou nenhum controle da polícia florestal, recebem visitantes que arrancam plantas, cortam árvores e arbustos, fazem fogueiras e depositam ofertas para supostas entidades espirituais. Ao deixarem o local ao final do dia, é comum abandonarem garrafas, restos de comida, latas, embalagens e outros resíduos, profanos e religiosos.

Se, por um lado, é possível constatar que a infraestrutura da cidade não é suficientemente desenvolvida para receber um número tão grande de visitantes, por outro é claro que uma parte considerável dos visitantes ainda não tem educação suficiente para este tipo de turismo. Ainda com relação aos turistas que frequentam a cidade é preciso fazer uma distinção. Existem aqueles que possuem um imóvel na cidade e, por isso, na maior parte dos casos, têm mais preocupação com a limpeza e manutenção da estrutura do município. Outros, não têm qualquer ligação emocional com a terra; são locatários de um imóvel no qual permanecerão por alguns dias ou semanas.

Ocorre que parte destes visitantes, não tendo incorporado noções de higiene e civilidade que deveriam ter aprendido desde a infância, pouco se importam com o lixo e outro tipo de sujeira que vão descartando por toda a cidade e seus arredores. É interessante observar que estes poluidores muitas vezes possuem carros novos, até usam roupas de marca. Mas a educação... Nestas situações, penso o quanto nosso país ainda precisa evoluir culturalmente, até mesmo nas noções básicas de convivência humana.

O progresso de um povo não se mede pelo tipo de objetos que compra, pelo tipo de carros que dirige, pelas roupas que veste. Não é só o crescimento econômico, o consumo, a conta bancária. O parâmetro de progresso de uma sociedade é a maneira como se comporta com seus semelhantes e, consequentemente, como trata o meio ambiente urbano e natural. A considerar estes parâmetros, ainda estamos muitos anos distantes de um grau de desenvolvimento aceitável. 
(Imagens: pinturas de Maximilien Luce) 

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