Ferreira Gullar

sábado, 14 de outubro de 2017


(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira Gullar (1930-2016), foi escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta. Na década de 1950, participou do movimento da poesia concreta, tendência estética que reunia artistas plásticos e poetas, das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao final da década afastou-se do movimento, para junto com outros artistas criar o neoconcretismo, que dava mais valor à subjetividade. No início dos anos 1960 abandona o neoconcretismo para dedicar-se a uma poesia politicamente engajada.

Tendo entrado para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e tendo militância política, Ferreira Gullar acabou preso. Exilou-se e foi viver na União Soviética, Chile, França e Argentina entre 1971 e 1977, quando é absolvido em processo no Superior Tribunal Federal e pôde retornar ao Brasil. Durante sua permanência na Argentina escreveu sua mais conhecida obra, "Poema Sujo" (1976).

De volta ao Brasil Ferreira Gullar dedicou-se à atividade de crítico de arte e jornalista, além da poesia, tendo ganho vários prêmios, como "Premio Jabuti de Melhor Livro de Ficção" em 2007 e o "Prêmio Camões" em 2010, atribuído aos maiores escritores da língua portuguesa. Em dezembro de 2014 toma posse na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 37, cujo patrono é o inconfidente e poeta mineiro Tomás Antonio Gonzaga.

De sua extensa produção poética destacam-se "Luta Corporal" (1954), "Dentro da Noite" (1975), "Poema Sujo" (1976) e "Em Alguma parte Alguma (2010). Além desses, Gullar também escreveu textos para o teatro ("Um rubi no umbigo", 1979), memórias ("Rabo de Foguete - os anos do exílio", 1998), biografias ("Nise da Silveira: uma psiquiatra rebelde", 1996) e ensaios ("Argumentação contra a morte da arte", 1993 entre outros). 

De sua antologia antologia poética, destacamos "Poemas Escolhidos" (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1989), de onde reproduzimos os trechos de poemas abaixo:

Em verdade, é desconcertante para
os homens o
trabalho das nuvens.
Elas não trabalham
acima das cidades: quando
há nuvens não há
cidades: as nuvens ignoram
se deslizam por sobre
nossa cabeça: nós é que sabemos que
deslizamos sob elas: as
nuvens cintilam, mas não é para o coração dos homens.

(Do poema "O trabalho das nuvens", publicado em "A luta corporal").


Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
              o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
                                             Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e guichês.

(Do poema "A vida bate", publicado em "Dentro da noite veloz").


Espalharam por aí que o poema
é uma máquina
                        ou um diadema
que o poema
repele tudo que nos fale à pele
e mesmo a pele
de Hiroxima
que o poema só aceita
a palavra perfeita
ou quando muito aceita a palavra neutra
pois quem faz o poema é um poeta
e quem lê o poema, um hermeneuta.

(Do poema "Boato", publicado em "Dentro da noite veloz")

(Ilustração: fotografia de Ferreira Gullar)

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