(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)
Ferreira Gullar, pseudônimo
de José Ribamar Ferreira Gullar (1930-2016), foi escritor, poeta, crítico de
arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta. Na década de 1950,
participou do movimento da poesia concreta, tendência estética que reunia
artistas plásticos e poetas, das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao
final da década afastou-se do movimento, para junto com outros artistas criar o
neoconcretismo, que dava mais valor à subjetividade. No início dos anos 1960
abandona o neoconcretismo para dedicar-se a uma poesia politicamente engajada.
Tendo entrado para o Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e tendo militância política, Ferreira Gullar acabou
preso. Exilou-se e foi viver na União Soviética, Chile, França e Argentina
entre 1971 e 1977, quando é absolvido em processo no Superior Tribunal Federal
e pôde retornar ao Brasil. Durante sua permanência na Argentina escreveu sua
mais conhecida obra, "Poema Sujo" (1976).
De volta ao Brasil Ferreira
Gullar dedicou-se à atividade de crítico de arte e jornalista, além da poesia,
tendo ganho vários prêmios, como "Premio Jabuti de Melhor Livro de
Ficção" em 2007 e o "Prêmio Camões" em 2010, atribuído aos
maiores escritores da língua portuguesa. Em dezembro de 2014 toma posse na
Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 37, cujo patrono é o
inconfidente e poeta mineiro Tomás Antonio Gonzaga.
De sua extensa produção
poética destacam-se "Luta Corporal" (1954), "Dentro da
Noite" (1975), "Poema Sujo" (1976) e "Em Alguma parte
Alguma (2010). Além desses, Gullar também escreveu textos para o teatro
("Um rubi no umbigo", 1979), memórias ("Rabo de Foguete - os
anos do exílio", 1998), biografias ("Nise da Silveira: uma psiquiatra
rebelde", 1996) e ensaios ("Argumentação contra a morte da
arte", 1993 entre outros).
De sua antologia antologia poética, destacamos
"Poemas Escolhidos" (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1989),
de onde reproduzimos os trechos de poemas abaixo:
Em
verdade, é desconcertante para
os
homens o
trabalho
das nuvens.
Elas
não trabalham
acima
das cidades: quando
há
nuvens não há
cidades:
as nuvens ignoram
se
deslizam por sobre
nossa
cabeça: nós é que sabemos que
deslizamos
sob elas: as
nuvens
cintilam, mas não é para o coração dos homens.
(Do
poema "O trabalho das nuvens", publicado em "A luta
corporal").
Não
se trata do poema e sim do homem
e
sua vida
-
a mentida, a ferida, a consentida
vida
ganha e já perdida e ganha
outra
vez.
Não
se trata do poema e sim da fome
de
vida,
o sôfrego pulsar entre
constelações
e
embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a
Nova York, a Santiago
do
Chile. Outros ficam
mesmo
na Rua da Alfândega, detrás
de
balcões e guichês.
(Do
poema "A vida bate", publicado em "Dentro da noite veloz").
Espalharam
por aí que o poema
é
uma máquina
ou um diadema
que
o poema
repele
tudo que nos fale à pele
e
mesmo a pele
de
Hiroxima
que
o poema só aceita
a
palavra perfeita
ou
quando muito aceita a palavra neutra
pois
quem faz o poema é um poeta
e
quem lê o poema, um hermeneuta.
(Do
poema "Boato", publicado em "Dentro da noite veloz")
(Ilustração: fotografia de Ferreira Gullar)
0 comments:
Postar um comentário