(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)
Matias Aires da Silva de
Eça, conhecido como Matias Aires, foi escritor e filósofo moralista - o
primeiro filósofo nascido no Brasil. Nasceu na cidade de São Paulo em 1705,
filho de um bem sucedido comerciante português, com boas relações com a coroa e
a corte portuguesa. Fez seus estudos básicos em um colégio jesuíta de São
Paulo. Em 1716 sua família volta para Portugal, onde Matias conclui seus
estudos de artes e filosofia na universidade de Coimbra.
Entre 1728 e 1733 Matias
Aires mora em Paris, onde estuda direito civil e canônico na universidade de Sorbonne.
Durante sua estadia na França, Matias Aires tem contato com a cultura francesa,
principalmente a filosofia, lendo autores como Voltaire, D'Alembert e Diderot
entre outros. De volta a Portugal, torna-se sucessor de seu pai no cargo que
este ocupava, casa-se e tem dois filhos. Com a morte de seu pai, divide com sua
irmã - também escritora - a grande fortuna da família.
A partir de então, Matias
Aires passa a dedicar-se às atividades literárias e à tradução dos clássicos
latinos. Em 1752 publica sua mais conhecida obra "Reflexões sobre a
vaidade dos homens", obra filosófico moralista, baseada na famosa frase do
Eclesiastes "Vanitas vanitatum et omnia vanitas" (Vaidade das
vaidades, tudo é vaidade). A obra lançada na maturidade do autor reflete a
experiência de toda sua vida e trata principalmente da vaidade, do amor e do
ceticismo. No livro, Matias Aires coloca a vaidade como principal aspecto da
vida humana, sem, no entanto, chegar a definir exatamente esse sentimento. Dá a
entender que a vaidade seja um impulso que faz o homem viver de aparências,
mentiras, ilusões e autoenganos.
Apesar de ter tido contato
com o iluminismo francês do século XVIII, Matias Aires é um autor bastante influenciado
pelos moralistas franceses do século XVII, como Bossuet e La Bruyère, e
pensadores como Pascal (1623-1662) e Hobbes (1588-1679). Aires não compartilha
a visão otimista do homem dos iluministas, tendo uma visão pessimista sobre o
ser humano, próxima do calvinismo. De sua obra "Reflexões sobre a vaidade
dos homens" (Martins Fontes, 1993), destacamos as seguintes passagens:
"Sendo o termo de vida limitado, não tem limite a nossa vaidade; porque
dura mais do que nós mesmos e se introduz nos aparatos últimos da morte."
(Fragmento 1);
"Acabam os heróis e também acabam as memórias de suas ações;
aniquilam-se os bronzes, em que se gravam os combates; corrompem-se os
mármores, em que se esculpem os triunfos; e apesar dos milagres da estampa,
também se desvanecem as cadências de prosa, em que se descrevem as empresas, e
se dissipam as harmonias do verso, em que se depositam as vitórias; tudo cede à
voracidade cruel do tempo." (Fragmento 28);
"Só a vaidade sabe dar existência às coisas que a não têm, e nos faz
idólatras de uns nadas, que não têm mais corpo que o que recebem do nosso modo
de entender, e nos induz a buscarmos esses mesmos nadas, como meios de nos
distinguir; sendo que nem Deus, nem a natureza nos distinguiu nunca."
(Fragmento 49);
"O aplauso é o ídolo da vaidade, por isso as ações heroicas não se fazem
em segredo, e por meio delas procuramos que os homens formem de nós o mesmo
conceito que nós temos de nós mesmos. Raras vezes fomos generosos só pela
generosidade, nem valorosos só pelo valor. A vaidade nos propõe que o mundo do
todo se aplica em registrar os nossos; para este mundo é que obramos; por isso
há muita diferença de um homem a ele mesmo; posto no retiro é um homem comum, e
muitas vezes ainda com menos talento que o comum dos homens; porém posto em
parte donde o vejam, todo é ação, movimento e esforço." (Fragmento
68);
"Vemos as coisas pelo modo com que as podemos ver, isto é, confusamente,
e por isso quase sempre as vemos como elas não são." (Fragmento 79);
"Tudo quanto vemos, é como por uma interposta nuvem; o que imaginamos,
também é como por entre o embaraço de mil princípios diferentes, incertos e
duvidosos; e quando nos parece que a nossa vista rompeu a nuvem, e que o nosso
discurso desfez o embaraço, então é que estamos cegos, e então é que erramos
mais." (Fragmento 79);
"Que coisa é a ciência humana, senão uma humana vaidade? Quem nos dera
que assim como há arte para saber, a houvesse também para ignorar; e que assim
como há estudo que nos ensina a lembrar, o houvesse também que nos ensinasse a
esquecer." (Fragmento 83);
"Contra o nosso parecer, nunca achamos dúvida bastante; contra o dos
outros sim. A vaidade é engenhosa em glorificar tudo o que vem de nós, e em
reprovar tudo o que vem dos outros." (Fragmento 121);
"Os homens mais facilmente se mudam do que se emendam; quem muda é o
tempo, a ciência não. Comumente o que nos faz deixar os vícios, é a
impossibilidade de os conservar; e ainda então o que perdemos é o uso deles, e
não a vontade." (Fragmento 125);
(Imagem: pintura de Pieter Claesz)
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