"É sem valor pedir aos deuses aquilo que nós mesmos podemos realizar" - Epicuro - Aforismos e Fragmentos
Enquanto as economias
avançadas envidam cada vez mais esforços para reduzirem o consumo de energia, o
Brasil continua preso à ideia de que para crescer é preciso gerar mais energia.
A Alemanha, o Japão e os Estados Unidos aumentaram consideravelmente o tamanho
de suas economias nas últimas décadas, sem que este crescimento tenha vindo acompanhado
de um proporcional aumento da geração de energia; seja eletricidade, calor,
vapor, ou trabalho de máquinas.
A ênfase dos governos,
institutos de pesquisa e empresas destas e de outras nações industrialmente
avançadas, é sobre o aumento da eficiência. Para isso são investidos bilhões de
euros e dólares, no desenvolvimento e na aplicação de tecnologias que funcionem
de maneira mais eficiente. Máquinas mais leves que realizam operações mais
precisas; processos inteiros que funcionam com mais velocidade, com menos
pontos de perda de energia e quase totalmente automatizados. Lay outs de locais de produção e
distribuição de mercados projetados para facilitar o fluxo, a armazenagem e a
circulação de produtos e materiais. Uso cada vez mais intensivo da ventilação e
iluminação natural. Existem inúmeras providências - muitas delas altamente
técnicas - que possibilitam um melhor aproveitamento da energia, seja qual for.
No Brasil a preocupação com
a eficiência energética se tornou mais acentuada a partir do início dos anos
2000, quando o país passou por uma grande crise de energia elétrica, dado o
baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, em função de longos períodos
de estiagem. Energias renováveis e eficiência energética tornaram-se temas de
debates, publicações e de eventos, já que se converteram em assunto de destaque
nas mídias mundiais. Isto porque, grande parte da geração elétrica nos países
do Hemisfério Norte era feita com combustíveis fósseis, cujas emissões são
causadoras do efeito estufa.
Gradualmente o governo
brasileiro estabeleceu programas de financiamento (PROINFA) e posteriormente
leilões para compra de energia, incluindo a de origem renovável. O mercado da
energia eólica, por vantagens técnicas e financeiras, teve um crescimento
vertiginoso ao longo dos últimos oito anos, fazendo com que este tipo de
energia se tornasse a mais usada dentre as renováveis, depois da hidrelétrica.
A energia solar fotovoltaica, a energia da queima de biomassa e biogás, já se
preparam para alcançarem desenvolvimento semelhante nos próximos anos.
Mas, como dizem os
especialistas, a melhor energia é aquela que não foi preciso gerar. Ou seja,
não foi necessário fazer qualquer investimento, queimar qualquer combustível,
derrubar qualquer floresta ou mudar o curso de um rio. Esta energia não foi
gerada e não causou todas estas externalidades, simplesmente porque não era
necessária. Mas esta poucas vezes foi a maneira de pensar de nossos governos e
de nossos empresários. Assim, a eficiência energética foi sempre relegada a um segundo
plano.
Em 2010 o Ministério das
Minas e Energia em colaboração com a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE)
elaborou o Plano Nacional de Energia 2030. O documento estabelece, entre outras
providências, a meta de poupar 10% da energia consumida projetada para aquele
ano, em 2010. À primeira vista, trata-se de uma proposta bastante factível,
dados alguns fatos como:
- Cerca de 35% da perda de
energia elétrica no Brasil já acontece durante a transmissão, geralmente a
longas distâncias;
- O setor industrial, o
maior consumidor de energia em geral na economia brasileira, tem em média uma
perda energética de 30%;
- O setor de saneamento
(tratamento de água e esgoto) também tem uma grande perda de eletricidade por
super ou subdimensionamento de equipamentos. Desta forma, os custos de
eletricidade representam o segundo item mais importante nas despesas do setor,
só ultrapassados pelos gastos com salários;
- São inúmeros os potenciais
de redução no uso de energia, seja através da ampla implantação de iluminação
com LEDs - no setor privado e público
-, a substituição de sistemas de ventilação por equipamentos mais modernos,
troca de compressores de ar (usados praticamente em todos os segmentos
industriais), modernização de sistemas de refrigeração, entre outros.
As iniciativas como o
PROCEL, apesar de serem bastante abrangentes, incluindo atividades industriais,
produtos e edificações, têm alcance ainda limitado, quase não sendo conhecidos
- exceção são as linhas de produtos eletrodomésticos. A lei que obriga as
distribuidoras de eletricidade a investirem 0,5% da receita anual líquida em
projetos de uso racional de energia, alcança apenas 0,08% de economia de
energia ao ano. Muito pouco em relação ao que precisa ser feito para que o país
possa alcançar suas metas até 2030.
Uma proposta recentemente
apresentada por Rinaldo Caldeira, pesquisador do IEE/USP, através de uma tese
de doutorado, propõe a adoção de um modelo de títulos de eficiência energética,
denominados "White Certificates". A ideia é que projetos que
efetivamente contribuam para a redução do consumo de energia sejam avaliados e
tenham sua redução energética calculada e oficialmente certificada. Por outro
lado, o governo ou a ANEEL podem estabelecer um patamar de redução de consumo
de energia a ser alcançado pelas empresas (provavelmente setorialmente). No
caso de não atingirem suas metas de redução de consumo de energia -
estabelecidas antecipadamente pelo governo -, as empresas poderiam ser multadas.
Eventualmente, os certificados "White Certificates" poderiam ser
comercializados e comprados por empresas que ainda não tenham alcançado as
reduções de consumo de energia às quais estavam obrigadas. Com o certificado
estas empresas compensariam uma eventual multa, já que na contabilidade geral
do mercado alcançaram - pelo menos até aquele ponto - as metas que lhes haviam
sido estabelecidas.
O próprio autor do projeto
afirma que tudo ainda é uma proposta, que está sendo apresentada ao MME e à
ANEEL. O mecanismo dos "White Certificates" é bastante parecido com o
sistema de negociação de créditos de carbono (Certificates of Emission Reduction) muito negociados no início da
década de 2000, principalmente por companhias americanas e países europeus. O
cálculo do valor destes certificados era feito baseado na quantidade de
toneladas de emissões de derivados de petróleo ou equivalentes (tep) capturados
ou não emitidos, através de um projeto (reflorestamento, substituição de
combustível fóssil, etc.). A tonelada de tep tinha uma cotação no mercado internacional
e, desta forma, eram remunerados os certificados gerados pelos projetos.
O mecanismo proposto parece
ser interessante, mas precisa ser encampado pela ANEEL e MME, além de obter o
apoio de instituições como a CNI, a Bolsa de Valores e outros organismos. Mais
importante é que estes certificados tenham credibilidade, sendo auditados por auditorias
internacionalmente acreditadas. Paralelamente, é necessário que o governo
continue com programas de financiamento tecnológico, apoio a projetos,
campanhas de esclarecimento e outras iniciativas, visando divulgar a ideia da
eficiência energética.
Em tempos de "Indústria
4.0" é cada vez mais importante que o país implante a política da
eficiência. Esta não só se limita aos recursos energéticos, mas a todos os
outros recursos naturais usados nos processo industriais e no comércio.
Eficiência no uso da matéria prima, de insumos, e outros componentes que entrem nestes
processos. Quanto menos recursos naturais forem usados, mais serão preservadas
as espécies vivas e os ecossistemas. Tudo, afinal, é feito somente para a nossa
sobrevivência, já que se desaparecermos a vida continua. Desenvolve outras formas
de organismos e vai em frente.
(Imagens: gravuras de Richard Mock)
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