Uso e exploração dos oceanos

sábado, 28 de abril de 2018
"Convicções são inimigos da verdade mais perigosos que as mentiras"   -   Friedrich Nietzsche   - citado por Eduardo Gianetti em O Livro das Citações

"A origem da vida está nos mares", diz a ciência. Apesar de ainda não termos uma resposta definitiva sobre como e em que ambiente a vida teria surgido - se é que alguma vez teremos -, permanece válida a ideia lançada por Darwin no século XIX, de que a vida deve ter se originado em um meio aquático, provavelmente em mares rasos e quentes. Assim, a vida na Terra não teria sido possível sem a existência dos oceanos e do ciclo hidrológico.

Os mares, todavia, nunca foram o nosso habitat - uma comunidade humana vivendo como a descrita no filme futurista Waterworld (1995), sem qualquer contato com terra firme, muito provavelmente nunca existirá. Os oceanos sempre foram para nós fonte de alimentos e rotas de navegação. Há 60 ou 65 mil anos, povos que habitavam a atual região da Indonésia aproveitaram o baixo nível do mar no período glacial, e, navegando de ilha em ilha, alcançaram a Austrália. Os antepassados dos índios americanos utilizaram a mesma estratégia, viajando da Ásia para o atual Alasca ao longo da costa. Os polinésios, provavelmente o primeiro povo de navegadores de longas distâncias, iniciaram sua grande epopeia de colonização das ilhas do oceano Pacífico há cerca de 3.200 anos. Expandiram-se através de uma região de formato triangular, onde cada lado do triângulo tem aproximadamente 10 mil quilômetros. No norte desta figura situa-se o arquipélago do Havaí, ao sul a Nova Zelândia e a leste a ilha de Páscoa. Um feito memorável, dado o pequeno tamanho das embarcações, a tecnologia primitiva e as imensas distâncias oceânicas a serem vencidas.

Na tradição ocidental as proezas dos polinésios somente são comparáveis às Grandes Navegações do século XV e XVI, quando portugueses e espanhóis deram início ao maior deslocamento de produtos, pessoas, animais, plantas, metais, jamais havido na história da humanidade. Este comércio ultramarino aumentou nos europeus o interesse por novos produtos estrangeiros, de todos os tipos. Dois séculos mais tarde, o crescimento da procura por produtos manufaturados, principalmente tecidos, seria atendido com a introdução de máquinas a vapor no processo produtivo. Ao longo do século XIX estes equipamentos evoluíram e se tornaram especializados, permitindo o aumento e a diversificação da produção - grande parte dela transportada através dos oceanos.

Antes que se iniciasse o uso de embarcações movidas a vapor, as atividades pesqueiras em grande parte dependiam da força humana. Por isso, a atividade de exploração marinha de maior impacto, entre o século XVI e final do XIX, foi a caça da baleia. Desta se aproveitava a gordura para fabricação de combustível para iluminação, óleo lubrificante, sabão e margarina, além de algumas outras partes do corpo do animal. A pesca do cetáceo, todavia, era rudimentar e perigosa, exigindo aproximação do animal para lançamento do arpão. Ficou famoso na história da literatura ocidental o romance Moby Dick, escrito pelo americano Herman Melville, que conta a história de Ahab, capitão do navio baleeiro Pequod, e sua busca pela baleia Moby Dick, que lhe arrancara uma parte de sua perna.

Com a introdução da navegação a vapor, os barcos de pesca passaram a ser equipados com mecanismos que permitiam o uso de redes maiores. A partir do início do século XX os equipamentos a vapor foram gradualmente substituídos por motores movidos a óleo diesel, tornando barcos e navios mais ágeis e capazes de capturar maiores quantidades de pescado. Nas últimas décadas a tecnologia muito contribuiu para o aumento do volume de pescado em todo o mundo. Comunicação via satélite, radares para localização de cardumes, previsões de tempo mais confiáveis; tudo tem contribuído para que países como os Estados Unidos e China formassem as maiores frotas de barcos pesqueiros.

O crescimento da população mundial está fazendo com que cada vez mais pessoas dependam de atividades pesqueiras costeiras e oceânicas para suprirem sua demanda por proteínas. No entanto, o volume de peixes e outras espécies capturadas não têm aumentado significativamente nos últimos anos. Especialistas alertam que fatores diversos estão provocando uma gradual queda no volume de pescado. Segundo relatório da FAO (Organização das Nações para Alimentação e Agricultura) publicado em 2015, 90% dos estoques pesqueiros dos oceanos encontram-se sobrepescados ou completamente explorados. 90% dos grandes peixes marinhos, como atum-azul e o espadarte já foram eliminados do oceano pela pesca muitas vezes predatória, como no caso de certas espécies de tubarão, das quais só se aproveita comercialmente as barbatanas.

Além da sobrepesca de várias espécies de peixes, outros aspectos têm contribuído para afetar o equilíbrio dos diversos ecossistemas oceânicos. Grande parte do dióxido de carbono (CO²) dissolvido na atmosfera e resultado da queima de combustível fóssil nas atividades econômicas (indústria, transporte, geração de energia, etc.) é incorporada pelo oceano. Dissolvido na água, o dióxido de carbono gera ácido carbônico, o que faz com que os oceanos se tornem cada vez mais ácidos, inviabilizando a reprodução e a sobrevivência de diversas espécies, principalmente daquelas que tem um esqueleto de carbonato de cálcio, como conchas e corais.

O aquecimento dos oceanos causado pelas mudanças climáticas está branqueando grande parte dos corais, usualmente bastante coloridos. O fenômeno do branqueamento foi observado pela primeira vez nos anos 1980 na costa da Austrália. Nos últimos vinte anos o fato foi documentado por diversas vezes. Em 2017 foi observado o branqueamento de grandes extensões de corais no sul do Mar da China e na Grande Barreira de Corais, na Austrália. O aumento da temperatura da água faz com que as algas que vivem em simbiose com os corais (formados por inúmeros organismos que vivem em colônias) e que lhes dão o colorido, deixem de fazer a fotossíntese e morram. Por causa disso, os corais ficam sem acesso aos nutrientes fornecidos pelas algas e também morrem. Com a morte dos corais também desaparece um riquíssimo ecossistema formado por peixes (mais de 4.000 espécies de peixes habitam os corais), crustáceos, esponjas, cnidários, moluscos, equinodermos, tartarugas, serpentes do mar e cetáceos, além de uma infinidade desconhecida de bactérias e vírus. Estes complexos ecossistemas espalhados principalmente nos mares tropicais - notadamente no sudeste da Ásia e no Caribe - formam uma riquíssima cadeia alimentar, fazendo com que seu desaparecimento represente uma grande perda na história da vida no planeta. 

Desapareceram da cultura dos povos as histórias sobre mares habitados por monstros, seres mágicos, demônios e maldições, que acompanhavam as tripulações dos primeiros navios de longo percurso do século XV e XVI. Hoje os monstros somos nós e as maldições são trazidas por nossa tecnologia. Rios, sistemas de coleta de efluentes e emissários submarinos carregam grandes quantidades de efluentes para os mares.
Esgotos domésticos, resíduos de fertilizantes, nitrogênio e fósforo das atividades agrícolas; é o ambiente propício para proliferação de algas que absorvem o oxigênio da água, tornando o ambiente inviável para qualquer outro tipo de vida. Estas "zonas mortas", segundo estudos, variam em tamanho de dois a quarenta quilômetros quadrados. Em todo o planeta, estas áreas ocupam aproximadamente 160 mil quilômetros quadrados e estão localizadas no Golfo do México, no Mar Negro e Báltico, no Golfo de Bengala e no sudeste da Austrália e da China; basicamente em todas as regiões onde rios que recebem grandes cargas de resíduos de fertilizantes e esgotos domésticos encontram o mar. Algumas regiões da costa brasileira, como a baía da Guanabara e partes do litoral paulista, começam a apresentar o fenômeno.
    
Rios que passam por regiões altamente industrializadas e com grande concentração populacional carregam milhões de toneladas de resíduos, principalmente plástico, para os mares. Ao longo dos últimos trinta anos estes resíduos, levados pelas correntes marinhas, se concentraram em certos pontos dos oceanos, formando verdadeiras ilhas de resíduos plásticos. A maior parte deste lixo tem dimensões menores que cinco centímetros, o que faz com que frequentemente sejam confundidos com alimento, por peixes, tartarugas e aves. Vagando pelos mares em águas internacionais, estas concentrações possuem dezenas de quilômetros e concentram-se principalmente no Pacífico Norte, entre o Japão e os Estados Unidos.   

Os fatores que afetam a qualidade das águas dos oceanos - e com isso toda a fauna e flora marinha - são variados e tendem a aumentar. Como por exemplo os derramamentos de petróleo dos poços de exploração, lastros e combustíveis de navios e diversos outros produtos e substâncias que secreta e ilegalmente são lançados nos oceanos. O impacto das atividades humanas nos oceanos poderá em futuro próximo, em seus efeitos, se aproximar daqueles de algumas das cinco extinções em massa ocorridas na história da vida na Terra.

Apesar de tudo isso, os oceanos ainda continuam sendo os maiores responsáveis pelo equilíbrio climática do planeta. As algas marinhas continuam sendo o "pulmão do mundo", produzindo mais dos 50% de todo o oxigênio disponível no planeta, através de processo de fotossíntese. Mesmo conhecendo somente 5% da área oceânica, sabemos que no futuro seu solo poderá abastecer grande parte da demanda mundial por metais escassos, como o antimônio, a platina, lítio, índio e tântalo, terras raras, entre outros. Além disso, ainda grande parte da fauna e da flora dos mares é desconhecida da ciência. A exemplo das florestas tropicais, os oceanos ainda devem guardar grandes quantidades de moléculas, nos tecidos vivos de seus habitantes, que poderão nos ajudar a desenvolver novas substâncias para uso na medicina, na indústria, na eletrônica, etc.

A ONU, através da Convenção sobre Diversidade Biológica, estabeleceu as chamadas Metas de Aichi, discutidas e acordadas naquela província japonesa. O acordo prevê a proteção de pelo menos 10% das áreas costeiras e marinhas de cada país signatário até 2020. Desde quando o documento foi assinado em 2010, mais de 14 milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas marinhas foram criadas em todo o mundo. Um dos problemas neste acordo é que muitos países criaram suas áreas de conservação, sem planejar ou implantar ações efetivas de proteção destas reservas. A área do oceano terrestre coberto por unidades de conservação é cerca de 7%; todavia apenas 3,6% são objeto de uma efetiva ação de monitoramento. O Brasil criou recentemente duas grandes áreas de proteção: a Área de Proteção Ambiental Marinha do arquipélago de São Pedro e São Paulo e a Área de Proteção Ambiental Marinha de Trindade e Martin Vaz. Somadas, as áreas sob proteção são uma das maiores do mundo e respectivamente a segunda e terceira maiores no oceano Atlântico, depois da Área de Proteção Marinha das Ilhas Georgia do Sul e Sandwick do Sul, pertencentes à Inglaterra.

Apesar da boa notícia, os especialistas veem com atenção a questão do manejo da área e o controle da zona de exclusão. A repressão à pesca ilegal em região tão remota, a mais de 1.000 quilômetros do litoral é um problema que preocupa, já que o entorno de ambos os arquipélagos é habitado por espécies marinhas raras em perigo de extinção. No estado de São Paulo, por exemplo, a maior parte da zona costeira é considerada Área de Proteção Ambiental há quase uma década. Mesmo assim, ainda não existem regras claras para a ocupação e uso sustentável deste território e o plano de manejo, que deveria ter ficado pronto em 2010 até hoje não foi concluído.

Uma coisa, porém é certa. Nosso planeta já passou por cinco grandes extinções e pelo menos uma delas devastou quase 90% da vida marinha. A vida é resiliente e mesmo que nossa civilização venha a destruir grande parte dos oceanos - e provavelmente venha a sucumbir por isso -, a vida continuará o seu curso. Em alguns milhões de anos a diversidade biológica terá se recuperado e novas criaturas povoarão os mares.
(Imagens: pintura de Gabriele Münter)    

0 comments:

Postar um comentário