"A ninguém foi dada a posse da vida, a todos foi dado o usufruto." - Lucrecio - Da Natureza
Considerações sobre o filme “O homem Urso”, de Werner
Herzog
Filme: The Grizzly Man (O homem-urso)
Direção: Werner Herzog
Tema: Documentário sobre a vida de Timothy Treadwell
País: Estados Unidos, 2005,
Timothy
Treadwell viveu e filmou a vida dos ursos do Alasca durante dez anos. A cada
ano passava três a quatro meses sozinho com os ursos, conversando e tentando
entender sua vida, vivendo em uma barraca, sem qualquer tipo de arma. Treadwell
era personagens de seus próprios filmes. O documentário mostra diversas cenas,
rodadas por ele mesmo, conversando com os ursos e explicando aos espectadores
as ações dos animais, que ocorriam efetivamente alguns metros à sua frente.
Treadwell declarava que queria um encontro com os ursos além do conceito
humano-animal. Via a si mesmo como um guardião dos animais.
Em
muitas cenas do documentário, Treadwell se comunica com os ursos e dizia que
pretendia se tornar um animal selvagem como eles. Em outras cenas declarava que
queria chamar a atenção do mundo para a degradação ambiental que estava
ocorrendo no Alasca, colocando em perigo todo o complexo sistema ecológico onde
viviam os ursos e outras espécies de animais que também aparecem nos filmes.
Durante
o período em que não estava sozinho no Alasca, Treadwell fazia conferência para
diversos tipos de público; empresários, políticos, estudantes, sempre
ressaltando a importância de se proteger a região do Alasca e seus animais. Por
outro lado Treadwell também foi alvo de críticas, principalmente por parte
daqueles que tinham algo a perder, caso o controle ambiental sobre a região se
tornasse mais rígido.
Quando
estava no Alasca, Treadwell agia e se comportava como um urso. Sentia-se
imbuído de uma missão que só ele podia desempenhar e declarou em várias
filmagens que morreria pelos animais, que tentava proteger. Índios cujas tribos
no passado habitavam a região, declararam no documentário que esta havia sido a
grande loucura de Treadwell; tentar ultrapassar este abismo que existe entre o
homem e o animal.
Em 2001, ao findar mais um período de permanência com
os ursos, Treadwell e sua companheira Amy foram destroçados por um urso na
região chamada de Labirinto dos Ursos.
O
documentário entrevista o piloto de avião que viria buscá-los, para levá-los de
volta à cidade mais próxima. Ao chegar ao acampamento o aviador chamou pelo
casal e não escutou resposta. Viu diversas coisas espalhadas no chãos e um
urso, mastigando algo de aparência estranha e suja de sangue. O urso estava inquieto
e avançava em direção ao piloto. A dedução dos fatos foi imediata. Entrou de
novo em seu monomotor e levantou voo. Voltou horas depois, trazendo alguns
caçadores que mataram e evisceraram o urso, encontrando em seu estômago pedaços
de tecidos e corpos humanos – parte dos corpos de Timothy e Amy.
Timothy
Treadwell era filho de uma família de classe média baixa, nasceu e cresceu na
Flórida. Conseguiu uma bolsa de estudos na faculdade por ser bom nadador,
participando do time de natação. Aos vinte e poucos anos começa a beber, sofre
uma queda. Não pode mais nadar e também abandona a faculdade. Logo depois
mudou-se para a Califórnia, onde tentou uma carreira como ator de seriados para
a TV, todavia sem muito sucesso. Então começa a frequentar as praias, onde se
torna instrutor de surfe. Apresenta-se como sendo australiano (muda até seu
sotaque), órfão, que tinha se mudado para os Estados Unidos. É neste período
que Timothy começa a fazer uso de drogas. Segundo depoimentos de amigos, tinha
uma personalidade problemática, vivendo determinado período da sua vida entre a
legalidade e a ilegalidade. Por fim, depois de uma overdose que quase o mata,
Timothy Treadwell passa por uma transformação. A partir deste época passa
longas temporadas no Alasca, vivendo entre os ursos.
Em seus
últimos períodos de permanência no Alasca, Treadwell começa a apresentar
indícios de paranoia. Reclama dos visitantes, acha que os caçadores querem
matá-lo. Viola a regra do parque, que permite uma aproximação máxima de 90
metros dos ursos.
Treadwell
morreu tentando salvar sua companheira. Enquanto o urso os atacava, sua câmera,
apesar de não mostrar imagem, estava gravando os sons de sua luta com o urso e
seus gritos dizendo que Amy corresse para salvar a vida.
No fim,
deixou alguns críticos, muitos admiradores e alguns amigos que o conheciam mais
de perto, como realmente era em todos os seus aspectos humanos, bons e ruins.
Durante
o documentário, Werner Herzog, além de dirigir, também narra o filme. Ao final,
depois de contar toda a história e entrevistar todos os envolvidos, Herzog diz
que Timothy Treadwell foi um sonhador, foi talvez o personagem do próprio filme
(aquele que nunca pode estrelar). “Olhando para os ursos não vejo aquilo que
Treadwell via e amava, vejo apenas a indiferença e a fome da natureza”.
O filme
trata de uma história real, mostrando cenas do homem que passou por tudo que
aqui é narrado. Até que ponto o documentário de Herzog romanceou a vida de um
jovem, que do fracasso alcançou fama internacional? Ao que parece, tudo foi
feito de uma maneira honesta e respeitosa, inclusive poupando parentes e
amigos. O filme suscita perguntas como: Afinal, o que é uma vida humana? O que
é verdade sobre a vida de uma pessoa? Como sabemos? Qual é o sentido ou valor
que damos a nossa e à vida dos nossos semelhantes? O que é uma vida ética e
como sabemos ser ética?
O filme
também tem uma lição filosófica. Olhando a Natureza, pensamos inconscientemente
que, de certo modo, ela está aí para nós humanos podermos manipulá-la. Ou, como
Treadwell pretendia, conviver com ela em paz. Nietzsche dizia que somos
estranhos neste universo, que este não foi feito para nós. Assim como os ursos,
somos passageiros, elos de uma longa cadeia.
(Imagens: Timothy Treadwell e sua companheira Amie Huguenard, ursos [Time e International Association of Bear Reserach and Management])
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