"Não devemos invejar as riquezas de certas pessoas; pagaram por elas um preço elevado que não nos convinha: trocaram-nas por seu sossego, sua saúde, sua honra e sua consciência. É uma negócio muito caro, do qual não se tira lucro." - La Bruyère - Caracteres
A atividade de inteligência de mercado
procura reunir informações e dados de um determinado setor e ordená-los de
maneira que permitam tirar conclusões. Estas, podem ser de interesse de uma
determinada empresa, ou daqueles que de uma maneira mais ampla também têm
interesse neste determinado setor. Em outras palavras, baseados em informações
e dados de um mercado (e uma série de informações de outros mercados a ele
ligados), podemos planejar a estratégia de uma empresa ou inferir o
comportamento futuro deste mercado, com margem de erro aceitável. Mas, não é só isso; seria fácil, se tudo fosse
tão simples.
A economia, como se sabe, é um sistema
complexo, definido como aquele cujas propriedades não são uma consequência direta
e necessária de seus constituintes, ou seja, seu desenvolvimento não pode ser
inferido diretamente do comportamento das partes que o constituem. Assim, a
economia – nome genérico de um macro sistema constituído de inúmeros
subsistemas – comporta-se geralmente de maneira pouco ou nada previsível, pelo
menos para os atuais níveis de conhecimento humano. O mesmo se aplica ao setor
da economia que se convencionou chamar de mercado ambiental. Basta tentarmos
enumerar alguns subsistemas que o compõem: mercado do saneamento ambiental
(tratamento de água e esgoto); mercado de gestão de resíduos (domésticos,
hospitalares e industriais); mercado da poluição atmosférica (veicular,
industrial entre as principais); preservação, tratamento e descontaminação de
solos; reflorestamento e áreas de proteção, entre outros. Imagine-se o número
de agentes econômicos envolvidos em todas estas atividades. Além disso, é
preciso também considerar que o avanço tecnológico faz com que surjam a cada
dia novas demandas e, consequentemente, novos mercados.
Em uma primeira avaliação, já é
possível estimar que o mercado ambiental está sujeito às mais variadas
influencias. Desde a disponibilidade de recursos financeiros por parte de
governos e empresas privadas para a implantação de projetos, à aprovação de
leis que podem criar demandas tecnológicas ao impedirem determinadas práticas
de alto impacto ambiental. Da necessidade de cumprir normas técnicas
internacionais, no caso de exportadores de determinados produtos, até a
identificação de novos fornecedores de matérias primas, extraídas ou fabricadas
por processos menos poluentes. Resumidamente, três fatores exercem forte
influência em mercados ambientais em desenvolvimento: a) disponibilidade de
recursos; b) legislação e normas técnicas; e) desenvolvimento de tecnologias
mais eficientes.
Disto exposto, é fácil depreender que
a tarefa da inteligência de mercado num setor altamente complexo como este não
é trabalho fácil. A grande quantidade de elementos que entram em consideração –
e a escolha dos que exercem mais ou menos influência no quadro geral – pode
confundir as análises e levar a conclusões que mais tarde não se confirmarão.
Forma-se uma “hipótese desalinhada” do provável desenvolvimento do mercado, o
que faz com que as conclusões da análise teórica também acabem se
desencontrando da realidade no futuro.
Como exemplo disso, apresentamos uma
avaliação do desenvolvimento do mercado brasileiro de tecnologias ambientais que
elaboramos em início de 2013. Depois de expor um resumo dos fatores econômicos,
sociais e tecnológicos que contribuíram para formar o quadro do mercado à época
(2013), mostramos e discutimos alguns dados e números sobre este mercado,
dividindo-o nos segmentos de saneamento, gestão de resíduos e controle da
poluição atmosférica. Finalizando, baseado em várias informações, dados,
previsões setoriais e macroeconômicas das quais dispúnhamos à época, arriscamos
construir um quadro do desenvolvimento do mercado brasileiro de tecnologias
ambientais, tentando apontar a provável situação futura.
Dividimos nossa perspectiva sobre o
mercado futuro de tecnologias ambientais no Brasil em três áreas: a) as
tendências econômicas; b) as tendências políticas e jurídicas; e c) tendências
tecnológicas.
a) Tendências
econômicas:
Na questão das tendências econômicas
havíamos previsto um aumento dos investimentos em infraestrutura em função de
programas de financiamento como o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e a
implantação de legislação reguladora, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Hoje sabemos que em final
de 2013 já se descortinava uma crise econômica no país, que, entre outros
efeitos ao longo do tempo, reduziu drasticamente os recursos do governo,
diminuindo repasses para o PAC, e, mais especificamente, para o setor de
saneamento. Por outro lado, a PNRS, depois de prevista para 2012, teve sua
implantação prorrogada para 2018. Mesmo assim, os avanços foram pífios, já que
a maior parte dos municípios não dispõe, até o momento, de recursos para dar
início às práticas de atendimento da lei.
Também havíamos previsto uma maior
internacionalização da cadeia produtiva brasileira, através do aporte de investimentos
estrangeiros e o crescimento das exportações, o que provocaria um aumento da
capacidade produtiva e, consequentemente, o aumento dos investimentos em meio
ambiente. O que efetivamente ocorreu é que a cadeia produtiva local se
internacionalizou em parte de outra forma. Assim, parte das empresas deixaram
de fabricar no Brasil e passaram a licenciar fabricantes chineses. Isto ocorreu
de maneira acentuada na indústria autopeças, que fechou muitas de suas unidades
de produção e passou a comprar de fabricantes da China, apondo sua marca aos
produtos.
Em consequência do aumento do padrão
econômico médio da população, havíamos previsto o aumento das exigências dos
consumidores em relação aos produtos, inclusive no que se refere aos aspectos
de sustentabilidade. O que ocorreu, como sabemos, é que o padrão econômico da
maior parte da população caiu visivelmente e as exigências dos consumidores se
limitaram ao preço do produto.
b) Tendências
políticas e jurídicas:
No aspecto das tendências políticas e
jurídicas havíamos previsto que os novos governos dariam mais importância às
questões ambientais. Neste quesito o que ocorreu é que a presidente foi
reeleita e continuou a manter a mesma orientação de seu primeiro governo, com
relação à estratégia na área ambiental. A agravante em seu segundo mandato foi
a redução de verbas para o Ministério de Meio Ambiente (entre outros), fato que
se acentuou ainda mais quando assumiu o vice-presidente Temer, depois do
impedimento de Dilma Rousseff.
Outro aspecto que havíamos previsto
com relação às tendências econômicas e jurídicas foi a pressão que exerceriam
os acordos internacionais e as barreias não alfandegárias instituídas por
países e blocos econômicos. Todavia, a dinâmica internacional das negociações
dos acordos ambientais foi diferente, principalmente com a eleições de Trump e
suas consequências na atuação dos Estados Unidos no cenário internacional da
proteção ambiental. Como sabemos, internamente o presidente Trump cancelou
diversos programas ambientais implantados por seu antecessor, e a nível
internacional abandonou o Acordo Mundial sobre o Clima.
Também havíamos considerado que uma
maior atividade econômica levaria, muito provavelmente, a uma melhor aplicação
da legislação ambiental por parte das agências controladoras. A retração da
economia, no entanto, levou a uma menor atividade produtiva, menor arrecadação
de impostos e, assim, a uma diminuição dos recursos direcionados para as
agências controladoras e reguladoras.
c) Tendências
tecnológicas:
Na nossa previsão de uma economia em
crescimento acelerado, antevíamos uma crescente concorrência interna e externa
por recursos e insumos. Esta rivalidade levaria a uma necessidade de otimizar
processos produtivos para uso mais eficiente do input, de modo a colocar produtos com preços mais competitivos nos
mercados. A melhoria dos processos teria um impacto ambiental bastante positivo,
reduzindo emissões em geral e aumentando a demanda por tecnologias ambientais.
O crescimento das energias renováveis,
que também havíamos previsto como tendência tecnológica, foi praticamente a
única de nosso estudo que se concretizou. Primeiramente a energia eólica e, a
partir de 2017, a energia solar; ambas mostraram um rápido crescimento que só
tende a aumentar. Interessante observar que os leilões de energia – através dos
quais também se compra energia eólica e solar – são organizados pelo governo,
mas financiados exclusivamente pelo setor privado nacional e internacional.
Planejamento, construção, operação e financiamento; tudo está a cargo da
iniciativa privada, sem depender de recursos do Estado.
Por último, havíamos apostado que
empresas locais, colocadas numa situação de competição dado o crescimento da
economia, demandariam tecnologias mais eficientes, o que teria como
consequência o aumento na procura por equipamentos e serviços ambientais. Todavia,
a crise econômica na qual o país afundou, fez com que projetos de ampliação ou retrofit de unidades de produção fossem
postergados.
Concluindo:
No caso de nossa análise, a “hipótese
desalinhada” do provável desenvolvimento do mercado – fazendo com que as
conclusões da análise teórica também acabassem se desencontrando da realidade
no futuro - foi, principalmente, não termos considerado a crise que se abateria
sobre a economia brasileira, principalmente a partir de 2014 – e cujas nuvens
escuras ainda eram pouco visíveis no horizonte em início de 2013. Se àquela
época já se previa um crise, sua profundidade e extensão ainda não era antevista
pela maior parte dos economistas. Assim, um colapso econômico de proporções
extraordinárias, fez com que nossas previsões sobre o futuro do mercado de
tecnologias ambientais extrapolasse completamente a “margem de erro aceitável”,
mencionada no início deste artigo.
(Imagens: pinturas de Max Pechstein)
0 comments:
Postar um comentário