"Para o cinema tudo se torna uma imensa natureza-morta, até os sentimentos dos outros são qualquer coisa de que se pode dispor." - Federico Fellini
ALPHAVILLE (1965)
Filme dirigido por Jean-Luc Godard
O ambiente
do filme é o futuro. Ivan Johnson chega à cidade chamada Alphaville. A cidade é
bastante automatizada. Ao chegar ao hotel, Johnson é procurado por Natasha von
Braun, que fica incumbida de servi-lo como guia em um passeio pela cidade.
Johnson se apresenta como jornalista. É a época “das grandes festas” e muitos
estrangeiros visitam a cidade.
Natasha
leva Johnson para encontrar um amigo dele. Durante o caminho, levados por um
motorista, Johnson tenta averiguar se Natasha é filha do Dr. Von Braun, a quem parece ter sido incumbido de encontrar. Não obtendo nenhuma informação de
Natasha, passam por um centro de “telecomunicação”, de onde ele pretende fazer
um telefonema. Ali, Johnson é atacado, mas se livra de seu agressor.
Johnson
chega sozinho ao local onde mora seu amigo, Henry Dickson. Ele não está, mas Johnson espera por ele, até que finalmente chegue. Dickson já mora há muitos anos em
Alphaville, mas no passado parece ter vindo da mesma cidade que Johnson, “Nueva
York”. Ele mora em condições deploráveis, em um pequeno apartamento. Durante o
diálogo entre os dois, Dickson informa que muitos não aguentam a cidade e seu
clima opressivo, e acabam por se suicidar. Diz que Alphaville é uma sociedade
técnica onde todos vivem como formigas; de onde a arte foi eliminada. Toda a
sociedade é controlada por um “cérebro eletrônico”, construído pelo Dr. Braun
(aquele mesmo que Johnson parece estar tentando encontrar). Logo depois,
Dickson recebe a visita de uma prostituta e acaba morrendo, não sem antes
deixar uma mensagem para Johnson, na forma de um livro, com uma série de frases
assinaladas, de significado estranho.
Johnson,
munido desta mensagem procura Natasha. Vai a um prédio público onde escuta uma
mensagem nos alto-falantes dizendo que “ninguém vive no passado nem no futuro,
vivemos no eterno presente”. É a voz de Alpha 60, o computador que controla
toda a “cidade-Estado” de Alphaville.
O eterno presente é atemporal. Sem
perspectiva de passado ou futuro não teríamos condições de fazer comparação
alguma entre diversos períodos históricos e assim construir uma utopia futura.
O atemporal é o tempo ideal das ditaduras.
Natasha
chega e ambos se dirigem para um outro prédio, em outro local da cidade. No
caminho, ao percorrer de carro a cidade com Natasha e um motorista, Johnson tem
a nítida impressão de que se trata de uma sociedade planificada, automatizada e
sem liberdade.
Chegam
a um local onde, segundo Natasha, “há muitas pessoas importantes”. Está havendo
uma execução em massa, ao redor de uma piscina, no interior do prédio. A
acusação, segundo dizem os juizes é terem agido de forma ilógica.
Fica claro na cena que o “agir de
forma ilógica” é criticar o sistema, ou seja, agir contra a lógica elaborada
para justificar o sistema político de Alphaville.
No
local onde ocorrem as execuções, Johnson vê o prof. Von Braun e tenta
aproximar-se dele, mas é preso por agentes de segurança. Natasha observa a cena
e tem que reprimir suas lágrimas, já que nesta sociedade é proibido chorar ou
mostrar sentimentos.
Johnson
é levado para um interrogatório, no qual ocorre um diálogo “non-sense ou surrealista”
entre ele e o computador Alpha 60.
O próprio filme tem influências do
surrealismo de Breton.
É um
diálogo interessante, na forma de um oráculo, onde o filme parece querer
indicar que a máquina não consegue entender o uso de metáforas, diferentemente
de nós, humanos. Por falta de acusações, Johnson é liberado. O “cérebro
eletrônico” diz-lhe, antes de liberá-lo, que havia algo em suas respostas que
não fazia sentido, e que iria investigar.
Johnson
percorre o prédio onde está e fica sabendo que é a administração central de
Alphaville. A sociedade era completamente controlada pelos computadores, que
planejavam e coordenavam, ficando aos humanos simplesmente a tarefa de executar.
Aqueles que, por qualquer motivo, não se adaptassem ao sistema, eram
simplesmente eliminados. Falando com um funcionário, este diz a Johnson que ele
não deve dizer “por que” (pergunta), somente “porque” (afirmação). Trata-se de
um jogo de palavras em francês (onde “porquoi”
quer dizer por quê em tom interrogativo, e “parce
que” quer dizer porque na forma de afirmação causal).
Johnson
vai para um outro prédio onde reencontra Natasha e, em um apartamento, trava
outro diálogo surrealista-filosófico. Pergunta sobre o significado das palavras
assinaladas no livro que havia recebido de seu amigo Dickson. “Consciência”,
Natasha não sabia o que queria dizer a palavra.
Nesta parte do filme ele se torna mais
filosófico. Natasha diz que “as palavras desaparecem do dicionário, outras são
proibidas e outras ainda passam a adquirir um novo significado”. Uma sociedade
que tivesse efetivamente este poder, poderia dominar completamente as pessoas,
já que é através das palavras e de seu significado que pensamos e construímos as
relações sociais e a cultura.
Ambos
falam de outros lugares e países, ficando claro que o filme desenrola-se em uma
época em que não existe mais a União Soviética ou os Estados Unidos. Parecem
existir cidades-Estado e Alphaville, uma delas, está em guerra contra as outras,
as quais pretende destruir com uma tecnologia inventada pelo Prof. Von Braun.
O
apartamento onde conversam é invadido por agentes, Johnson é capturado e
interrogado novamente por Alpha 60. Este descobre que ele é o agente Leny
Caution e o condena à morte. Caution foge do prédio (durante quase todo o
filme, as ações se desenrolam no interior de edifícios) e vai para o
laboratório onde se encontra o Prof. Von Braun. Ali discutem e Caution acaba
matando von Braun e destruindo o computador.
Todos
os habitantes de Alphaville, sob o efeito do computador, começam a ficar tontos
e desmaiam, não oferecendo resistência a Caution. Este busca Natasha e juntos
fogem de Alphaville.
A filme, é uma ficção científica
distópica “noir” que possui várias referências culturais. Foi premiado com o
Urso de Ouro, no 15º Festival internacional do Filme de Berlim. Rodado em preto
e branco, o filme teve relativo sucesso em sua época, por criticar o uso da
tecnologia por regimes autoritários. Hoje sabemos que não é necessário que um regime seja abertamente autoritário para dominar as massas. Basta a tecnologia.
(Imagens: cenas do filme Alphaville)
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