"Parece que os europeus são todos médicos: todo o mundo pergunta como vai." - Voltaire - Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos
(Continuação parte 2 - Descobertas/críticas)
Entre
alguns líderes políticos conservadores o presidente Trump, por exemplo,
conseguiu transitar entre as duas categorias que citamos acima. Em 2012 chamou
as mudanças climáticas de farsa criada pelos chineses, para prejudicar a
competitividade da indústria norte-americana. Em outra ocasião o presidente
americano afirmou que “eu não estou negando a mudança climática. Mas (o clima)
poderia muito bem voltar ao que era. Você sabe, estamos falando de mais de...
milhões de anos.” Em matéria publicada no jornal El País em 27/11/2018, Trump afirma não acreditar em um relatório
de 1.656 páginas sobre os efeitos das mudanças climáticas na economia, saúde e
o meio ambiente de seu país, preparado a pedido da própria Casa Branca.
No
Brasil, o presidente Bolsonaro ao falar sobre o aquecimento global, disse “que
acredita na ciência e ponto final.” (Huffpost 1/12/218). Já o ministro das
Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, indicado para o cargo pelo
escritor terraplanista Olavo de Carvalho, declarou que a causa ambiental foi
criada “por escritores românticos” e que “a esquerda sequestrou a causa
ambiental e a perverteu até chegar ao paroxismo, nos últimos 20 anos, com a
ideologia da mudança climática, o climatismo.” (Hypeness 15/11/2018). Já o
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirma que o tema das mudanças
climáticas não é prioritário.
Indício
deste negacionismo climático de fundo ideológico por parte do governo de Luis
Messias Bolsonaro foi primeiramente a transferência da COP 25, a conferência da
ONU sobre Mudanças Climáticas, para o Chile, já que o governo informou não dispor
de recursos para organizar o evento. Uma vez no cargo, Bolsonaro cortou 95% do
orçamento para as ações destinadas a combater mudanças climáticas. Da mesma
forma, foram reduzidas as verbas destinadas a custear o funcionamento do
Ministério do Meio Ambiente e à criação, gestão e implementação das unidades de
conservação federais.
O
negacionismo climático, tendo em vista o grande número de dados que
definitivamente debilitam os argumentos de seus defensores, é cada vez menos
defensável no âmbito da ciência. Os remanescentes opositores das mudanças do
clima de origem antrópica, são formados por pessoas ou grupos que para
defenderem suas posições contam apenas com argumentos ideológicos, baseados em
visões políticas, filosóficas ou até religiosas. Segundo o historiador
israelense Yuval Noah Harari, autor dos best-sellers
“Sapiens” e “Homo Deus”, a maior parte dos negacionistas climáticos está
politicamente alinhada com o conservadorismo e o isolacionismo. No entanto, diz
o autor que as mudanças climáticas são um problema mundial, que só poderá ser
combatido com a ajuda de todos os países do planeta. Informações sobre o tema
estão largamente disponíveis: Google Acadêmico informa que existem mais de 15 mil
artigos abordando a questão da influência humana sobre o clima.
Resumidamente,
de acordo com os dados mais recentes publicados pelo Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (Intergovernmental
Panel for Climate Change – IPCC) existem três possíveis cenários climáticos
para um mundo mais quente.
O
primeiro cenário para o final deste século manteria a temperatura média do
planeta cerca de 1,5º C mais quente que o nível pré-industrial. Foi este o
período – final do século XVIII –, a partir do qual as temperaturas médias da
Terra começaram a subir, devido à emissão de gases resultante da queima de
combustíveis fósseis. Para isso, segundo os cientistas, os países e as empresas
terão que fazer vultuosos investimentos em tecnologias limpas e eficiência
energética, substituindo tecnologias antiquadas e desperdiçadoras por outras
mais eficientes.
Gradativamente,
até por volta de 2030, o setor transporte terá que substituir seu principal
combustível, os derivados de petróleo, por alternativas menos ou não poluentes,
como: combustíveis renováveis (álcool de cana e de milho), motores movidos a
células de combustível (queima de hidrogênio) e motores elétricos.
O
setor de geração de energia do hemisfério Norte, cujo principal combustível é o
carvão mineral (China, Rússia e Índia) e o gás natural (Europa e USA), será
forçado a gradualmente substituir os recursos não renováveis por fontes
renováveis, como geração de eletricidade a partir de energia eólica, solar,
biomassa e biogás, hidrelétrica e a energia das marés, entre outras. Alguns
países, como o Japão e os Estados Unidos, consideram aumentar investimentos em
energia nuclear que, apesar do risco, é pouco poluente.
O
setores agrícola e pecuário, grandes geradores mundiais de emissões de gases de
efeito estufa, também deverão introduzir técnicas menos poluentes, como a
agricultura ecológica e a redução drástica do desmatamento em regiões
tropicais.
O
consumo também teria que passar por uma grande mudança. Espera-se que para
reduzir as emissões de gases, as sociedade abram mão de um consumo excessivo,
gerador de grande quantidade de resíduos de todos os tipos; do desperdício de
alimentos aos imensos volumes de embalagens plásticas.
Estas
providências, esperam os cientistas, ajudariam a diminuir em emissões globais
de gases de efeito estufa, principalmente dióxido de carbono (CO²), metano (CH4)
e óxido nitroso (N²O), permitindo que a atmosfera sofra um aquecimento máximo
de 1,5 º C até o final do século. No entanto, mesmo com todos os investimentos
em infraestrutura, produção, distribuição e consumo, a humanidade ainda terá
que conviver por várias décadas com o aumento da temperatura ao longo do século
XXI. O imenso e complexo sistema climático terrestre necessitará,
provavelmente, de algumas centenas de anos para voltar ao seu ritmo normal – se
efetivamente voltar.
O
segundo cenário climático imaginado pelos cientistas é aquele no qual os
esforços globais não atenderiam a todas as metas estabelecidas para manter as
mudanças climáticas sob suficiente controle. Neste quadro, a temperatura da
Terra teria um aumento médio de 2º C em relação às temperaturas do período
pré-industrial.
Em
se concretizando esta situação, seriam necessários grandes investimentos em infraestrutura
por todo o globo, para fazer frente a inundações e outras catástrofes
climáticas, cada vez mais constantes. Diretamente ligado a este problema,
haveria grande número de migrantes, os “refugiados do clima”, que premidos por
quebra de colheitas, destruição de cidades e suas infraestruturas, ou secas,
procurariam refúgio em outras regiões ou países. O fenômeno já vem ocorrendo em
uma escala reduzida na América Central, onde dezenas de milhares de pessoas
estão abandonando suas regiões de origem em Honduras, Guatemala e El Salvador,
para procurar melhores condições de vida nos Estados Unidos. Na África
subsaariana também são constantes os deslocamentos populacionais, devido a
situações causadas pelos fenômenos climáticos, geralmente relacionados à falta
de água e quebra das colheitas.
Neste
segundo cenário os países terão que aumentar a arborização, plantando árvores
em extensas áreas. Matéria publicada na revista Science em julho de 2019 informa que é necessário o plantio de 1,2
trilhão de árvores – cerca de quatro vezes o número de árvores que se estima
existam na floresta amazônica – para capturar o excesso de dióxido de carbono
existente na atmosfera do planeta.
Assim,
mesmo com um aumento da temperatura média de 2º C até o final do século, a
economia global e as diversas sociedades poderiam, com grandes investimentos e
sacrifícios sobreviver aproximadamente da mesma forma como atualmente.
Cientistas estimam que, da maneira como os países vêm de diversas formas –
alguns mais outros menos – implantando ações para reduzirem as emissões de
gases de efeito estufa, é bastante provável que o segundo cenário climático
deva ser o que prevalecerá até o ano 2100.
O
terceiro cenário é o mais catastrófico. Seria uma tragédia para a humanidade se
este quadro climático prevalecesse no futuro, com uma temperatura média de 3
graus Celsius acima daquelas do período pré-industrial. Resumidamente, esta situação
poderia se impor caso os grandes emissores – Estados Unidos, China, Rússia,
Alemanha, Índia, Reino Unido, Japão, entre os principais – abandonassem o
Acordo do Clima e não envidassem mais esforços para reduzirem suas emissões. Haveria
uma rápida queda na produção mundial de alimentos devido aos fenômenos
climáticos (secas, chuvas torrenciais, furacões, geadas), aumento do nível dos
oceanos, grandes movimentos populacionais e todas as consequências: epidemias,
guerras, carestia e milhares ou milhões de mortos.
As
nações teria que fazer uso de tecnologias de grande impacto, cujas
consequências em seus detalhes são desconhecidas da ciência até o momento, tais
como modificação da radiação solar através de painéis orbitando o planeta e
fertilização dos oceanos com ferro, para aumentar a biodiversidade (algas) e,
consequentemente a fotossíntese. Soluções desesperadas para uma civilização à
beira do caos e de sua desintegração.
Em
artigo publicado na revista Piauí, escreve o jornalista norte-americano David Walace-Wells:
“O
sistema climático sob o qual fomos criados, assim como foi criado tudo que
entendemos hoje por cultura humana e civilização, agora está, como o pai ou a
mãe de alguém, morto. O sistema climático visto nos últimos anos, que tem
castigado o planeta repetidas vezes, não é uma prévia do nosso futuro sombrio.
Seria mais preciso dizer que é fruto de nosso passado climático recente, já
sumido em nosso retrovisor no lixo da nostalgia ambiental. Não existe mais este
negócio de ‘desastre natural’, mas as coisas não vão piorar, simplesmente;
tecnicamente já pioraram.” (Wallace-Wells, 40)
0 comments:
Postar um comentário