Consumindo no Brasil

sábado, 28 de setembro de 2019
"O fato é que a prova físico-teológica sofreu muito com o progresso das ciências: o que há de ordem e de aparente finalidade (o movimento dos planetas, a teleonomia dos seres vivos) se explica cada vez melhor; o que há de desordem e de acaso é cada vez mais constatável."   -   André Comte-Sponville   -   O Espírito do ateísmo

O consumo de massa é de origem recente no Brasil, tendo surgido no final da década de 1960 e início dos anos 1970. Mesmo assim, este consumo sempre foi bastante restrito por diversos aspectos. O país começou sua industrialização na segunda metade dos anos 1950 e até os anos 1970 nossa indústria de bens de consumo era pouco desenvolvida. Não tinha capacidade de produzir artigos mais sofisticados, voltados para uma restrita faixa de consumidores com maior poder aquisitivo e acostumados a comprarem produtos estrangeiros.

Outro aspecto é que não havia uma massa crítica de consumidores que permitisse variada produção de bens de consumo, como acontecia na mesma época nos Estados Unidos e na Europa. Nesse período a classe média brasileira era reduzida e estava lentamente se ampliando. Os novos empregos criados na indústria e no setor de serviços estavam aumentando a renda média de milhões de pessoas, permitindo que gradualmente melhorassem seu padrão de consumo.

Portanto, os produtos de consumo de massa eram relativamente simples, dada a baixa sofisticação de nossa indústria. Bens de consumo mais elaborados eram importados. Mas, devido à política de proteção à indústria nacional, implantada pelos governos militares da época, as alíquotas de importação de tais produtos eram muito altas, havendo muitos casos em que a importação destes produtos era proibida. Consumir produtos da moda, aqueles anunciados em revistas estrangeiras, somente era algo possível à classe média alta ou para os ricos. Estes segmentos sociais da população eram praticamente os únicos que tinham oportunidade de adquirir estes bens, geralmente durante viagens ao exterior.

A abertura da economia brasileira ocorreu lentamente, a partir do final da década de 1980. Sucessivos governos passaram a reduzir ou eliminar barreiras alfandegárias e abriram o mercado para produtos importados. Mudanças na política industrial permitiram a entrada de novos concorrentes do exterior, alterando lentamente a estrutura de um setor bastante oligopolizado. No início dos anos 1990 começam os processos de privatização de empresas estatais e cai o monopólio público em diversos serviços, através da Lei das Concessões.

Em 1990 também foram criados dois importantes instrumentos de defesa do consumidor: o Código de Defesa do Consumidor e os Procons (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor), destinados a mediar conflitos entre os consumidores e fornecedores de produtos e serviços. Na mesma época o governo federal cria as agências reguladoras, com o objetivo de regular e fiscalizar determinados setores da economia, como o de telecomunicações, produção e comercialização de petróleo, recursos hídricos, mercado de fármacos, os planos de seguro e saúde suplementar e a aviação civil, entre outros.

Nos últimos trinta anos o mercado brasileiro de produtos e serviços evoluiu em todas as áreas. O desenvolvimento de nosso mercado de consumo é quase comparável aos dos países industrializados. O setor de serviços também avançou, comparado à situação de trinta ou quarenta anos passados.

Mesmo assim, todavia, temos vários problemas que afetam o consumidor. Qualidade de produtos e serviços ainda deixam muito a desejar. Os serviços de proteção ao consumidor ainda são lentos e burocráticos. A mão de obra do setor de serviços precisa de capacitação e treinamento. E, acima de tudo, o consumidor precisa ser tratado com mais respeito pelos fornecedores, no que se refere ao cumprimento de contratos.

Apesar da relativa rápida evolução do mercado de produtos de consumo e serviços no Brasil, ainda há um longo caminho até que possamos atingir o padrão ideal de um mercado regido pela ética nas relações entre fornecedores e consumidores.  

(Imagens: pinturas de Eduardo Paolozzi) 

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