"A morte é a união da alma e do corpo, dos quais a consciência, o estado de alerta e o sofrimento são a desunião." - Ambroise-Paul-Toussait-Jules Valéry - Tal e Qual II
A
ciência é uma forma de entendermos e interpretarmos a realidade baseados em
fatos, pensamento racional e experiências. A principal ferramenta utilizada
pela ciência na elaboração de teorias, desde seus primórdios no século XVII,
foi a matemática – que até hoje ainda é o principal instrumento na construção
de teorias que expliquem o mundo.
Esta
maneira peculiar de explicar o meio que nos cerca, a ciência, foi um invento
(uma descoberta?) da civilização ocidental europeia nos séculos XVI-XVII. Não
que povos de outras épocas não tivessem atividades que hoje poderíamos chamar
de ciências. Os antigos egípcios e sumérios foram precursores na astronomia, no
invenção da agrimensura e no desenvolvimento da matemática. Indianos e maias
desenvolveram, mais ou menos na mesma época (século II EC) de forma
independente, o conceito do número zero. Gregos do período helênico (século III
AEC) criaram diversas máquinas utilizando a força mecânica gerada pelo vapor.
Mas
foi somente a civilização europeia quem desenvolveu uma maneira peculiar de
observar e estudar a realidade, de forma metódica, racional e consequente. Este
novo método, que em pouco tempo traria muitos frutos – seja na explicação da
realidade ou no desenvolvimento de tecnologias – passou a ser chamado de método
científico. Surge assim a ciência e seus cultores, os cientistas.
De
início, os cientistas não foram muito populares. Poucos conseguiam entender o
que faziam e o que diziam. Muitos dos que compreendiam este novo método não
gostavam do que ouviam, já que negava ou tornava obsoletos conhecimentos
milenares. Copérnico, Servet, Cardano, Kepler, Bruno, Galileu, foram
perseguidos por suas ideias científicas, que não coadunavam com crenças
religiosas e estratégias políticas de suas épocas.
A
partir do Iluminismo (século XVIII) a ciência passou a ser olhada de uma nova
maneira. No plano das ideias a religião havia perdido parte de sua influência,
ao passo que reis e comerciantes passaram a enxergar as vantagens – poder e
lucro – que as invenções tecnológicas começavam a trazer. Com o advento da
industrialização no século XIX, a ciência impulsiona o desenvolvimento material
de uma civilização que com suas máquinas domina a natureza cada vez mais,
extraindo materiais, produzindo mercadorias e gerando riquezas – para poucos.
Ciência é progresso e os cientistas são festejados como os sacerdotes da nova
crença da sociedade industrial.
No
século XX e o desenvolvimento da ciência e de sua filha dileta, a tecnologia, acelerou
mais ainda. O sistema produtivo industrial domina a Terra, valendo-se de uma
infinidade de tecnologias destinadas a fabricar produtos de consumo, consumindo
grandes volumes de recursos naturais.
No
percurso rumo ao progresso e à produção sem limites os cientistas identificam
um problema: o uso indiscriminado da natureza está colocando em risco a vida no
planeta, poluindo e aquecendo a atmosfera. Surge um impasse entre a ciência e setores
do sistema produtivo, alguns dos quais colocam em dúvida a teoria do
aquecimento global. Isso faz com que governos e instituições sejam
influenciados por argumentos negacionistas, baseados em ideologias, crenças e interesses
econômicos. Assim, a negação da crise climática mostra que mesmo no
cientificamente avançado século XXI interesses econômicos e
estranhas ideologias se sobrepõem às teorias científicas. As consequências
desse engano serão conhecidas nas próximas décadas.
Escreve o físico e professor Marcelo Gleiser em seu livro O caldeirão azul:
Não vivemos no século XVII, mas seria inocente - especialmente dada a atitude do governo atual - achar que a ciência e sua credibilidade não estão sendo atacadas. Vemos isso todos os dias, quando muitos políticos e amadores criticam, sem a menor autoridade ou conhecimento, as conclusões de milhares de cientistas, em assuntos que vão da validade das vacinas do aquecimento global. Não acredito que tenhamos um único cientista no Congresso ou no Senado Federal. Nos EUA, a situação não é muito diferente. (Gleiser, 2019)
Escreve o físico e professor Marcelo Gleiser em seu livro O caldeirão azul:
Não vivemos no século XVII, mas seria inocente - especialmente dada a atitude do governo atual - achar que a ciência e sua credibilidade não estão sendo atacadas. Vemos isso todos os dias, quando muitos políticos e amadores criticam, sem a menor autoridade ou conhecimento, as conclusões de milhares de cientistas, em assuntos que vão da validade das vacinas do aquecimento global. Não acredito que tenhamos um único cientista no Congresso ou no Senado Federal. Nos EUA, a situação não é muito diferente. (Gleiser, 2019)
E, mais adiante Gleiser completa:
É paradoxal e trágico que isto esteja ocorrendo em pleno século XXI, quando dependemos tão diretamente das tecnologias resultantes da aplicação da pesquisa em ciência básica. O vídeo SOS Ciência, produzido por cientistas brasileiros, é extremamente importante e deveria ser visto por todos (https://www.youtube.com/watch?v=g2873J5t4pw). Sem a ciência brasileira, não existem carros movidos a àlcool ou gás natural, com flexibilidade no uso do combustível. Sem a ciência brasileira, não temos liderança na exploração de águas profundas, ou no controle da erradicação de várias doenças tropicais. Como então, me pergunto, nos encontramos na situação absurda de termos governos que parecem declarar guerra ao conhecimento científico? (Gleiser, 2019)
Olhando retrospectivamente a história do início da ciência, podemos entender um pouco melhor o fato de confissões religiosas e governos terem perseguido ou condenado à morte os precursores do progresso científico. Às vezes, mesmo os mais racionais argumentos não conseguem vencer o fanatismo ou a sede de poder e riquezas.
(Imagens: fotografias de Mario Giacomelli)
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