"Cada um de nós chama de barbárie aquilo que não faz parte de seus costumes." - Michel de Montaigne - Os ensaios
Iniciamos
este blogue em maio de 2010 e desde então vimos comentando principalmente os
temas ligados à área ambiental. Não podemos dizer que durante este período de
mais de dez anos foram grandes os avanços do Brasil nesta área, já que –
sejamos francos – o meio ambiente nunca foi uma preocupação real dos governos e
da maior parte da sociedade brasileira.
Todas
as administrações, inclusive o atual, sempre priorizaram fundamentalmente os
desafios na área econômica, já que o país poucas vezes teve um período de
crescimento constante e harmônico. Sempre vivemos a síndrome do “voo da
galinha”, com expansões e retrações da economia; com todas as consequências
sociais e políticas deste processo. Nestas condições, é até compreensível que a
preocupação com a proteção do meio ambiente não tenha sido um dos temas
principais da sociedade e do Estado brasileiro.
No
entanto, vivemos inseridos no mundo, na teia de relações econômicas e políticas
globais, na qual a questão ambiental, por diversas circunstâncias, é aspecto
importante. Mesmo que certos ministros do atual governo do país não tenham esta
visão, o Brasil deverá tomar outra postura interna e externa em relação à
proteção dos recursos naturais, sob risco de vir a sofrer represálias políticas
e comerciais.
Não
se trata de politizar o tema, fato que interessaria a grupos de pressão
retrógados, que ainda não perceberam – ou querem negar – a relação da economia
com a natureza, por esperarem tirar vantagens da exploração incontrolada dos
recursos naturais. Vejamos, por exemplo, as condições do avanço do
desflorestamento da Amazônia. Entre os anos de 2000 e 2018 a região perdeu 8%
de sua cobertura vegetal, cerca de 270 mil km² - uma área maior do que a do território
do Reino Unido. De 2014 a 2018 foram desmatados em média, 112,8 mil hectares
por ano; média que cresceu para 215,6 mil hectares em 2019 e 226,5 mil hectares
em 2020. Cerca de 60% destes 442 mil hectares desmatados em 2019/2020 ocorreram
em áreas ilegalmente descritas como propriedade particular no Sistema Nacional
de Cadastros Ambientais Rurais (SICAR).
No
entanto é falsa a ideia de que estes territórios estão sendo invadidos para a
expansão da fronteira agrícola, como se o país já não tivesse área suficiente
para ainda ser ocupada pelo agronegócio. Além disso, a produtividade agrícola
da Amazônia é, por razões físicas, climáticas e econômicas, cerca de 1/4 ou 1/5
da produtividade agrícola do estado de São Paulo, por exemplo. O objetivo principal
da derrubada da floresta é a criação de gado de corte, para abastecimento dos
mercados mundiais; sobretudo os países europeus e a China. Outro propósito da eliminação
da vegetação e ocupação da área é a regularização de sua posse, visando futura
especulação imobiliária, já que o Congresso aprovou recentemente a
possibilidade de venda de terras a estrangeiros. Seria uma explicação do aumento de 50% na derrubada das florestas em terras públicas, durante o biênio 2019/2020.
Na
área das mudanças climáticas – estas também negadas por ministros do atual
governo – também demos alguns passos para trás. Depois de um importante
protagonismo internacional durante muitos anos, através de uma parceria entre o
Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Relações Exteriores, a atual
administração conseguiu a desastrada façanha de ser premiada com o “Fóssil
Colossal”. O prêmio, outorgado pela Rede Internacional de Ação Climática (CAN),
reunindo 1,3 mil organizações ambientais mundiais, é oferecido aos países que
mais obstruem negociações mundiais que possam levar a um avanço no combate às
mudanças climáticas. Ainda por este motivo, o Brasil também não foi convidado a
participar Cúpula da Ambição Climática, realizada em dezembro de 2020, reunindo
líderes mundiais e empresários, com o objetivo de debater medidas de redução
dos efeitos da crise climática.
Na
área da gestão de resíduos a situação também permaneceu inalterada, ou quase: a
destinação incorreta de resíduos sólidos urbanos aumentou 16% na última década
no Brasil. Ou seja, em 2010, segundo dados da Associação Brasileira das
Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 43,2% do volume
total de resíduos sólidos eram descartados de forma incorreta. Em 2019 este
volume cresceu para 59,9% dos resíduos. Ao mesmo tempo a geração destes
resíduos cresceu de 67 milhões de toneladas anuais em 2010, para 79,6 milhões
de toneladas em 2019. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída em
2010 e já prorrogada por duas vezes, havia sido elaborada para gradualmente encaminhar
uma solução para o problema dos imensos volumes de resíduos no Brasil. Falta de
planejamento e recursos, no entanto, fizeram com que poucos municípios
conseguissem até 2020 implantar a política de gestão.
Assim, apesar deste imenso volume de resíduos dispostos de maneira incorreta em terrenos, lixões irregulares, córregos e até em clareiras de floresta, somos também o quarto maior produtor mundial de resíduos plásticos, gerando 11,3 milhões de toneladas anuais, segundo estudo realizados pela ONG WWF em parceria com o Banco Mundial. O mesmo estudo, todavia, informa que apenas 1,28% deste plástico são reciclados. Reportagem recente da revista Galileu (outubro de 2020) informa que apenas 3% do volume total de resíduos sólidos gerados no pais são reciclados; volume que praticamente não se alterou nos últimos 10 anos.
Em outras áreas, como a do saneamento, a situação também não avançou nos últimos anos. A reportagem publicada pelo jornal Globo em 24/06/2020, resume a situação: 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada (cerca de 16% da população) e 47% da população (100 milhões de pessoas) não dispõem de serviços de coleta de esgotos. Do volume total de esgoto coletado, apenas 46% são tratados antes de serem descarregados em córregos, rios ou no oceano. Um Plano Nacional de Saneamento (Plansab) existe desde 2014, mas desde esta data até hoje o saneamento avançou pouco, quase nada. Recentemente o Congresso aprovou uma lei que permite a privatização dos serviços de água e esgoto, que na prática ainda não foi possível ser avaliada. O país ainda aguarda a vinda dos grandes investidores internacionais, largamente anunciados pelo ministro Paulo Guedes desde o início de seu mandato.
Com este quadro do saneamento, o país está colocado entre os países abaixo da média nesta área no ranking mundial. Apesar de ainda sermos a décima-segunda maior economia do mundo e ainda estarmos entre os 15 países mais industrializados do planeta, temos grande parte da população sem acesso ao saneamento básico; o básico para que um país posso se colocar entre as nações minimamente desenvolvidas. Na área de gestão de resíduos urbanos, como vimos, a situação é parecida. Por outro lado, avançamos fortemente na destruição do ambiente natural; seja na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica ou em outros biomas.
A impressão geral que se tem, é
que somos uma sociedade que sobrevive – não vive! – exaurindo e poluindo os
recursos naturais; através do desmatamento e da monocultura agrícola, através
do lançamento de esgotos nos rios e no mar, através do descarregamento de lixo
no solo e na água. Sujamos, emporcalhamos e destruímos o meio ambiente, como
insanos. Mas, quem tira proveito disso? Quem é que lucra com isso?
(Imagens: pinturas de Luiz Sacilotto)
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