O vírus
Covid-19 continua assolando o mundo. O esforço para se chegar a uma vacina foi
algo inédito na história da medicina. Milhares de cientistas e pesquisadores
trabalhando ininterruptamente, dezenas de grandes laboratórios em todo o
planeta utilizando o que de melhor havia em termos de equipamentos e muitos
recursos financeiros investidos. Nunca uma iniciativa para combater uma doença
envolveu países, empresas e profissionais de tal maneira. Assim, quando as
primeiras vacinas foram aprovadas pelos órgãos competentes, foi grande o alívio
e a alegria em todo o planeta.
No
entanto, quando se pensava que com uma vacina os problemas estariam
relativamente encaminhados, surge uma segunda onda mais agressiva do vírus;
aparecem três novas importantes mutações (Inglaterra, África do Sul e Amazônia);
e o processo de vacinação em todos os países é mais demorado e confuso do que
se esperava. Se já havia uma expectativa de uma lenta mas constante
normalização das atividades econômicas, da vida social e cultural, esta
perspectiva teve que ser mais uma vez postergada – provavelmente para o segundo
semestre de 2021.
As
consequências econômicas, sociais e políticas do desenvolvimento da sindemia
(novo termo utilizado para tratar da pandemia do Covid-19) continuam
imprevisíveis. Ao fim de cada fase do processo aparece uma nova surpresa, de
modo que poucos arriscam uma opinião sobre quando literalmente “o mundo
voltará ao normal” – ou pelo menos a uma situação em que possa retomar as
atividades como antes.
No Brasil a situação ainda é mais preocupante, já que mal iniciamos o processo de vacinação por falta de insumos. O governo, propositalmente deu pouca importância à sindemia desde o início, tentando poupar de eventuais prejuízos os grupos econômicos que contribuíram para sua eleição. Assim, evitou decretar lockdown, minimizou a gravidade da doença e a necessidade das medidas profiláticas, desestimulando o uso da máscara e do isolamento social. Pressionado pelo aumento dos casos de contaminação e de mortes, o presidente foi obrigado a instituir o auxílio emergencial, possibilitando às pessoas sem rendimentos a ficarem em casa. O auxílio foi distribuído pelo governo entre abril e dezembro de 2020, para aproximadamente 65 milhões de pessoas. Depois, com a sindemia alastrada e dezenas de milhares de vitimados mortos, o governo, influenciado pelas opiniões do presidente americano Trump, admirado pelo presidente Bolsonaro e com o qual mantinha uma relação de subserviência, resolveu propagar o uso de medicamentos sem eficiência cientificamente comprovada. A aprovação de vacinas e o início da vacinação é mais outra história de conflito ideológico entre grupos negacionistas e representantes da ciência por um lado; e, por outro, de batalha política entre o presidente Bolsonaro e seu antigo admirador, o governador de São Paulo, João Dória.
É
evidente que toda esta confusão traz consequências para a economia – que já
vinha combalida desde o final de 2014 – e para todas as outras atividades
comuns a qualquer sociedade. Tudo isto ainda é agravado pela situação histórica
de concentração de renda e benefícios na sociedade brasileira. A baixa renda,
as péssimas condições de vida e as poucas chances de melhoria econômica e
social da maior parte da população, foram escancaradas durante o período da
sindemia no Brasil.
Assim,
enquanto o processo de vacinação não tiver início efetivo e for mantido até
alcançar a maior parte da população, o país continuará nesta pasmaceira, sujeito a avanços e recuos. Os efeitos, podemos ver claramente na atividade econômica
travada, na ausência de investimentos, salvando-se apenas o mercado financeiro, que pouco agrega à geração de empregos, consumo das famílias e
movimentação da economia real.
Na
educação permanece o impasse sobre o início das aulas presenciais, essenciais
para a maioria dos estudantes do ensino básico. A possibilidade de que mais um
semestre seja praticamente perdido pelos alunos, principalmente por aqueles das
camadas sociais mais baixas, representará uma grande lacuna na educação de centenas de milhares de jovens de todo o país. Quanto esta lacuna
poderá prejudicar as futuras carreiras profissionais destes jovens?
O
Brasil ainda não tem um setor privado suficientemente robusto para que este
possa encabeçar o processo de retomada econômica – aliás, ao que parece, poucos
países têm uma iniciativa privada assim. Quando a situação econômica fica
difícil, as empresas procuram proteção do Estado. Por outro lado, grande parte da iniciativa privada nacional está mais interessada em aumentar
seus lucros no mercado de capitais, do que investindo na economia real. E esta é também a ideologia do atual governo, que sempre se referiu à ideia
do “estado mínimo”.
Dado
este quadro, bastante resumido, da situação atual do país, fica difícil ser
otimista em relação ao futuro próximo. Sem planos ou projetos, cortando
investimentos nas áreas da saúde, da educação, da pesquisa, do meio ambiente,
da cultura, entre outros, ficará difícil a recuperação do país. Por quanto
tempo a sociedade brasileira ainda terá que aguardar por melhores tempos? E o
governo o que fará? Deixará como está, pra ver como fica?
(Imagens: gravuras e desenhos de Käthe Kollwitz)
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