Georges
Minois, historiador contemporâneo francês, relata em seu História do Ateísmo a surpresa de certas autoridades eclesiásticas
medievais, ao constatarem que os camponeses de regiões remotas não estavam totalmente
cristianizados; ainda mantinham muitas crenças e práticas religiosas ligadas ao
paganismo. Depois de mais de mil anos de hegemonia da igreja católica no
continente europeu, o cristianismo ainda não havia conseguido suplantar totalmente
concepções religiosas mais antigas. Escreve Minois: “Algumas dezenas de milhares de pessoas que vivem ao longo de anos fora
do enquadramento religioso provam que é preciso seriamente rever a imagem de
uma Idade Média unanimemente cristã e crente. Jean Delumeau demonstrou já
amplamente a parte de lenda que se prende com a expressão ‘Idade Média cristã’:
esta religião, cheia de superstições, magia, astrologia, restos de crenças
pagãs, que tem realmente a ver com a ‘mensagem evangélica?’”
Não
são poucos os autores que colocam em dúvida esta generalização, praticada principalmente
pelos potentados religiosos da época medieval – com o provável objetivo de afirmarem
a hegemonia da Igreja – e mais tarde tida como fato pelos historiadores a
partir do século XVIII; a de que o cristianismo estava firmado como crença
religiosa entre o povo medieval. Hoje, estudos mais acurados demonstram que
isto efetivamente não foi o caso.
No
decorrer do século XIX, apesar da derrota militar de Napoleão (1815), os paradigmas
do Iluminismo foram gradualmente incorporados pelas nações ocidentais – o próprio
conceito moderno de Estado é fruto de princípios gestados durante este período. O
desenvolvimento do capitalismo mercantil (sécs. XVI – XVIII) e, mais tarde, do
capitalismo industrial (séc. XIX) – este último baseado nos fortes avanços da
tecnologia no final do século XVIII – ajudaram a difundir ainda mais o espírito
iluminista, caracterizado por uma visão de mundo baseada na ciência. A religião
perde sua forte influência sobre as massas, sendo suplantada pela atividade
política, com o surgimento de partidos, das ideologias políticas e dos
nacionalismos.
Da
mesma forma que o cristianismo católico não conseguiu hegemonia na Europa
medieval, o iluminismo também não foi capaz de predominar completamente no mundo
moderno – nem mesmo nas regiões que mais sofreram a influência da cultura europeia,
sejam a própria Europa e as Américas. Apesar de estarem na origem dos avanços
da ciência, dos direitos que se tornaram o fundamento da maioria das
constituições ocidentais, da educação, da cultura e da prática política, os
ideais do iluminismo ainda não impregnaram totalmente as sociedades modernas
ocidentais.
No
Brasil tais reações podem em grande parte ser explicadas pela fraca instrução básica,
ausência de cultura científica, falta de raciocínio lógico e senso crítico – itens
básicos de uma educação alicerçada nos conceitos do iluminismo. Já é
comum que nas redes sociais alguém critique o “exagero das notícias sobre os
mortos com a Covid”. Lê-se frases como: “A imprensa só fala nos quase 200 mil
mortos, mas nada comenta sobre os mais de 6,8 milhões de doentes recuperados.” Dado
o absurdo de tal afirmação, caberia responder no mesmo tom de non sense: “Realmente, também com
relação à Segunda Grande Guerra, só falam dos cerca 70 milhões de mortos, sem
mencionar que quase 2,3 bilhões de pessoas em todo o mundo sobreviveram ao
conflito!”
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