O
pensamento científico é uma forma de enxergar o mundo, baseado nos avanços da
ciência. Esta maneira de se relacionar com a realidade foi disseminada
principalmente através do ensino público, tornando-se a forma comum de como a
maior parte dos cidadãos das sociedades modernas vivem seu cotidiano. O
pensamento científico começou a se propagar a partir do início do século XIX, começando pelas elites europeias, que tinham mais acesso à instrução. Ao longo do
restante do século XIX e parte do século XX, este processo alcançou
gradualmente a maior parte da população destas sociedades, com a universalização
do ensino. Outro aspecto que contribuiu para a disseminação desta forma de
pensamento foi o crescente desenvolvimento tecnológico, que também se acelerou
ao longo do século XIX. A máquina a vapor, o telégrafo, o motor a combustão, as
indústrias e vários avanços técnicos menores, tornaram-se comuns no dia a
dia de grande parte dos europeus e americanos neste período. Também foi este o momento
em que surgiram as grandes exposições científicas europeias e americanas, apresentando
os avanços científicos da época a um grande público, ávido por novidades.
O surgimento
da mentalidade científica também está ligado ao pensamento autônomo. O cidadão europeu comum alfabetizado do século XIX, tinha acesso a mais informações do
que seu contemporâneo camponês iletrado. Isso contribuiu para o desenvolvimento
de um senso comum laico, no qual as ancestrais superstições e, em certos
aspectos, até a tradição religiosa perdiam sua antiga importância. A vida não
era mais regida pelas atividades agrícolas e rituais religiosos, com seus
períodos propícios e datas festivas. Vivia-se agora num ritmo ditado pelas
atividades urbanas; o trabalho diário na fábrica ou no comércio, sem contato
com as esquecidas forças naturais ou sobrenaturais.
O sociólogo Max Weber (1864-1920) chamou esta gradual laicização da vida das populações dos séculos XIX e XX, de desencantamento do mundo. As forças ocultas que povoavam o imaginário e que através da mágica e da religião podiam ser despertadas e manipuladas, foram gradualmente desaparecendo, tendo sido substituídas pela ciência e pela tecnologia, que cada vez mais faziam parte do cotidiano do cidadão. O padre, o pastor, o curandeiro, a benzedeira e aquele que tinha o suposto poder de contatar os mortos, foram substituídos pelo médico, pelo assistente social, o professor ou pelo psicólogo.
Este
processo que a sociologia também chama de racionalização, ocorreu
principalmente na Europa e nos Estados Unidos, onde o acesso à instrução e ao
conhecimento já era incentivado pelo Estado e pelo ambiente econômico-social de
rápido desenvolvimento tecnológico. Isso fez com que se abrissem oportunidades
de ascensão econômica e social principalmente nos centros urbanos, onde as
antigas crenças não despertavam mais o mesmo interesse.
Estas
mudanças nas mentalidade dos indivíduos dos séculos XIX e início do XX – o desencantamento
e racionalização como os chama Max Weber – não se verificaram em todo o mundo.
Este complexo processo de mudança social ocorreu principalmente em sociedades
liberais capitalistas, que impunham o ensino básico obrigatório, incentivavam a
cultura, o desenvolvimento científico-tecnológico e fomentavam a
industrialização; o que à época incluía países como a Inglaterra, a Alemanha, a
França, a Itália e os Estados Unidos, entre os principais. O restante do mundo ainda
não passava por este processo socioeconômico à época.
Comparativamente
à Europa, a educação elementar no Brasil foi instituída através de um decreto
de D. Pedro I em 1827; praticamente no mesmo período em que grande parte dos
países da Europa fazia o mesmo. O império, entretanto, nunca deu muita
importância à educação para as classes baixas da população, pois até o ano de
1900 65% da população ainda era analfabeta. O quadro só começou a mudar
significativamente a partir dos anos 1960, quando o percentual de iletrados
caiu para 39%, chegando aos 19% em 1991 e 9% em 2010. Atualmente a taxa de
iletrados é de cerca de 6% da população.
O
processo de industrialização brasileiro teve início insípido no final do século
XIX. Interesses econômicos e visão limitada do potencial de desenvolvimento da
indústria, fizeram com que mesmo nos anos 1920, parte significativa das elites
econômicas ainda fosse contrária à industrialização do país. Foi somente a
partir do governo de Getúlio Vargas e, mais acentuadamente, a partir de
Juscelino Kubitschek, que o país passou investir na industrialização.
Há
um paralelo entre a educação, a industrialização, o desenvolvimento tecnológico
e o surgimento de uma nova mentalidade entre as populações; o pensamento
científico, através dos processos sociais estudados por Weber e outros
sociólogos. Na Europa esta mentalidade, que começou a se alastrar já no século
XIX, consolidou-se definitivamente depois da 2ª Grande Guerra. No Brasil este
processo ainda está em construção. As desigualdades econômicas entre as
populações das diferentes regiões; a variedade das tradições culturais; as
diferenças no acesso aos modernos bens e serviços entre as regiões; são fatores
que fazem com que educacional, cultural e tecnologicamente o Brasil não seja
uniforme – para o bem e para o mal.
(Imagens: fotografias de Garry Winograd)
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