"Não são os pessimistas mas os decepcionados os que escrevem bem." - E. M. Cioran - Cadernos 1957-1972
Por
que o Brasil é um dos países com maior concentração de renda em todo o planeta?
Dados de 2019 indicavam que o país era o que tinha a segunda maior
concentração, entre 180 países. Os impactos causados pela sindemia da Covid na
economia, a supressão de políticas sociais, a flexibilização das leis
trabalhistas e diversas outras providências impopulares dos governos Temer e
Bolsonaro, fizeram com que este quadro piorasse rapidamente. Em 2020, segundo
levantamento executado pelo banco Credit Suisse, o 1% mais rico da população
brasileira – cerca 2,2 milhões de pessoas – concentravam 49,6% de toda a riqueza
do país, aproximadamente R$ 3,67 trilhões.
Assim
como a riqueza é concentrada, outros setores da economia também são altamente
monopolizados por pequenos grupos sociais. O último Censo Agropecuário do país,
realizado em 2017, apontou que apenas 1% dos proprietários de terra, são donos
de cerca de 50% da área rural do país. Enquanto isso, metade das propriedades
rurais têm áreas com menos de 10 hectares (100.000 m²), controlando somente 2%
da área agrícola total do país. Vale lembrar que grande parte dos alimentos
consumidos pela população são produzidos em pequenas propriedades, enquanto que
as o latifúndio tem a maior parte de sua área dedicada ao plantio de produtos
agrícolas de exportação, como a soja e o açúcar.
A concentração imobiliária também é mais outro aspecto desta injusta distribuição de riquezas no Brasil. Na cidade de São Paulo, por exemplo, segundo o jornal O Estado de São Paulo, 1% dos donos de imóveis concentram 45% do valor imobiliário na cidade, quadro que se repete em várias outras metrópoles do país. Esta situação favorece a especulação imobiliária, o que torna os imóveis mais caros e de acesso limitado às classes mais abonadas. As camadas de menor renda são empurradas para as periferias, onde a infraestrutura é precária e as condições de vida mais caras.
Outro aspecto a ser assinalado em relação às condições de injustiça social desde sempre presentes no Brasil, é a questão das oportunidades. É inegável que as oportunidades não são equitativamente distribuídas em nossa sociedade, apesar do que consta na Constituição. A desigualdade já começa no básico, no ensino. Além de não serem acessíveis em qualquer lugar do território nacional, são raras as escolas públicas que têm o mesmo padrão de instrução das escolas particulares. A diferença não se dá necessariamente na qualidade dos professores, mas muito mais nas instalações, nos equipamentos, nos recursos para atividades extra classe, entre outros fatores. Como a escola, principalmente o ensino fundamental e o médio, é a base para que o indivíduo possa se preparar para uma carreira profissional e atuar como cidadão consciente e independente na sociedade, uma educação de baixa qualidade já representa uma desvantagem. Assim, é principalmente através de um ensino básico incipiente para a maior parte da população, que se constroem as desvantagens educacionais e culturais, que ao longo da vida atuarão como impedimentos para a ascensão social, econômica e o desenvolvimento das plenas potencialidades destas pessoas.Ultimamente
tem-se falado e escrito bastante sobre a meritocracia, geralmente de forma
incorreta. Defendem alguns, de que todos têm a mesma chance de crescer
intelectualmente e, principalmente, financeiramente, desde que tenham
capacidade e força de vontade. Em sua ingenuidade ou má-fé, estas pessoas
esquecem que nem todos tiveram uma família ou protetores durante a infância;
nem sempre puderam estudar em escolas boas – se é que puderam estudar – e
crescer em um ambiente culturalmente propício. Ficou famoso aquele filme de
curta duração, veiculado nas redes sociais há alguns anos, mostrando uma
corrida a ser disputada por vários jovens. Todos perfilados, o professor coloca
alguns jovens bem mais à frente e outros muito atrás. Face à reclamação dos
alunos, de que a competição seria injusta, o professor explica que são estas
desvantagens entre os indivíduos que os defensores da meritocracia não levam em
conta. Propagam que todos têm a mesma chance de vencer, mas omitem que as
condições de largada são, na realidade, bastante diferentes.
Os princípios de igualdade de oportunidades e de justiça social são relativamente recentes. Se na Antiguidade e na Idade Média já existiam práticas de tratamento equânime entre os indivíduos, estas eram limitadas às pessoas da mesma classe ou grupo social, como por exemplo os cidadãos livres de Atenas ou os nobres do período feudal europeu. O surgimento de uma nova mentalidade em relação ao indivíduo – qualquer indivíduo – surgiu durante o período da Revolução Francesa (1789-1799), influenciada pelas ideias dos filósofos iluministas (Locke, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Diderot, entre outros). As ideias de liberdade e de autodeterminação defendidas por estes pensadores, foram gradualmente sendo incorporadas pela intelectualidade europeia e norte-americana (Washington, Jefferson, Hamilton, Franklin, entre outros). As guerras napoleônicas também contribuíram para disseminar novos conceitos de justiça, administração pública e organização social, bastante influenciados pelos ideais da Revolução Francesa.
Assim, desde o início do século XIX, sociedades europeias e americanas (O Novo Mundo) vêm sendo influenciadas pelos princípios da revolução francesa: “liberdade, igualdade, fraternidade”. Mas isto nem remotamente significou a implantação de uma série de repúblicas democráticas, à exceção da americana. O que aos entusiasmados revolucionários franceses pareciam ideais bastante aceitáveis por qualquer cidadão, sofreu grande oposição e críticas ao longo da história, principalmente por parte daqueles que tinham muito a perder – notadamente no que se refere à ideia da “igualdade”. As monarquias poderiam até admitir o parlamentarismo, mas estavam longe de aceitarem os princípios republicanos franceses.
Assim,
ao longo de quase 150 anos, foi preciso que se fizessem mais revoluções, que
trabalhadores se juntassem em sindicatos, que surgissem partidos políticos que
lutassem pelos interesses dos grupos sociais explorados, que intelectuais
apontassem as injustiças para o restante da sociedade; tudo para que, aos
poucos, governos – muitos deles agora já tornados repúblicas – incorporassem pelo
menos parte destes princípios. Mas é preciso observar que nenhuma mudança para
melhor veio sem conflitos e lutas; tanto no campo das ideias, quanto da prática.
Hoje,
aqui no Brasil, tais princípios – liberdade, igualdade, fraternidade – ainda
permanecem na prática desconhecidos para grande parte da população, apesar de
conceitualmente permearem a doutrina de nossa Constituição. O que temos é uma
liberdade de uma democracia liberal burguesa, mas ainda muito longe dos verdadeiros
princípios de liberdade de pensamento e da palavra. Ainda nos faltam muitas
reformas sociais e econômicas para que possamos considerar encaminhada a
igualdade de direitos e de oportunidades. Da mesma forma, ainda estamos educacionalmente
e culturalmente muito longe da fraternidade e da tolerância, em todos os seus
aspectos.
(Imagens: fotografias de Fan Ho)
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