Como
se já não bastasse a continuidade da sindemia da Covid-19 e sua sucessão de
ondas de contaminação em todo o mundo – o jornal Le Monde de 22/07/2021 fala da quarta onda na França –, o início
deste verão também trouxe acontecimentos preocupantes em relação ao clima
mundial. O sudoeste do Canadá e o noroeste dos Estados Unidos estão
atravessando uma de suas mais graves ondas de calor em todos os tempos, com
temperaturas ultrapassando os 49 graus Celsius em algumas regiões. Em Las
Vegas, a temperatura ultrapassou os 47 graus Celsius, a mais alta desde 1942. No
Vale da Morte, situado a cerca de 200 km de Las Vegas, a temperatura atingiu os
54 graus em 10/7/2021; a mais alta registrada no planeta desde 1913. Dados
indicam que os Estados Unidos tiveram neste ano o mês de junho mais quente de
sua história, com 1,2 graus acima da média de 1991 a 2020. A onda de calor
também se estende por outras regiões do planeta: em Moscou, a temperatura
ambiente atingiu seu valor mais alto nos últimos 120 anos chegando a 34,7 graus;
8 a 10 graus além do normal.
As
altas temperaturas, associadas ao clima seco em certas regiões, também estão
provocando grandes incêndios. Nos Estados Unidos, os estados da Califórnia,
Nevada, Idaho e Washington registram grandes incêndios florestais, provocando a
evacuação de populações e problemas de abastecimento. No outro lado do mundo, o
fogo também vêm afetando extensas regiões da floresta siberiana, na Rússia,
onde até início de julho foi destruída uma área de 800 mil hectares, na região
de Yakutia. O combate ao fogo, que polui todo o ar da região, mobilizou milhares
de bombeiros e soldados. Observadores assinalam que os incêndios neste
território vêm sendo cada vez mais destruidores, devido ao aumento da
temperatura média, durante os verões. Uma perigosa consequência dos incêndios
florestais em regiões setentrionais é o degelo do permafrost, solos permanentemente congelados, que aquecidos liberam
grandes volumes de gás metano (CH4),
dez vezes mais prejudiciais à atmosfera do que o dióxido de carbono (CO²).
O
calor excessivo já provocou centenas de mortes nestas regiões, principalmente
de idosos, cujo organismo tem menos resistência. No verão de 2003, quando a
Europa também foi afetada por altas temperaturas, morreram cerca de 13 mil
pessoas, somente na Espanha, e cerca de 70 mil em todo o continente. Segundo a
revista Nature Climate Change, desde
os anos 1980 vêm aumentando em todo o mundo as mortes causadas por ondas de
calor. A alta umidade da atmosfera associada à elevada temperatura do ambiente,
fazem com que o suor não evapore e se acumule no corpo, causando o estresse
térmico, que pode ser fatal para organismos mais fracos, como os dos idosos.
Ao
mesmo tempo em que ocorrem altas temperaturas e clima seco propenso aos
incêndios em partes do planeta, outras regiões estão sendo afetadas por
fortíssimas chuvas. Volumes de precipitações esperados para todo um mês, chegam
a cair em um dia ou algumas horas, como ocorreu recentemente na Europa Central.
A Alemanha, nas regiões da Renânia do Norte, Vestfália e Renânia-Palatinado,
assim como os territórios situados no leste da Bélgica, foram as regiões mais
afetadas, com grandes perdas materiais, milhares de desabrigados e 215 mortos. O
governo alemão considerou o incidente o maior desastre climático registrado
naquele país desde 1962. As chuvas fortes e o transbordamento de rios também
afetaram regiões da Holanda, França e Luxemburgo.
Na
Índia ocorre um derretimento anormal das geleiras no Himalaia e aumentam as
inundações provocadas pelo período das monções, que se inicia agora no começo
do verão no hemisfério Norte. No estado de Maharashtra, o volume anormal das
chuvas provocou centenas de mortes e destruiu milhares de residências. Os
efeitos do ciclo das monções foram intensificados pelo fenômeno das mudanças
climáticas, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas sobre o
Impacto Climático (PIK) da cidade de Potsdam, Alemanha. Ainda em julho de 2021,
excesso de chuvas também causaram 16 mortes e deixaram 200 mil desabrigados na
província de Henan, na China.
No
Brasil, avança o período das secas, que deverá deixar as regiões Sudeste e
Centro-Oeste em situação difícil, com os reservatórios baixos, causando
problemas para o abastecimento de água e geração de energia elétrica. Segundo
os especialistas, trata-se da maior crise hídrica no país registrada nos
últimos 100 anos. Enquanto estas regiões do país passam por grande estiagem, o
rio Negro, na bacia amazônica, sofre sua a maior cheia registrada no último
século.
Com
a entrada no inverno, as regiões Sul e Sudeste, além da estiagem, registraram também
as mais baixas temperaturas dos invernos nos anos recentes. O frio intenso fez
com que a temperatura caísse abaixo de 1º C (-1,8ºC) na Zona Sul da cidade São
Paulo. Em toda a região Sul e Sudeste as temperaturas caíram abaixo do normal, “e
em alguns momentos chegam a sinalizar uma onda polar de excepcional força com
magnitude raramente vista na história recente”, segundo o site de informações
climáticas Metsul, em matéria
publicada em 23/07/2021. (1)
Estudos
e dados apontam que todos estes eventos têm alguma ligação. Se o fenômeno
climático La Niña, exerce certa
influência no clima da América do Sul durante esta estação do ano, pesa mais o
fato de que as mudanças climáticas fazem-se cada vez mais presentes em todo o
planeta. Em entrevista à imprensa inglesa, a baronesa de Worthington, cientista
e principal autora da Lei das Mudanças Climáticas do Reino Unido, afirmou ao
repórter da BBC que “cientistas não estão mais preocupados; eles estão
apavorados. Eles estão preocupados que pode não haver um ‘pouso seguro’ do
clima. Estamos trabalhando na ideia de orçamentos seguros de carbono
(quantidade de carbono que podermos colocar na atmosfera sem prejudicar
gravemente o clima). Mas, e se não houver um nível seguro de carbono?” (2).
Assim
como a cientista inglesa, alguns outros pesquisadores consideram a
possibilidade de que o sistema climático mundial possa ter cruzado um limite
perigoso, o que os cientistas chamam de point
of no retun in climate change (ponto de não retorno nas mudanças
climáticas). Trata-se da, até agora, hipotética situação, quando medidas de
redução de emissões de poluentes não têm mais efeito a curto e médio prazos, na
redução dos efeitos da mudança do clima (frio e calor intensos, secas,
furacões, chuvas torrenciais, etc.). Nesta situação o sistema climático da
Terra entra em desequilíbrio definitivo, e pode levar décadas ou séculos para
voltar à uma situação estável.
Na
Alemanha, o presidente Frank-Walter Steinmeier foi enfático ao culpar as
mudanças climáticas pelas chuvas torrenciais que afetaram a Alemanha. O
presidente pediu a todos um firme comprometimento na luta contra as mudanças do
clima, afirmando ser esta a única maneira de frear fenômenos meteorológicos extremos.
A primeira-ministra do país, Angela Merkel, também atribuiu a origem dos
recentes desastres climáticos em seu país ao mesmo fenômeno.
Todavia,
os indícios de que algo extraordinário está ocorrendo no clima já se
apresentaram. Segundo um estudo realizado pela seguradora Munich Re, os
prejuízos resultantes de catástrofes naturais totalizaram US$ 150 bilhões em
2019, em todo o planeta. A destruição e as mortes relacionadas a tais eventos
só tendem a aumentar ao longo dos próximos anos, segundo previsões.
Existem
três grandes temas, que estão na pauta de governos, cientistas e grandes
empresas: as pandemias provocadas por microrganismos; o aumento da pobreza e o crescimento
das diferenças entre ricos e pobres; e as mudanças climáticas. No entanto, dentre
estes três grandes desafios que a humanidade terá que enfrentar ao longo das
próximas décadas, o que mais preocupa – por exigir grandes e constantes
investimentos, reordenação da economia e envolvimento de governos e cidadãos –
é o da crise climática. A situação é séria, segundo os cientistas climáticos,
apesar da pouca importância que ainda muitos governos, inclusive o do Brasil,
estão dando ao tema. Escreve o jornalista David Wallace-Wells, em seu livro
sobre o tema, A Terra inabitável:
“Já agora, com o mundo apenas 1ºC mais
quente, os incêndios e as vagas de calor e os furacões já inundaram as
notícias, e prometem multiplicar-se em breve através da nossa história e vida
interior, fazendo com que aquilo que hoje pode parecer uma cultura impregnada
de intuições de juízo final se assemelhe a um período relativamente ingênuo.”
(Wallace-Wells, pág. 186-187) (3)
Referências:
(1) Onda de frio pode ser uma das mais intensas deste século
<https://metsul.com/onda-de-frio-pode-ser-uma-das-mais-intensas-neste-seculo-no-brasil/>
Acesso em 25/7/2021
(2) Por que calor no hemisfério Norte indica algo pior que está por vir?
(3) Wallace-Wells, David. A Terra inabitável. Lisboa: Editora Lua de Papel, 2019, 365 p.
(Imagens: pinturas de Armand Guillaumin)
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