Morte assistida: a discussão que virá

sábado, 11 de dezembro de 2021

 

"Estar morto é estar entregue aos vivos."   -   Jean-Paul Sartre   -   O ser e o nada


O site New Humanist (https://newhumanist.org.uk/) publicou recentemente o artigo A good death (uma boa morte - https://newhumanist.org.uk/articles/5857/a-good-death), do jornalista Jem Bartholomew, relatando o processo de desenvolvimento da doença e morte de pessoas acometidas por câncer. O autor descreve a situação de Rebecca, uma mulher de 53 anos, paciente de câncer na pleura, em processo de metástase. O texto tem como tema principal o sofrimento dos doentes terminais, principalmente aqueles com câncer, e a questão da morte assistida ou suicídio assistido (eutanásia voluntária), diferente da eutanásia involuntária. Na morte assistida, o paciente é o agente de sua morte, enquanto que na eutanásia esta responsabilidade é de outros. O autor faz referência à instituição Dignitas, na Suíça, que ajuda pessoas a cometerem o suicídio assistido.

Antes de continuar, duas breves explicações. New Humanist é o site pertencente à revista de cultura e ciência homônima, fundada em 1885 pela Rationalist Association (Associação Racionalista - https://rationalist.org.uk/). A entidade foi criada pelo jornalista e editor Charles Watts, profissional dedicado à divulgação do livre pensamento, da ciência e do secularismo, colocando-se contra o irracionalismo e a intolerância religiosa.

A Dignitas (http://www.dignitas.ch/index.php?lang=en), cujo lema é “viver com dignidade, morrer com dignidade” é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 1998 em Zurique, na Suíça. Em seu site, a instituição informa que entre suas atividades está o aconselhamento em temas relacionados ao fim da vida, prevenção ao suicídio, acompanhamento de pacientes moribundos e assistência a pacientes com suicídio autodeterminado.

Muitos doentes sofrendo de câncer, como explica o autor do artigo, são afligidos por fortes dores, muitas vezes insuportáveis, o que torna o processo de morrer bastante doloroso, especialmente em casos de câncer pulmonar. Ao relatar o contexto do desenvolvimento da doença de Rebecca, o jornalista também apresenta casos de outras pessoas e expõe a situação política e legal em relação à morte assistida, no Reino Unido.


Os casos de assassinatos de pacientes idosos e doentes em clínicas e hospitais, como o caso do assassino em série inglês Harold Shipman, têm colocado empecilhos à aprovação de leis que permitam o suicídio assistido no Reino Unido. No momento a prática é legalizada em nove estados americanos, três estados australianos, na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Suécia. Com algumas mudanças, países como Portugal, Itália, França, Alemanha e Áustria também tornaram o procedimento legal.

A prática da eutanásia voluntária, no entanto, é bastante controlada, sendo mandatório que o doente solicitante seja capaz e consciente, e que o processo seja aprovado por uma comissão de avaliação. Por seu lado, o profissional médico poderá alegar objeção de consciência, para se recusar a participar do procedimento. Segundo reportagem da revista Exame sobre a legalização da eutanásia na Espanha, em março de 2021 (https://exame.com/mundo/espanha-legaliza-eutanasia-saiba-como-funciona-em-outros-paises-europeus/) “a norma prevê que qualquer pessoa com doença grave e incurável ou crônica e incapacitante, solicite ajuda para morrer, evitando assim sofrimentos intoleráveis”. O texto cita casos emblemáticos ocorridos na Espanha – e há vários pelo mundo – como o de Ramón Sampedro, um galego tetraplégico, que durante 29 anos reivindicou o direito ao suicídio assistido. Sua história foi retratada no filme Mar Adentro, que ganhou o Oscar em 2005.

A discussão do direito à morte assistida, por uma mídia dedicada à divulgação do livre pensamento e da ciência como o New Humanist, mostra que o tema, mesmo em um país de tradição liberal e secular como o Reino Unido, ainda sofre bastante resistência. Há que se considerar que grupos religiosos colocam-se frontalmente contra a prática, e que numa sociedade democrática utilizarão a legítima pressão política para barrar a aprovação da prática. É digno de nota, no entanto, que em 2016 o arcebispo da igreja anglicana, Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz, colocou-se a favor da proposta de lei da morte assistida no Reino Unido.

Por outro lado, existem também aqueles que por diversas razões temem um uso inadequado da morte assistida, sem um estrito controle. São pontos de vista que precisam ser considerados e discutidos. Somente quando a maior parte da sociedade estiver consciente da necessidade de incorporar mais este direito humano, a prática poderá ser regulamentada.


(Imagens: pinturas de Adolfo Guiard)

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