“Qualquer
estatística de variada origem que a imprensa divulga confirma o que percebe a
intuição ética a respeito da deformidade do corpo social brasileiro. Toda a
vida nacional em termos de produção e consumo que possam ser definidos, envolve
apenas trinta por cento da população. A força produtora urbana e rural com
identidade nítida, os estratos medianos em sua complexa graduação, as massas dos
comícios de antigamente e que hoje só o futebol é autorizado a estruturar, tudo
está englobado na minoria hoje de 30 milhões, o único povo brasileiro a
respeito do qual alcançamos um conceito e sobre o qual podemos pensar. A impressão
que se tem é a de que o ocupante só utiliza uma parcela pequena de ocupados e
abandona o resto ao deus-dará em reservas e quilombos de novo tipo. Esse resto,
hoje de 70 milhões, vai fornecendo a conta-gotas o reforço de que o ocupante
lança mão para certas atividades como, por exemplo, a construção de Brasília ou
a interminável reconstrução do monstro urbano paulistano, a face mais
progressista de nosso subdesenvolvimento. Nessas ocasiões, as poucas centenas
de milhares que escapam ao universo informe das muitas dezenas de milhões, adquirem uma identidade: candango ou baiano.” (Sales Gomes, págs. 142-143)
Paulo Emílio Sales Gomes, Cinema: trajetória no subdesenvolvimento em “Cinema e Política”
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