“É
fácil perceber por que os contemporâneos de Espinosa consideravam-no ateu. Ele
negou a existência de qualquer coisa que alguma pessoa dentro da comunidade
religiosa se sentisse autorizada a chamar de um deus. Segundo a maioria das
interpretações atuais, ele não sustentava a inexistência de um deus, mas que
Deus coincide com a Natureza. Deus é tudo, escreveu, e tudo é Deus. Com efeito,
em pelo menos uma ocasião ele tratou “Deus” como apenas mais um nome da
Natureza. Ou seja, o Deus de Espinosa não é uma inteligência que se coloca fora
de tudo e que, pela força de sua vontade, criou o universo e as leis físicas
que o regem. Seu Deus é tão somente o conjunto completo das leis físicas
consideradas sob um aspecto diferente. Esse Deus não age com objetivos em mente,
como o Deus das escrituras. Tampouco – para responder à pergunta brincalhona de
Einstein – o Deus de Espinosa teria qualquer escolha acerca daquilo que é ou
será. Uma vez que incorpora as leis da natureza, Deus não pode agir de forma
contrária a essas leis. Deus age de modo mecânico e determinista. Todas as
coisas são exatamente como têm de ser. Não seria possível eliminar esse deus
como mero enfeite? Se a Natureza, na forma de leis físicas deterministas, é
tudo e explica tudo, e faz isso sem nenhuma ambição, plano ou objetivo, por que
introduzir um deus na história?
Aventou-se
a hipótese de que Espinosa, que levava vida reclusa e não almejava nem à fama
nem ao simples reconhecimento, tenha escrito em seu estilo enrolado e obscuro
na esperança de que somente uns poucos leitores solidários compreendessem seu
verdadeiro ponto de vista. Talvez tenha jogado Deus como confete sobre seus
textos para disfarçar, ainda mais, e melhor esconder, seu ateísmo radical. Mas
isso parece extremamente improvável. Espinosa foi rotulado de ateu de qualquer
jeito. E seu Deus não é jogado como confete sobre seus argumentos, mas coloca-se
no centro deles. Precisamos de uma explicação melhor para o fato de Deus estar
lá.”
Ronald Dworkin, Religião sem Deus
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