O setor ambiental brasileiro: estrutura e tecnologia

sexta-feira, 2 de julho de 2010
"E já agora está o tempo sem forças, já a terra cansada
mal cria os animais pequenos, ela que criou todas as espécies,
e produziu, gerando-os, os corpos enormes de animais bravios."
(Lucrécio, Da Natureza)
Introdução
O conceito de setor ambiental ainda encontra certas dificuldades de definição. O tema ambiental, segundo a ciência, é transversal e perpassa quase todos os setores da atividade humana. Todavia, em muitas áreas a questão ambiental ainda não alcançou importância essencial. Assim, quase tudo que se refere ao meio ambiente ainda é tratado como sendo simplesmente combate à poluição; a correção de impactos já causados. No entanto, à medida que conhecimentos científicos são incorporados às atividades econômicas – aprimorando processos tecnológicos, criando normas técnicas mais sofisticadas e uma legislação mais abrangente – a própria sociedade torna-se mais consciente de seus inúmeros impactos sobre a natureza e de como esta reage às interferências. Em outras palavras, gradualmente a nossa visão do setor ambiental está saindo de um patamar mecanicista e passando para uma abordagem sistêmica, encarando a natureza como um imenso sistema de redes de relações no qual a atividade humana também está inserida. Como exemplo, tome-se a influência do aquecimento global sobre o futuro do clima, e com isso sobre o regime de chuvas, daí sobre a agricultura e a geração de energia, vindo a causar deslocamentos de grandes multidões à procura de melhores regiões para viver. Tais implicações do aquecimento global não ocorrem em seqüência cronológica, mas concomitantemente, ampliando mais ainda o impacto do fenômeno. O físico Fritjof Capra, citando o ecologista Bernard Patten, escreve: “Ecologia é (sic) redes...Entender ecossistemas será, em última análise, entender redes.”
Em nossa abordagem do setor ambiental brasileiro nos limitaremos a analisar alguns aspectos; aqueles onde devido ao grau de desenvolvimento da economia brasileira estão ocorrendo os maiores investimentos. Isto porque, a maior parte da atividade econômica relacionada com o setor ainda está concentrada em ações corretivas, aquilo que nos Estados Unidos se convencionou chamar de “end of pipe treatment”, tratamento de final de tubo. Apesar disso, já existe um grande número de empresas e instituições que, tendo saído da fase mecanicista do tratamento corretivo, estão implementando ações preventivas como adoção de normas, introdução de sistemas de gestão ambiental, utilização de processos de produção mais limpa e eficiente, realização de análises de ciclos de vida de produtos, entre outros.
No Brasil, as disparidades entre as tecnologias empregadas ainda são muito grandes. Há um grupo relativamente reduzido de empresas, formadas pelas corporações transnacionais, as companhias brasileiras de grande porte e algumas exportadoras, que se utilizam das tecnologias mais avançadas. Entre estas se encontram empresas como a BASF, a Daimler-Benz a Vale e a Natura. O grupo intermediário é formado por companhias de médio porte, inseridas em cadeias produtivas dominadas pelas grandes empresas (automobilística, química, metalurgia), que atendem plenamente a legislação ambiental e por vezes também utilizam tecnologias preventivas. Finalmente, a maior parte das micro e pequenas empresas brasileiras – cerca de seis milhões – que ainda não dispõem de recursos e conhecimentos para utilizar tecnologias e abordagens mais avançadas, às vezes encontrando dificuldades até para atender a legislação ambiental. O crescimento da economia, a facilidade de financiamento e o aumento do nível de informação dos empresários e da sociedade, representam meios para que gradualmente estas organizações incorporem práticas e tecnologias ambientais mais efetivas.
História
No Brasil, a preocupação com a proteção aos recursos naturais remonta ao período colonial. Em 1605 foi criado o Regimento do Pau-Brasil, o qual, segundo alguns autores, representa o primeiro marco legal relacionado à proteção ambiental editado no País. A lei impunha limites de exploração e previa expressa autorização real para o corte da árvore. Ainda com relação às florestas, surgiu em 1799 o primeiro Regimento de Corte de Madeiras, estabelecendo regras para a utilização de madeira de floresta nativa. Em 1802, por sugestão de futuro patriarca da independência José Bonifácio de Andrada e Silva, foram estabelecidas iniciativas para o reflorestamento da costa brasileira, que àquela época já se encontrava devastada em algumas regiões. Posteriormente, em 1916, o Código Civil incluiu diversos artigos relacionados à proteção ambiental; mais especificamente com a proteção dos recursos hídricos.
Na década de 1930 surgem os primeiros documentos legais especificamente voltados para a preservação dos recursos naturais; o Código da Águas (Decreto nº. 24.643/34) e o Código Florestal (Decreto nº. 23.793/34). A começar neste período, ao longo das décadas seguintes, o País desenvolverá uma legislação ambiental cada vez mais elaborada. Em meados da década de 1970 já se esboça um controle ambiental mais acentuado, pela criação de leis voltadas para temas mais específicos e pelo surgimento dos órgãos de controle ambiental. Durante as décadas de 1980 e 1990 a lei ambiental brasileira seria gradualmente ampliada e detalhada, visando limitar a ação econômica predatória. Hoje, o grande problema ambiental na maior parte do País continua sendo a falta de um controle das atividades econômicas, dada a falta de recursos e capacitação da maioria dos órgãos ambientais.
As primeiras indústrias no Brasil surgiram na segunda metade do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, então capital do império. Tratava-se de tecelagens e metalúrgicas, que atendiam a demanda por produtos simples e baratos, enquanto que bens de consumo mais sofisticados eram importados, principalmente da Inglaterra.
Durante o início do século XX o numero de indústrias no País cresceu, já que a cidade de São Paulo também iniciava seu processo de industrialização, impulsionado pelos capitais da exportação do café e pela chegada de mão-de-obra imigrante semi-especializada. O desenvolvimento industrial continuou lento, mas constante e ao final dos anos 1930 o País já possuía um parque industrial, capaz de atender as necessidades básicas do mercado consumidor interno, ainda restritas e pouco sofisticadas. A falta de um mercado consumidor foi um dos principais fatores de limitação do desenvolvimento industrial brasileiro durante muitos anos, segundo vários autores.
A industrialização brasileira (assim como a de vários países do então Terceiro Mundo) inicia-se efetivamente depois da Segunda Guerra Mundial, especificamente a partir da década de 1950, quando o País já dispunha de uma indústria de base estruturada, pronta para sustentar o crescimento de outros setores, em sua fase inicial. Com isso, a começar pela indústria automobilística e seus fornecedores, seguiu-se toda uma cadeia produtiva de metalurgia, produção de maquinas e equipamentos. Para acompanhar o crescimento da indústria, o governo incentivou a expansão da infra-estrutura (ampliação da malha logística e aumento da capacidade de geração de energia) e a construção das primeiras refinarias de petróleo, base do desenvolvimento da indústria petroquímica na década seguinte. Ainda durante este período, o governo de Juscelino Kubitschek institui o plano de metas, cujos principais objetivos eram: combate ao subdesenvolvimento via industrialização, diversificação da estrutura produtiva, reforma agrária, distribuição de renda, planejamento econômico e reforma administrativa fiscal. Às empresas estrangeiras que investiam no País, concedia-se “prazos de isenção fiscal, terrenos, infra-estrutura, crédito oficial. Muitas delas se instalam com menos de 20% de investimento efetivo de capitais. Ocorre assim forte fluxo de capitais, sobretudo dos EUA, da Alemanha, do Japão e da França. O PIB (Produto Interno Bruto) cresce em média 7% ao ano, contra 5,2% no período 1945-1955. A produção industrial aumenta 80% em 1955-61, a siderurgia 100%, a indústria mecânica 125%, a elétrica e de comunicações 300% e o recordista setor de transportes cresce 600%” (Atlas Histórico Isto É Brasil, 2003, p.156).
Enquanto o processo de industrialização avançava principalmente na região Sudeste, incentivado por uma sucessão de governos civis e militares, também ocorriam mudanças no campo. Com a ampliação da malha rodoviária, como a construção da rodovia Régis Bittencourt (ligação com o sul do País), da Belém-Brasília e da rodovia Transamazônica, ocorre o avanço da fronteira agrícola principalmente no Estado do Paraná, e nos então estados de Goiás e Mato Grosso. A abertura de novas áreas de cultivo, notadamente no Cerrado, provoca uma demanda maior por equipamentos e insumos agrícolas, iniciando o processo de mecanização do campo. A gradual automatização da agricultura, necessária para o cultivo de extensas áreas, ajuda a engrossar o êxodo rural que já vinha ocorrendo desde a década de 1950, em direção aos centros que estavam se industrializando. Este processo que se estenderá por cerca de três décadas (início dos anos 1950 até o início dos anos 1980), deslocará cerca de 30 milhões de pessoas do campo para as cidades. Com isso, a taxa de urbanização do Brasil acaba se invertendo em menos de 30 anos: no início dos anos 1950 aproximadamente 70% da população vivia no campo e 30% nas cidades. Nos anos 1980 cerca de 70% da população brasileira já morava em cidades. O impacto que estas migrações causaram às grandes metrópoles brasileiras foi imenso.
Os serviços de infra-estrutura, que não eram suficientes nem para atender à demanda já existente, quase acabaram entrando em colapso, quando as regiões metropolitanas passaram a receber imensos contingentes de migrantes. Estes, sem qualificação profissional em sua maioria, se tornaram mão de obra barata, imediatamente empregada nas indústrias e na construção civil, e necessitando de moradia, serviços básicos de água tratada e coleta de esgoto, transporte, escolas, serviços de saúde, entre outros.
O ambiente de crescimento acelerado da economia também não dava margem para preocupações ambientais. Estas ainda estavam longe de figurarem na lista de prioridades do governo e das empresas. Durante este período da história do País, a época do “milagre econômico”, a questão da degradação ambiental não era tema de discussão. O governo da época – a ditadura militar – estava mais interessado em aumentar a produção industrial e a ocupação de terras virgens (Cerrado e Amazônia), do que na proteção dos recursos naturais. Em conseqüência desta orientação, inexistia praticamente uma legislação ambiental, não havia órgãos de controle ambiental e a ação de ONGs era fortemente cerceada. A opinião pública não tinha acesso a informações e desta forma desconhecia a degradação ambiental em andamento.
Da mesma forma o setor privado – nacional e estrangeiro – também não fazia investimentos para atenuar o impacto de suas atividades industriais, já que a legislação era pouco específica e não havia qualquer orientação técnica, mesmo por parte das matrizes das empresas estrangeiras. As administrações estaduais e municipais priorizaram o fornecimento de água potável, já que tais investimentos eram imediatamente percebidos pela população, geravam receita e tinham um custo de instalação relativamente baixo. Quanto ao esgoto, havia no máximo serviços de coleta. Os volumes coletados não eram tratados em sua grande maioria e lançados em rios e no oceano. A coleta dos resíduos domésticos (lixo) estava começando a ser implantada, porém os aterros ainda não eram construídos segundo normas técnicas, tratando-se quase sempre de valas ou “lixões”, sem qualquer tipo de proteção do solo. Os resíduos industriais, caso não representassem grande perigo para a saúde humana, eram destinados aos mesmos aterros para os quais era encaminhado o lixo doméstico.
O impulso econômico do “milagre brasileiro” termina no final da década de 1970, quando a situação econômica mundial sofre uma grande mudança. Os capitais de investimento que ainda eram bastante fartos no mercado mundial antes da segunda crise do petróleo (1979), tornaram-se escassos. Os países que anos antes emprestavam recursos são forçados a redirecionar seus investimentos, enquanto ocorre uma retração geral dos mercados. Acompanhando a tendência mundial, a economia brasileira deixa de crescer nos níveis médios de 5% ao ano, registrados durante os 15 anos anteriores (1964-1979). No quadro político interno tem início o processo de redemocratização, que culmina com as eleições presidenciais diretas, em 1989.
Com relação à proteção ambiental, a partir de meados da década de 1970 já se esboça um maior controle, através da criação de leis mais específicas e do surgimento dos órgãos de controle ambiental. Esta preocupação com o meio ambiente, mesmo que ainda incipiente, culmina na Constituinte em 1988, quando é votada a nova Constituição do Brasil, contendo diversos artigos versando especificamente sobre a proteção ao meio ambiente.
Durante a década de 1980 é criada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) que institui o Sistema Nacional de Meio Ambiente, marco legal que permite proteger o meio ambiente de maneira abrangente. Esta lei também institui o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e estabelece um regime de responsabilização civil objetiva para o dano ambiental. Outro marco legal importante, criado no final da década de 1990, foi a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98), que estabelece a responsabilidade pelo crime ambiental e possibilita uma rápida punição do infrator.
A abertura da economia brasileira no início da década de 1990 também trouxe benefícios ambientais. As empresas brasileiras tiveram que melhorar sua produtividade para poder enfrentar a concorrência dos produtos importados. No entanto, para melhorar a produtividade, entre outras providências, é preciso introduzir medidas para a otimização do consumo de energias e insumos, reduzindo, desta forma, os resíduos perdidos na produção. As normas de qualidade da série ISO também se constituíram em uma grande ferramenta para preparar as empresas para uma melhor atuação ambiental. Exportadoras, como as indústrias de papel, por exemplo, também foram pressionadas por seus compradores estrangeiros a introduzirem sistemas de produção mais limpos, já que os consumidores dos países ricos davam preferência a produtos fabricados por processos menos poluentes.
Outro aspecto que contribuiu para melhora do quesito ambiental nas empresas foi a possibilidade que agora tinham os consumidores de poder comparar produtos nacionais com importados, em seus aspectos de preço, qualidade, design e impacto ambiental. O “dumping ambiental” praticado por muitas empresas, ou seja, a fabricação de produtos similares, todavia sem nenhuma preocupação ambiental, estava agora com seus dias contados. Quanto mais os consumidores se tornassem conscientes de que processos produtivos conduzidos com irresponsabilidade poderiam destruir o meio ambiente, tanto menos produtos ambientalmente incorretos seriam vendidos. Assim, surgem os primeiros movimentos do “consumo responsável” no Brasil. Aos poucos, os conceitos de “desenvolvimento sustentável” e “tecnologias limpas”– lançados durante o Encontro Internacional sobre Meio Ambiente realizado no Rio de Janeiro em 1992 (ECO 92) – passaram a ser gradualmente incorporados às estratégias de parte das grandes empresas brasileiras e estrangeiras e às políticas de muitos setores do governo federal.
As ONGs, que no período ditatorial foram perseguidas, aumentam rapidamente, atuando em diversos segmentos; desde programas sociais que envolvem iniciativas de reciclagem de materiais, ações populares exigindo o tratamento do esgoto doméstico, até movimentos por moradias e reforma agrária.
O mercado
O setor mundial de tecnologias ambientais movimentou cerca de um trilhão de Euros em 2007, segundo a consultoria alemã Roland Berger. O mesmo relatório informa que até 2020 este setor deverá alcançar um volume de dois trilhões de Euros. O Brasil é o país com os maiores volumes de investimento no setor ambiental em toda a América Latina, seguido do México, da Argentina e do Chile.
Não existem dados oficiais sobre o volume de investimentos em tecnologias ambientais no Brasil. O Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha estima que em 2007 este setor movimentou cerca de U$ 5,2 bilhões, referentes à prestação de serviços e venda de equipamentos, incluindo os setores público e privado. Estes valores, no entanto, só se referem a projetos novos e não incluem as obras de manutenção, difíceis de serem estimadas, já que para estas também não existem estatísticas unificadas. Aproximadamente 20% deste valor (US$ 1,08 bilhão) são devidos às tecnologias importadas, das quais cerca de 25% são originárias da França (US$ 270 milhões); 20% (US$ 216 milhões) dos Estados Unidos; 18% (US$ 194 milhões) da Alemanha e 12% (US$ 129 milhões) do Canadá. Os demais 25% são de origem diversa, como Inglaterra, Itália, Espanha, Japão e Coréia. Especialistas entrevistados para a pesquisa realizada pela Câmara Brasil-Alemanha estimam que o setor de meio ambiente deverá crescer de 5% a 7% ao ano, durante os próximos cinco anos.
A indústria ambiental brasileira surgiu durante os anos de 1950, como resposta à demanda que se iniciava no setor publico (prefeituras) e privado, principalmente na área de tratamento de água e efluentes. Os poucos fabricantes de equipamentos que existiam no mercado ainda não estavam especializados e forneciam equipamentos tanto para processos industriais, quanto como para o tratamento de água e efluentes. A demanda existente no mercado ainda era muito reduzida e deste modo não existia a especialização. Equipamentos não disponíveis ainda localmente eram importados ou fabricados por empresas já atuando no setor, dependendo do volume da demanda. O desenvolvimento desta indústria ocorreu em grande parte por necessidades específicas cada vez mais crescentes da indústria, apesar de o setor publico sempre ter sido o maior comprador de equipamentos neste segmento. O setor da indústria de saneamento tomou impulso a partir da década de 1970, quando o governo federal instituiu o PLANASA (Plano Nacional de Saneamento), criando as companhias estaduais de saneamento, a exemplo da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), com um faturamento anual de US$ 2,5 bilhões e US$ 1,0 bilhão em 2007, respectivamente. Estas companhias receberam as concessões das prefeituras, para assumirem os serviços de tratamento de água e de esgoto das cidades de seus Estados, durante um prazo de 25 anos. Deste modo, as companhias estaduais de saneamento acabaram por centralizar estes serviços, tornando-se importantes interlocutores para as empresas privadas, fabricantes de equipamentos e consultorias fornecedoras de serviços especializados. Atualmente existem 27 companhias estaduais de saneamento, atendendo cerca de 3.800 municípios, de um total de 5.700 municipalidades em todo o País. Os 1.700 municípios restantes possuem serviços de tratamento de água e esgotos autônomos ou privatizados (cerca de 60 municípios transferiram os serviços de tratamento de água ou esgoto para consórcios privados).
O setor de serviços e equipamentos para tratamento de água e efluentes domésticos e industriais foi estimado pelo Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha em US$ 2,3 bilhões em 2007, dos quais cerca de US$ 230 milhões (aproximadamente 10%) foram importados. A previsão de crescimento deste segmento é de cerca de 5% a 7% ao ano, durante os próximos cinco anos.
O desenvolvimento deste setor depende em grande parte de recursos públicos, já que iniciativas dos governos federais, estaduais e municipais são responsáveis por quase 70% do volume de investimentos deste mercado.
Outro fator que deverá impulsionar o crescimento deste setor é o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, instituído pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva no início do seu segundo mandato. O programa prevê investimentos de R$ 40 bilhões, provenientes de recursos da União, dos investimentos privados e das contrapartidas de estados, municípios e prestadores de serviços em geral. Além do PAC a nova Lei do Saneamento, a lei federal 11.455/07, sancionada em 2007, estabelecendo um marco regulatório para o setor de saneamento, é vista por alguns técnicos como a solução dos problemas do setor, já que propicia mais segurança a todos os agentes.
A demanda do setor de saneamento é suprida por fabricantes estabelecidos no Brasil; empresas de capital nacional ou multinacional que já atuam neste setor há muitos anos. Como o setor de equipamentos de saneamento estava fechado às importações até 1990, desenvolveu-se internamente uma forte base industrial, capaz de suprir a maior parte das demandas de equipamentos e serviços do setor. Existem nichos de mercado, como instrumentação de controle e monitoramento, análise e automatização, que ainda não são supridos pela indústria nacional em sua totalidade. Estas demandas tecnológicas são atendidas por importações, realizadas através de representantes brasileiros de fabricantes estrangeiros. As exportações de equipamentos ainda são muito limitadas. No entanto, segundo especialistas, os produtos brasileiros para o setor de saneamento tem qualidade e nível tecnológico suficiente para poderem competir em mercados latino-americanos, africanos e asiáticos.
O mercado para as tecnologias para gerenciamento de resíduos desenvolveu-se em época posterior ao do das tecnologias de tratamento de água e de efluentes. A maior parte da legislação relacionada com o transporte, manuseio, recuperação e destinação final de resíduos só foi desenvolvida durante a década de 1980. O transporte e a disposição das cerca de 110.000 toneladas diárias de resíduos domésticos gerados no País (calcula-se cerca de 0,60 kg de resíduo por habitante por dia), são de responsabilidade das prefeituras; a maioria em situação deficitária, impossibilitada de realizar novos investimentos. O governo federal e os governos estaduais instituíram nos últimos anos linhas de crédito para ajudar as prefeituras menores a construírem aterros sanitários tecnicamente seguros, evitando problemas de contaminação. Todavia, ainda cerca de 30% dos municípios brasileiros não tem qualquer tipo de coleta de lixo e a reciclagem ainda é limitada. De acordo com dados publicados pelo CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem, somente 405 municípios, representando cerca de 7% das cidades do país, tem programas de coleta seletiva. Mesmo assim, o país destaca-se na reciclagem de alguns tipos de embalagem, como latas de aço (índice de reciclagem de 47%); plásticos (20%); papelão ondulado (77%); pneus (73%); PET (51%); e latas de alumínio (94%). Grande parte desta reciclagem, todavia, não é motivada pela educação e conscientização, sendo devida ao valor das matérias-primas e ao alto índice de desemprego e pobreza no País. Em relação a isso, cabe lembrar a frase do economista romeno Georgescu-Roegen, precursor em muitos temas que hoje ocupam os economistas que estudam a questão ambiental: “Parece que se acredita que é suficiente fazer as coisas de maneira diferente, para eliminar a poluição. A verdade é que a eliminação da poluição, como a reciclagem, não é gratuita em termos energéticos”. (Georgescu-Roegen, 1979, p. 73 – tradução nossa).
Não existem dados oficiais sobre a quantidade de resíduos industriais gerados anualmente no Brasil. Segundo números da Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), entidade que congrega parte das empresas que atuam na coleta de resíduos sólidos, em 2005 foram gerados 69 milhões de toneladas de resíduos industriais (RSI). Desse total, 2,7 milhões são classificados como Classe I, ou seja, perigosos, com risco à saúde pública pelas suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade. Dados de outra associação do setor, a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento, Recuperação e Disposição de Resíduos Especiais (ABETRE) informam que o país gera cerca de 2,9 milhões de toneladas de resíduos industriais perigosos, dos quais somente cerca de 600 mil toneladas – cerca de 22% - recebem tratamento adequado. Deste volume de resíduos perigosos, 16% vão para aterros Classe I; 5% são processados e 1% é incinerado. Os restantes 78%, segundo a entidade, são depositados em lixões, sem qualquer tipo de tratamento.
Segundo estimativas do Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha, os investimentos no setor de resíduos totalizaram aproximadamente US$ 2,5 bilhões em 2007, incluindo o setor público e o setor privado. Especialistas do segmento estimam um crescimento de 5% ao ano, durante os próximos cinco anos. A exemplo do mercado de saneamento, o setor de gerenciamento de resíduos é dominado por empresas brasileiras, tanto na prestação de serviços, quanto no fornecimento de equipamentos. Existem algumas empresas de consultoria atuando em associação com empresas estrangeiras, mas sua quantidade ainda é muito diminuta em relação ao potencial do mercado. Nesta área, grandes empresas brasileiras de engenharia já estão realizando projetos no exterior, principalmente na América Central e na África.
Transferência de Tecnologia
“Assim, não é de fato próprio falar-se genericamente em transferência de tecnologia. Trata-se muito mais de uma operação de compra e venda, um comércio explícito ou implícito”. (José Israel Vargas em “Mecanismos de Transferência de Tecnologia para Países do Terceiro Mundo”). A frase do pesquisador e ex-ministro de Ciência e Tecnologia durante a presidência de Itamar Franco, resume bem a situação da transferência de tecnologia no setor ambiental brasileiro, assim como em outros setores.
Desde seu início, a industrialização brasileira foi feita com tecnologias e, muitas vezes, capitais importados. É fato corriqueiro que a internacionalização de capitais geralmente traz tecnologia associada. O crescimento da industrialização na década de 1950 aumentou a instalação de escritórios estrangeiros de consultoria no País, já que as empresas locais não tinham conhecimento na elaboração e condução de projetos. Os fornecedores estrangeiros de equipamentos, por sua vez, mandavam frequentemente suas subsidiárias no Brasil executarem os projetos encomendados pelo governo.
A falta de profissionais capacitados no Brasil fez com que o governo investisse em cursos de pós-graduação; inicialmente na área de engenharia e depois nas demais áreas do conhecimento. É significativo, portanto, o fato de que a pós-graduação foi implantada no Brasil na década de 1960, época dos grandes projetos nacionais.
O vínculo entre a inovação tecnológica e o desenvolvimento ambiental já foi identificado há mais de trinta anos. Foi durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, sediada em Estocolmo, que pela primeira vez a comunidade internacional se reuniu para discutir o meio ambiente em seus aspectos globais e suas interações com as necessidades de desenvolvimento das nações. A conferência em seu décimo oitavo princípio, recomendava que a ciência e a tecnologia devessem, como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social, ser aplicadas para evitar, identificar e controlar os riscos que ameaçam o meio ambiente e para solucionar os problemas ambientais, em benefício do bem comum da humanidade. Tal compromisso foi reafirmado no Rio de Janeiro (ECO 92) e em Joanesburgo (Rio + 10). Da mesma forma, no documento da Câmara de Comércio Internacional (ICC – International Chamber of Commerce) intitulado “Os 13 princípios para alcançar a gestão ambiental”, o 13º item – Transferência de Tecnologia – afirma “que as empresas associadas devem contribuir para transferir moderna tecnologia ambiental e sistemas de gerenciamento, através do setor industrial e público”. (Willums e Guluke, 1992, p.219).
Apesar de não existirem estatísticas oficiais, diversas fontes informam que os contratos de transferência de tecnologia ainda são bastante limitados no setor ambiental, restringindo-se a alguns projetos de exploração energética de biogás e instalações de incineração de resíduos. Indiretamente relacionado com o setor ambiental, na área de biocombustíveis – produção de biodiesel – algumas empresas brasileiras assinaram acordos de transferência de tecnologia com empresas estrangeiras. Outra área com demanda por tecnologias ambientais no Brasil encontra-se entre as empresas multinacionais, as empresas exportadoras e as empresas com algum tipo de certificação (ISO 9000 e 14000, NBR 16000 e OHSAS 18001), já que precisam constantemente melhorar sua atuação ambiental. São compradores de tecnologia também as empresas do setor químico, signatárias do “Responsible Care”, que realizaram inovações em seus processos de produção (redução de emissões, redução de uso da água, etc.) com a incorporação de novas tecnologias e métodos. Outros setores, como o da indústria eletroeletrônica e sucroalcooleira já estão se ocupando com temas como a análise do ciclo de vida de produto (LCA – product life cicle analysis), para determinar os impactos de seus produtos sobre o meio ambiente e preparam-se para novas leis sobre gestão de resíduos sólidos.
Uma parte representativa da transferência de tecnologia entre empresas nacionais e internacionais é realizada pelas câmaras de comércio e consulados, que constantemente trazem missões comerciais e técnicas para o Brasil e conduzem empresários brasileiros em missões no exterior. Além disso, existem os programas de cooperação tecnológica ambiental entre países desenvolvidos e em desenvolvimento como os do MITI (Ministério do Comércio Internacional e Indústria do Japão) GTZ (Agência Alemã de Cooperação) ou do Technology Partnership Initiative, da Inglaterra.
Outro exemplo de cooperação na área de transferência de tecnologia é entre organizações locais e organismos internacionais como a ONU – Organização das Nações Unidas. Exemplo disso é o CNTL – Centro Nacional de Tecnologias Limpas, inaugurado em 1995, em Porto Alegre. O projeto é uma parceria entre o SENAI (Serviço Nacional de aprendizagem Industrial) e a UNIDO / UNEP (Organização para o Desenvolvimento Industrial e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
Na área de pesquisa em tecnologia ambiental o Brasil ainda encontra-se em fase de desenvolvimento. Todavia, em uma das mais famosas publicações sobre o uso eficiente de recursos “Factor Four – Doubling Wealth, Halving Resource Use”, um projeto brasileiro é mencionado com bastante destaque. Trata-se do sistema de transporte público urbano em Curitiba (Curitiba Surface´s Underground), implantado em 1971, pelo então prefeito Jaime Lerner. O projeto é exemplo mundial de planejamento do transporte urbano, reduzindo consumo de combustível e emissão de poluentes.
Para terminar, lembremos que a tecnologia não está nas máquinas, nos processos, nas patentes ou nos manuais. A tecnologia está nas cabeças dos profissionais. Por isso, é importante que o Brasil invista cada vez mais na educação do povo e na capacitação de seus especialistas. Foi assim que países tecnologicamente mais avançados chegaram onde estão: pela educação.
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(imagens: Piet Mondrian)

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