"O que chamamos de elaboração científica abrange, através de uma gradação imperceptível, desde a mais elevada especulação aparentemente pura e inteiramente destacada, no indivíduo pensante em particular, da atividade prática, até as técnicas mais imediatistas e rudimentares onde se confunde com o conhecimento vulgar." - Caio Prado Júnior - Dialética do conhecimento
Há pouco mais de seis meses ocorreu a tragédia na região serrana do estado do Rio de Janeiro. A catástrofe provocou mais de mil mortes e prejuízos acima de um bilhão de reais. No entanto, a julgar pelas imagens e pelos relatos, pouca coisa foi feita até o momento para recuperar a região. A maior parte dos desabrigados continua sem receber a ajuda do governo; casas localizadas em zona de risco continuam ocupadas por falta de outras opções, a renovação da infraestrutura – sistemas de água e esgoto, arruamentos e reconstrução de residências, entre os principais – avançam lentamente. Para completar este triste quadro, já circula na imprensa a notícia de que o Ministério Público estaria investigando denúncias de mal uso de verbas destinadas a ajudar as vítimas e a região. Segundo o jornal O Globo, políticos e empresários locais estariam envolvidos em esquemas de beneficiamento mútuo, em licitações viciadas.
Como se já não bastasse o acidente natural que destruiu tantas vidas, propriedades e bens, junte-se a isso a desgraça da corrupção e malversação dos recursos públicos - exatamente daqueles que deveriam ajudar a minorar os efeitos da tragédia. Esta uma das grandes mazelas do Brasil, talvez a sua maior: o desvio de verbas públicas para fins particulares (leia-se corrupção), através de uma casta de políticos que tomou o poder e que parece imune ao efeito supostamente profilático das eleições, como instrumento de renovação do poder. De um jeito ou de outro, a maioria destes personagens continua a sitiar (no sentido de fazer o cerco, assediar) cargos públicos, auferindo com isso pequenas fortunas, com as quais o cidadão comum pagador de impostos nem sonharia.
Nesse meio tempo, esquecemos que continuamos sob influência da natureza. As mudanças climáticas, que por um lado baixaram as temperaturas em todo o país durante o inverno, logo provocarão dias mais quentes e tempestades mais fortes no verão. Para podermos prevenir novas catástrofes, como as que ocorreram recentemente, são necessárias medidas de previsão e de prevenção. Recentemente, o chefe do Centro de Análise e Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Luiz Cavalcanti, chamou atenção durante a 63ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sobre a necessidade de o Brasil implantar medidas para monitorar catástrofes naturais. "Se não adotarmos políticas públicas, vamos continuar contando os mortos, porque novos eventos vão acontecer", afirmou o meteorologista. "Temos recursos, mas as tragédias continuam. É importante haver cooperação entre as instituições. Para contratar mais meteorologistas, por exemplo, tem que abrir vaga em concurso público. Aí, em 30 anos, isso acontece", completa Cavalcanti.
Iniciativas como a do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), criando o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem) em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo, ainda precisam ser completadas por várias outras. Estados e prefeituras têm obrigação de aplicar os impostos pagos pelo cidadão; inclusive na organização de sistemas de combate às tragédias do clima. Não é possível que a corrupção continue se apossando de verbas que podem salvar vidas.
(imagens: Frans Post e Albert Eckhout)
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