"Ter senso histórico é superar de modo consequente a ingenuidade natural que nos leva a julgar o passado pelas medidas supostamente evidentes de nossa vida atual, adotando a perspectiva de nossas instituições , nossos valores e verdades adquiridos. Ter senso histórico significa pensar expressamente o horizonte histórico coextensivo à vida que vivemos e seguimos vivendo." - Hans-Georg Gadamer e Pierre Fruchon (org.) - O problema da consciência histórica
O texto "Reflexões sobre a Racionalidade Científica: problemas, apostas e propostas" é de autoria de Daniel
Durante Pereira Alves, professor de filosofia na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Neste curto artigo comentaremos este trabalho, que analisa a atividade científica e a epistemologia.
No
início de seu texto o autor afirma querer fazer uma crítica sobre alguns
aspectos cognitivos da ciência, em seus pressupostos herdados de Descartes e
defendidos pelo empirismo lógico. O texto também pretende apontar a conexão
íntima existente entre certos problemas epistemológicos e éticos, considerando
a extrema interrelação entre ambos. Em sua argumentação, o texto elabora uma
crítica ética da ciência, dadas as “conseqüências muitas vezes nocivas do
conhecimento científico”. Assim, para iniciar sua apresentação, o autor começa
seu texto com uma explicação do que considera as características mais
fundamentais da racionalidade científica hegemônica: o atomismo e o método axiomático.
O
conhecimento científico é socialmente construído e não “temos nenhum motivo
intransponível que nos impeça de procurarmos novas formas de fazer ciência”. A
ciência é uma construção histórica e sua maneira de ser feita não se deve
necessariamente à natureza ou a estrutura de nossa racionalidade
(racionalismo). Esta visão da prática científica, baseada no construtivismo,
não se fundamenta em nenhuma teoria sobre a realidade (ontologia), mas na
prática do sujeito; em seu próprio ponto de vista. Assim, as diferentes
interpretações da natureza são baseadas na interação do observador com o mundo;
construções (constructos) que visam dar sentido aos seus projetos subjetivos. O
conhecimento científico não é uma descrição exata da realidade; trata-se muito
mais de uma teoria descritiva que na prática funciona.
No
entanto, ao longo do desenvolvimento da ciência e da matemática durante os
últimos 350 anos, foram aparecendo fatos que gradualmente colocaram em cheque a
visão ortodoxa da racionalidade científica. O matemático Kurt Gödel (1906-1978)
provou com seu Teorema da Incompletude, que resumidamente diz que em um sistema
de axiomas auto-consistentes sempre existirão proposições que não poderão ser
comprovadas pelo sistema, ou seja, o sistema é incompleto e incapaz de dar uma
explicação total às questões que ele mesmo coloca. Outro exemplo é dado pela
física de partículas, com o Princípio de Indeterminação, elaborado pelo físico
Werner Heisenberg (1901-1976). Segundo este princípio, nunca será possível
determinar a posição e a velocidade de um elétron. Isto porque, o fóton emitido
pelo equipamento de medição já tira o elétron de sua posição original. O mesmo
acontece se os cientistas tentarem medir o sentido de sua rotação (spin).
Na
física quântica também ocorrem fenômenos que colocam em cheque muitos aspectos
da suposta racionalidade da ciência: partículas que têm o mesmo comportamento
como se formassem pares, mesmo que situadas a longas distâncias. Outras que têm
um comportamento completamente aleatório, imprevisível. Isso tudo sem falar nos
paradoxos (aparentes) da Teoria da Relatividade, segundo a qual objetos se
deslocando a velocidades diferentes em relação a um mesmo ponto de referência,
têm diferente percepção do desenrolar do tempo.
Em
suma, a visão de que a realidade material pode ser explicada através de teorias
simples, num encadeamento lógico que ganha em complexidade, não é mais
possível. A matemática e a física têm levantado tantas questões, que a ciência
convencional – e com ela a epistemologia – já não pode mais explicar a
realidade.
O
autor também coloca a questão sobre quais interesses estão por trás da prática
científica. Além de sua função utilitária de fazer prognósticos, a quem servem
estes prognósticos? Se a ciência reflete os projetos e interesses do observador,
de que observador estamos falando? Recomenda o autor que a ciência não seja
distante da ética e que seja mais responsável e reflexiva, considerando que há
uma crescente desconfiança por parte da opinião pública em relação à prática
científica.
Paralelamente
desenvolvem-se novas visões do pensamento científico; mais abrangentes e
englobando idéias como a transdisciplinaridade, o pensamento complexo, a
holística, ultrapassando os paradigmas do atomismo e do método axiomático. Ao
invés de “prognosticar para manipular e controlar” as novas correntes
epistemológicas são orientadas para “mapear para equilibrar e dar autonomia”. A
frase do autor conclui nosso texto: “Ainda que tenhamos nos concentrado neste
ensaio apenas nos aspectos epistemológicos e éticos da ciência, ela é uma
atividade coletiva e social, sendo este aspecto extremamente importante para
qualquer consideração, pois a ciência só mudará quando os cientistas mudarem,
quando nós, coletivamente, aceitarmos e praticarmos novas formas de cientificidade.”
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)
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