"Minha vida fora tão contínua quanto a morte. A vida é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte." - Clarice Lispector - A paixão segundo G.H.
Nossas atividades econômicas, de uma maneira ou outra, estão
gradualmente destruindo o meio ambiente natural. Derrubamos a floresta para
criação de gado, preparamos áreas para abertura de condomínios residenciais,
canalizamos córregos para construção de estradas; sempre alteramos os
ecossistemas originais. Com isso, o complexo sistema formado pelo solo,
recursos hídricos, vegetação e animais (inclusive a microfauna) é destruído
parcial ou totalmente, fazendo com que perca seu equilíbrio, o que provoca a
morte de espécies que habitam o ecossistema. Outros indivíduos da mesma espécie
podem voltar a ocupar o ambiente alterado – caso ainda encontrem condições de
sobrevivência – ou desaparecer daquela região. Se estas espécies forem do tipo endêmico,
que existem somente em um determinado lugar, teremos destruído um tipo de
animal ou planta, produto de milhões de anos de evolução, que nunca mais voltará
a existir.
O desaparecimento de uma espécie vegetal ou animal, na maior
parte dos casos, não tem nenhum efeito sobre nossas atividades diárias – pelo
menos é o que a maioria de nós pensa. Que efeito terá sobre nosso dia a dia a
extinção de uma planta que só existia nos arredores da região sul da metrópole
de São Paulo e que foi extinta com a construção do Rodoanel (tal fato quase
ocorreu efetivamente)? O que importa para o país, às voltas com tantos
problemas econômicos e sociais, o desaparecimento de uma ave, recentemente
identificada na Amazônia, mas que já está em processo de extinção? Pouco ou
nada, diremos.
Ainda somos ignorantes em relação às complexas conexões que
existem neste vastíssimo sistema chamado vida. Desconhecemos a maneira como a eliminação
de um tipo de vegetal ou ave pode influir no equilíbrio (sempre instável) de
todo um ecossistema. Quais espécies de animais se alimentavam das folhas e do
néctar das flores desta planta, e qual a posição destas espécies na cadeia
alimentar daquele ecossistema? Que tipo de inseto e semente foi o alimento da
ave? Conhecer as respostas a estas perguntas e muitas outras, poderia ajudar os
cientistas a prever as chances de sobrevivência dos ecossistemas dos quais
planta e ave desapareceram. Estudar propriedades químicas da seiva da planta e
as cores da plumagem do pássaro proporcionaria, eventualmente, novas
substâncias para o combate de doenças e conhecimento sobre microestruturas nas
penas que, copiadas, melhorariam técnicas de camuflagem. Estas oportunidades,
importantes para a nossa vida diária e para os problemas do país, desaparecem quando
espécies se tornam extintas. Se cada espécie, planta ou animal, para muitos não
tem importância em si e nem por sua função na cadeia da vida, pelo menos
deveria ter importância sob aspecto científico e econômico.
A cada mês de novembro, bilhões de indivíduos da espécie de
borboleta monarca (danaus plexippus) chegam às florestas das montanhas centrais
do México, vindas do Canadá e dos Estados Unidos. Nesta longa migração, os
pequenos insetos voam durante dois meses e percorrem até 4.000 quilômetros,
para então hibernarem durante o inverno. Cientistas detectaram uma queda no
número de indivíduos a cada ano, por causa das condições climáticas mais
extremas (provocadas pelas mudanças climáticas) e uso indiscriminado de
inseticidas. Se esta espécie de borboleta desaparecer da região, o que teremos perdido?
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)
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