Resenha do livro “Dialética e Materialismo, Marx entre Hegel e Feuerbach”
de Benedito Arthur Sampaio e Celso
Frederico, Editora UFRJ, 2005, 128 p.
Apresentação
Esta
obra insere-se na discussão do fim do “socialismo real”, focando o ano de 1843
e a obra “Crítica da Filosofia do Direito”, de Hegel. Baseado na filosofia
materialista de Feuerbach e com enfoque filosófico na teoria da alienação, Marx
lançou-se à crítica de Hegel. O livro pretende também ressaltar a grande
influência de Feuerbach sobre Marx. A obra mostra as influencias filosóficas
de Marx e como ele conseguiu conciliar o materialismo de Feuerbach com o
idealismo de Hegel.
1843
Em 1843
Marx escreve a “Crítica à Filosofia de Hegel”. Como nessa época o pensamento de
Marx ainda não estava maduro e sujeito a diversas influências,
retrospectivamente tentaram diversos autores imputar idéias ao pensamento
iniciante de Marx.
É fato
que nessa época Marx já diferia do pensamento dos jovens hegelianos: era
feuerbachiano, mas criticava o caráter apolítico de seu pensamento; não havia
feito ainda análise da sociedade burguesa e escrito contra a propriedade
privada; sua concepção política aproximava-se do socialismo.
Diversos
autores, como Della Volpe, Cornu, Lukács e outros, dão diversas interpretações
do pensamento de Marx em sua juventude, sobre a existência e o significado da
dialética materialista nesse período da vida de Marx. Entre 1843 e 1844 Marx
trabalhava como redator do jornal “Gazeta Renana” e foi neste período – a fim
de escrever seus artigos – que se ocupou pela primeira vez com problemas
econômicos. Por outro lado, seguindo um
costume da intelectualidade alemã da época, todo problema discutido tinha que
ser analisado filosóficamente, ser discutido pelos pares e sob a ótica da
filosofia de Hegel, dominante na época. A filosofia de Hegel, porém, é uma das
mais complexas filosofias de todos os tempos.
Hegel
havia, de certo modo, decretado o fim do iluminismo na Alemanha, ao
classificá-lo como fase de pensamento ultrapassada. Mas é exatamente no período
em que Marx começa a escrever na Gazeta Renana, que renasce o interesse pelos
ideais iluministas na Alemanha, agora associados à política (socialismo e
comunismo) e à crítica de Hegel, em seus aspectos políticos e religiosos. Esta
crítica também era projetada no Estado Prussiano da época, fortemente
autocrático.
Deste
modo, os textos de Marx na Gezeta Renana serviram como base para implantar os
problemas econômicos e políticos de seu tempo no texto filosófico; foi o ponto
de partida de Marx para a elaboração filosófica de seu pensamento.
A
filosofia de Hegel e de seus sucessores, os “jovens hegelianos” era
caracterizada por uma crítica a qualquer utopismo. Os autores do livro citam
como exemplo uma passagem da “Filosofia do Direito” de Hegel, onde este escreve
que “é insensato pretender que alguma filosofia possa antecipar-se a seu mundo
presente”. Todavia, o pensamento de Hegel também tinha uma crítica ao presente
embutida, ao atual momento histórico, ou seja, ao momento histórico daquela
época, conforme a interpretação.
Baseados
nesta interpretação diferente de Hegel é que os jovens hegelianos - incluindo Marx – iriam opor-se a um estado autoritário, conservador
e feudalizante, que era o Estado prussiano da época, governado pelo rei
Guilherme IV. Marx, baseado na filosofia de Feuerbach, redige nesta época
(1843) a sua “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”. O cerne da crítica de
Marx à Hegel é que este em sua obra “Filosofia do Direito” descreve o próprio
Estado moderno, mas que este, segundo Marx, não é a forma definitiva do Estado
descrito por Hegel. Em outras palavras, a famosa frase de Hegel “o racional é
real” foi interpretada por Marx como verdadeira, no entanto, afirmando que “o
real não é racional” (ou seja, as condições sociais e econômicas não são as
ideais / racionais). Assim como para Feuerbach o conceito de Deus era uma
projeção do homem e este deveria apropria-se de suas projeções, para Marx
(baseado em Feuerbach) o Estado descrito por Hegel era o Estado burguês e que o
homem deveria reapropriar-se do Estado e transformá-lo em uma sociedade
democrática.
Propriedade,
Sociedade Civil e Estado em Hegel
Em 1845
Marx retoma a questão do Estado e da realidade entendendo-o agora como um
processo objetivo, “engendrado pelo conjunto das atividades humanas, pela
praxis social articulada universalmente, o que lhe permitia formular uma
revolução filosófica, cujo princípio configura uma totalidade humana ativa,
autodeterminada, um sujeito social e não uma pluralidade de seres individuais,
separados e inertes”.
Em sua
análise, mais tarde criticada por Marx, Hegel divide a sociedade em três
estágios: a família, a sociedade civil e o Estado. Somente o Estado, diz Hegel,
“è a substância que chegou à consciência de si”, formando uma realidade
concreta e absoluta.
Para
Hegel é através da propriedade que as relações pessoais ganham sua primeira
ordenação jurídica. É através do encontro das vontades que se estrutura o
contrato de convivência entre os indivíduos. Neste contrato social, a
convivência entre os indivíduos será baseada numa conciliação de pessoas,
baseado e um objeto material. Este pensamento terá uma profunda influência
sobre Marx, quando este estrutura seu conceito de “relações de produção”. Isto
prova que a influência de Hegel sobre Marx não se limita a aspectos filosóficos
e metodológicos, mas inclui sua teoria econômica.
As
concepções do funcionamento do Estado em Hegel tiveram forte influência em sua
visão econômica, esta fortemente influenciada pelo liberalismo britânico do
século XVIII. Muitas destas concepções de Hegel serão mais tarde incorporadas
por Marx, de uma maneira diferente. Desta forma, “o regime comunista de Marx
(estágio da evolução social que corresponderia ao Estado político de Hegel,
isto é, o momento de “negação da negação” na vida social) promete eliminar de
uma vez para sempre o capital e com ele o fundamento econômico e jurídico das
relações humanas alienadas do mundo moderno” (pag.44).
Feuerbach,
as mediações e a praxis social
A
crítica de Feuerbach à filosofia de Hegel (do qual foi discípulo), começa com o
início da filosofia, que em Hegel se principia com um objeto extremamente
abstrato. Para Feuerbach, ao contrário, “o começo da filosofia é o finito, o
determinado, o real”. Feuerbach afirma em sua teoria da alienação que o ser
absoluto, ou seja, Deus, e o Espírito Absoluto da evolução intelectual
hegeliana é a alienação da essência humana, tomando o absoluto como um sujeito
autônomo, um fantasma. Considerar o predicado como sujeito, o pensamento como
ser, separá-los e dar predominância e autonomia ao primeiro é, segundo
Feuerbach, o grande engodo do método hegeliano e do cristianismo. Esclarecer e
iluminar este grande mal-entendido é a tarefa da filosofia. A verdadeira
contradição, segundo Feuerbach, está entre a razão abstrata e a percepção. Ao
pensamento abstrato, chamado Ser, ilusão dos filósofos idealistas, opõem-se os
seres concretos da experiência sensível, e não o nada. O nada, nada é, por não
exercer nenhuma influência sobre os sentidos.
A
passagem de Marx do materialismo feuerbachiano ao materialismo dialético se dá
através da incorporação de conceitos de Hegel, através da negação da negação. O
vir-a-ser não se encontra em um pensamento abstrato, mas na vida social
empírica dos homens.
Feuerbach
afirma que a projeção das qualidade humanas na idéia de Deus tem um aspecto
positivo, já que mostra à humanidade as virtudes de que é capaz. A “redenção do
homem” não significa o reatamento da aliança com um suposto deus, mas o
reatamento da aliança entre os homens. Por isso, ainda segundo Feuerbach, cabe
substituir a filosofia por uma antropologia.
A única
mudança possível, segundo a filosofia de Feuerbach, é a conscientização pessoal
(pela educação, por exemplo), o auto-esclarecimento, livrando o ser humano de
sua alienação em relação à religião e à filosofia. Todavia, no aspecto
político, a filosofia de Feuerbach não tem nenhuma pretensão transformadora,
limitando-se ao aspecto pedagógico. Esta limitação da ação, reflete-se na
própria concepção da verdade. Para o autor do “A Essência do Cristianismo” o
observador será tanto mais sensível à verdade, quanto menos exercer seu poder
sobre a realidade. Esta visão contemplativa choca-se com a visão da verdade de
Marx, para quem a verdade se apresenta depois da intervenção do homem na
natureza (como o processo da pesquisa científica e atividade industrial).
O
Estado, para Feuerbach, deve ser o gerenciador dos conflitos e das
necessidades. Seu conceito de Estado espelha-se na democracia burguesa, na qual
o Estado é responsável para resolver todas as contradições da sociedade,
cabendo aos indivíduos uma atitude passiva.
Estado,
sociedade civil e horizontes metodológicos na “Crítica da Filosofia do Direito
em Hegel”
A
crítica de Marx à filosofia de Hegel foi feita tomando por base a filosofia de
Feuerbach, fazendo uso do novo conceito de alienação de Feuerbach. Refutando as
teses de Hegel, Marx afirma em “Crítica da Filosofia do Direito em Hegel” que o
Estado preconizado por este é apenas uma idéia abstrata, ilusoriamente cultuado
como se fosse um sujeito concreto, devendo ser combatido. Por outro lado, Marx
também constatava uma clara diferença de interesses entre a organização
política (o Estado) e a sociedade civil.
Marx
passou a admitir a idéia de um Estado como ente independente, que a simples
crítica de Feuerbach não poderia mudar. Em 1843 Marx ainda considerava o Estado
como Idéia, e não como instrumento de interesses particulares. Somente se
afastará desta linha de pensamento em 1845, quando afastando-se de Feuerbach
criará um novo materialismo que concede à realidade e ao Estado uma
racionalidade ativa, decorrente prática social coletiva.
Della
Volpe e a dialética da particularidade
Della
Volpe afirma que o texto de Marx de 1843 – “Crítica da Filosofia do Direito em
Hegel”, apesar de não ser completamente original já apresenta algumas idéias
que o pensador irá desenvolver mais tarde, ao longo da carreira. A primeira
crítica da dialética idealista de Hegel foi, entretanto, feita por Feuerbach,
antes de Marx.
(Imagens: pinturas de Henri Rousseau)
1 comments:
Gostei.
Postar um comentário