"Do mesmo modo, o triste plantador de uma vinha hoje velha e enfezada acusa a ação do tempo, queixa-se repetidamente da sua geração e resmunga que os homens antigos, cheios de piedade, passavam uma vida fácil num pequeno campo, quando era menor a quantidade de terra que cabia a cada um: e não vê que tudo se enfraquece pouco a pouco e se dirige para o esquife, fatigado pelo decrépito tempo da idade." - Tito Lucrécio Caro - Da natureza
Platão falava “que tudo está se tornando,
nada é”.
Lembro-me de quando era criança e passava
férias na praia. Ao lado de nossa casa havia uma família de caiçaras, que
morava em uma casa de madeira, um pouco melhor que um barraco. Pois bem, passou
o tempo e alguns anos depois estas pessoas construíram uma casa de tijolos.
Viveram lá por mais alguns anos. Depois morreu o patriarca da família e eles
também se mudaram, vendendo a casa para veranistas de São Paulo.
Pergunto-me onde está aquela casa de madeira
que primeiro conheci e como tudo foi se transformar em outra coisa, no mesmo
espaço, mas completamente diferente habitado por outros indivíduos, com
histórias completamente diferentes.
Como entender esta mudança?
É este processo de mudança completamente
aleatório, sem qualquer vínculo com o passado? Em outras palavras, o que uma
coisa – neste caso a casa de madeira, habitada por caiçaras, que lá viviam suas
vidas – tem a ver com o que existe lá agora, a casa de tijolos, eventualmente
visitada por pessoas em férias e vazia na maior parte do tempo fora da época de
temporada?
Existe uma ordem de mudança nisto, ou seja,
há uma maneira de, partindo do presente, fazermos uma idéia do passado? Talvez
olhando o fato de certa maneira sim, com relação à substituição da casa de
madeira pela de tijolos. O que não sabemos é porque esta mudança ocorreu – como
saberemos o que levou os antigos habitantes construir uma casa de tijolos e
depois vendê-la?
Isto nos leva a outra questão, muito antiga e
não respondida ainda, mas tratada por inúmeros filósofos e físicos: o que é o
fluxo do tempo? Penso que não há fluxo nenhum. O que ocorre são transformações
na matéria; movimento no espaço, mudanças na aparência (quebra, envelhecimento,
doença, destruição por substâncias ou organismos, por exemplo). Trata-se, essencialmente,
de transformação da matéria, principalmente no nível atômico e subatômico (as
menores partículas das quais é constituída a matéria).
Imagino que se fosse possível cessar
completamente o movimento dos átomos, dos elétrons, fótons e todas as outras
subpartículas, não haveria mais qualquer movimento na matéria, não ocorreriam
mais interações e transformações e o que nós chamamos de fluxo do tempo
pararia. Não havendo mais qualquer tipo de transformação na matéria, não há
mais escoamento do tempo. Um universo congelado.
Mas, voltando ao exemplo inicial, da casa do
caiçara transformada em casa de praia. A transformação das coisas ocorre porque
na natureza (penso aqui nos fatores não-humanos) existem duas principais
tendências: a entropia crescente, ou seja, a desagregação e perda de energia e
organização, como afirma o segundo princípio da termodinâmica. A outra
tendência, presente em todos os seres vivos, é a tendência de aumentar e manter
a organização – a entropia decrescente. (Fica a pergunta se formações
cristalinas podem ser incluídas nessa segunda tendência). Todos os seres vivos
lutam contra a desagregação, representados pelo desgaste do organismo (gradual
falência dos órgãos e demais sistemas de manutenção da vida) e doenças (ataques
de outros seres vivos, como bactérias e fungos e não vivos, como os vírus).
(Imagens: pinturas de Gabriele Münter)
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