Houve
um período durante o governo militar (1964-1984) em que o ensino da filosofia
foi dificultado, se não eliminado. O processo de supressão da filosofia dos
currículos escolares começou no final da década de 1960, quando foi dada às
escolas a opção de não ensinarem a matéria. As escolas que já não tinham muito
interessem em ministrar a disciplina, acataram a lei como mandatória.
Finalmente, em 1971, o Ministério da Educação editou uma nova lei que proibia o
ensino da filosofia nas escolas de todo o país. Ficamos assim um longo período
sem ensino da filosofia. Quais as razões e as consequências disso?
Por
um lado, o país estava sob jugo de um regime militar não democrático, sem
eleições livres, sem liberdade de imprensa e de expressão. Como todos os países
do planeta entre os anos 1950 e 1980, éramos protagonistas de uma grande
batalha entre os Estados Unidos, representando o sistema capitalista, e a União
Soviética, representando o mundo comunista. Internamente tínhamos um
capitalismo em desenvolvimento, o país estava começando seu processo de
industrialização e urbanização. Havia uma pequena classe média ascendente, que
pela primeira vez na história do país tinha acesso a bens com os quais no
passado havia apenas sonhado. Sob o aspecto das carreiras profissionais, a
grande maioria dos poucos brasileiros que chegava ao ensino superior optava
pelas áreas da medicina, da engenharia e do direito. Dentro deste contexto
político, sócio-econômico e educacional, a carreira de filósofo parecia, no
mínimo, estranha. Além disso, com as revoltas estudantis em todo o mundo
durante o mês de maio de 1968 – no Brasil especificamente encabeçadas pelos
estudantes de filosofia da USP da Rua Maria Antonia – os estudantes de
filosofia acabaram adquirindo a pecha de “baderneiros e comunistas”.
Definitivamente no período da ditadura militar a filosofia não gozava de boa
fama.
Outro
fator que no imaginário brasileiro causou desinteresse pela filosofia foi a
imagem de ser uma matéria teórica, pouco afeita à prática. Os filósofos, com
seus sistemas, eram retratados como estudiosos que viviam longe dos problemas
diários do país – que envolviam o mundo do mercado e da produção, do trabalho e
das grandes obras, etc. – com as quais o pensador supostamente (pelo menos
dentro do padrão criado pela mídia) nada tinha a ver. A profissão não tinha
mercado de trabalho, já que a ênfase da época no país era o crescimento, a
produção a mobilidade e não a análise, a crítica ou o questionamento. Os cursos
em quase sua totalidade estavam extintos e a grande maioria dos filósofos
ocupava cargos em outras áreas da cultura. Este período no Brasil pode ser
comparado à segunda metade do século XIX na Inglaterra, tão criticado por
Nietzsche, que chamava os ingleses de “povo de negociantes e industriais”, sem
qualquer preocupação filosófica.
Em
1984 inicia-se o período de redemocratização. As instituições voltam a
funcionar, recupera-se a liberdade de imprensa e de crítica. Antecedendo em
alguns anos a volta da democracia, o país vivia iludido com a idéia de que
bastaria a volta das instituições democráticas, para que a maior parte das
estruturas voltasse a funcionar normalmente como antes, entre outros o sistema
de ensino. Aqui convêm lembrar que durante o período militar a qualidade do
ensino no Brasil caiu vertiginosamente. Muito mais do que uma intenção
premeditada em manter o povo na ignorância, segundo Darcy Ribeiro, a queda na
qualidade do ensino se deve à sua massificação; à intenção de pulverizá-lo, sem
atentar para a qualidade. Todavia, é fato que depois da volta da democracia, a
deterioração do ensino público foi ainda maior. A impressão que se tem é que
desde o regime ditatorial a educação nunca mais achou seu caminho, sendo vítima
de experiências educacionais diversas, que não conseguem melhorar a qualidade
da estrutura responsável pelo ensino: planejadores, professores e escolas. Além
disso, os próprios alunos muitas vezes não reúnem condições físicas e
psicológicas para receber o ensino, já que passam por problemas de carência de
alimentação, de apoio familiar e de auto-estima.
A
consequência desta situação é que todo sistema de ensino acabou se
deteriorando. A reintrodução do ensino da filosofia, obrigatório a partir de
2008, também ficou comprometida com o baixo índice de qualidade do sistema educacional.
Se, teoricamente, a Lei das Diretrizes e Bases da educação nacional prevê que o
ensino secundário deve preparar o aluno para ter uma visão ampla sobre os
diversos conhecimentos humanos – ciências naturais e humanas – e assim a
filosofia seria como que um coroamento deste processo, capacitando o futuro
cidadão a fazer uma síntese deste conhecimento, o objetivo não tem sido
alcançado até o momento.
Recentemente
o governo Temer introduziu outra reforma do ensino, no qual as matérias
tornadas obrigatórias no ensino médio a partir de 2008, filosofia e sociologia,
já não o serão mais. Aparentemente, a formação do aluno no ensino médio deverá
se tornar mais específica, abandonando a ênfase universalista em benefício de
uma educação voltada a áreas mais específicas e técnicas.
Não
é possível que com um ensino fundamental incipiente, no qual o aluno muitas
vezes não chega a aprender a ler ou escrever corretamente, seja construída a
base para o ensino da filosofia no ensino médio – ou outras matérias que venham
a ser adicionadas ao currículo. A filosofia pode ampliar substancialmente o
horizonte cultural dos alunos do ensino médio, mas nada ou pouco pode fazer se
o solo está estéril e os alunos não têm a mínima capacidade – e, conseqüentemente
interesse – em se aprofundar nos textos e nas idéias dos filósofos. Se não
houver uma melhoria da qualidade do ensino no período fundamental e médio, o
ensino da filosofia, da sociologia e de outras matérias técnicas, poderá ser
mais um engodo, como o foram os outros planos para reforma do ensino ao longo da
história do Brasil.
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