"Afinal, as formigas estão entre os animais de pequeno porte mais predominantes no planeta. Na floresta amazônica, onde já foram feitas medições desse fenômeno, elas formam a terça parte do peso seco total dos insetos, e, com os cupins, mais do que a quarta parte do peso seco total de todos os animais, somando-se vertebrados e invertebrados." - Edward O. Wilson - A Criação - Como salvar a vida na Terra
Introdução
O Brasil é um dos maiores
geradores mundiais de resíduos domésticos, industriais e hospitalares. Os 205
milhões de brasileiros (2015) aumentaram a geração de resíduos nos últimos dez
anos, devido a políticas públicas que colocaram milhões de pessoas no mercado
consumidor. Aumentaram os consumidores e a geração de resíduos em poucos anos, mas a infraestrutura de gestão permaneceu quase a mesma. Assim, diferentemente dos países desenvolvidos, a geração de
resíduos no Brasil está aumentando, tanto em números absolutos quanto per
capita, em percentuais muito acima aos do crescimento populacional.
O aumento da geração de
resíduos urbanos faz crescerem as emissões de gases de efeito estufa (cerca de
5% do total das emissões do país), já que grande parte (cerca de 50%) do lixo é constituído por resíduos orgânicos, que é consumido por bactérias que emitem metano (CH4). Grande parte das cidades do país ainda não
possui aterros sanitários, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde
parte do lixo também não é coletado. A Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS), marco legal do setor, teve sua implantação postergada por falta de
recursos nos municípios. Desta forma, o setor de gestão de resíduos, incluindo
os hospitalares e industriais, avança lentamente no momento. Além disso, existe
a contribuição da crise econômica, que tem postergado a maior parte dos investimentos,
tanto no setor público quanto no privado.
Gestão
de resíduos no Brasil
O Brasil gerou em 2014 cerca
de 78,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, dos quais 90,6% foram
coletados. Destes, 58,4% foram destinados a aterros sanitários e o restante
depositado em aterros controlados e lixões¹. O lixo brasileiro é composto
basicamente em 53% por material orgânico; 25% papel e papelão; 3% de plástico;
2% de metais; 2% de vidro e 15% por rejeitos.
Os municípios brasileiros
são distribuídos da seguinte maneira em relação ao número de habitantes (2008):
Municípios pequenos -
menos de 100 mil habitantes - 5.299 municípios
Municípios médios -
entre 100 mil e um milhão
hab. - 252 municípios
Municípios grandes -
mais de um milhão de hab.
- 14 municípios ²
Destas cidades, 65% (3.600)
têm alguma iniciativa de reciclagem; geralmente projetos pontuais de pequena
abrangência. Cerca de 1.000 municípios dispõem de projetos de reciclagem de
maior tamanho, incluindo bairros de uma mesma cidade (CEMPRE). Em relação ao
volume, cerca de 8% do lixo brasileiro coletado é reciclado. Deste material
reciclado 39% são compostos por papel/papelão; 16% por metais ferrosos; 15%
vidro; 7% plástico firme; 2% embalagens longa vida; 1% alumínio e 8% de
material diverso ³.
A Política Nacional de
Resíduos Sólidos foi o instrumento legal criado pelo Estado para encaminhar a
solução para a gestão de resíduos no Brasil. A lei foi aprovada pelo Congresso
em agosto de 2010 e deveria entrar em vigência em agosto de 2014. No entanto, a
falta de recursos financeiros para obras públicas e de técnicos para elaborar
os planos de gestão de resíduos dos municípios, fez com que o Congresso
postergasse a implantação da lei para 2018. Mesmo assim, o setor privado já
está firmando acordos setoriais com o Ministério do Meio Ambiente, implantando
políticas de logística reversa.
Até o final de 2015 os seguintes setores
industriais deram início a projetos de reciclagem:
- Embalagens plásticas e
óleos lubrificantes;
- Lâmpadas fluorescentes de
vapor de sódio, mercúrio e de luz mista;
- Embalagens em geral;
- Resíduos de medicamentos e
suas embalagens;
- Pneus e câmaras;
- Embalagens de agrotóxicos
e óleos lubrificantes usados e contaminados;
- Pilhas e baterias
elétricas 4
O Brasil gera 264,8 mil
toneladas de resíduo hospitalar e clínico por ano. Segundo dados da Associação
Brasileira das Empresas de Limpeza pública (ABRELPE), apenas 14% das
prefeituras informam tratar o lixo hospitalar de forma adequada. Nas cidades
onde esta coleta acontece de forma correta, cerca de 85% dos resíduos são
recolhidos por empresas privadas, contratadas pelos hospitais ou pela
prefeituras, e lançados em aterros sanitários ou incinerados (44,5%) ¹. Uma
parte considerável dos resíduos hospitalares é processada em autoclaves, muitas
delas disponíveis nos próprios hospitais.
Segundo a Associação
Brasileira das Empresas de Tratamento, Recuperação e Disposição de Resíduos
Especiais (ABETRE), são gerados 2,9 milhões de toneladas de resíduos sólidos
perigosos por ano, mas só cerca de 500 mil toneladas, segundo a própria
associação, são dispostas de modo correto. Do resíduo industrial 18% são
incinerados, o restante é: a) armazenado nas instalações do próprio gerador; b)
encaminhado a um aterro industrial para produtos perigoso; c) queimado através
do coprocessamento, em fornos de fabricação de cimento.
Incineração e incineradores
Ainda não existem unidades
de incineração de lixo em funcionamento no Brasil. Apesar dos estudos e projetos
em fase de análise, como no caso do município de Maringá (PR), os custos para
implantação de tais unidades ainda são bastante proibitivos, mais ainda em
épocas de crise econômica. Apesar de ser uma prática relativamente comum na
Europa e Estados Unidos, no Brasil os impedimentos ainda são diversos, dentre
os quais: a) falta de uma política de gestão de resíduos efetivamente
implantada nos municípios; b) falta de dados sobre os volumes disponíveis para
incineração; e c) relativo conflito da incineração com a PNRS.
Foi somente em 2017 que se
começou a construção da primeira usina de geração de energia a partir do lixo
no município de Barueri (SP), que deverá queimar lixo doméstico e gerar cerca
de 18 MW. Mesmo assim, do processo ainda sobram cinzas, que precisam ser
destinadas a um aterro sanitário. A incineração de lixo ainda é vista com
suspeita, já que caso o sistema não utilize tecnologias avançadas (e por isso
muito caras), não há garantia de que o processo não libere quantidades mínimas
de furanos e dioxinas, substâncias altamente cancerígenas.
Outra barreira na
implantação de tais projetos é a desconfiança de parte da população em relação à
efetividade do controle dos órgãos ambientais, sobre o funcionamento de tais
unidades de incineração. Além disso, há dificuldade na implantação de
tais projetos nas prefeituras, já que ainda não existe um quadro legal bastante
claro com relação às Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de gestão de
resíduos. Se tais projetos só podem ser implantados com o aporte de tecnologia e financiamento do capital privado, é preciso que tais parcerias entre o setor público e o privado estejam bem fundamentadas. Ainda está na memória de muitos técnicos e administradores públicos a
mal sucedida tentativa de se implantar a incineração dos resíduos domésticos em
vários municípios no início dos anos 1990.
Os custos para instalação
destes equipamentos são altos para a maior parte das cidades, além do fato de
que estas comunidades não são capazes de gerar volume suficiente de material,
destinado à incineração. Neste caso, segundo especialistas, a melhor solução é
que vários municípios formem um consórcio – como acontece em muitos países da
Europa – e direcionem os rejeitos de todos os municípios participantes da
iniciativa para a unidade de queima. Mesmo assim, tais equipamentos, caso
instalados, não podem ser colocados em regiões turísticas, áreas de proteção de
mananciais, áreas florestais sob proteção e, principalmente, em regiões de vale
ladeadas por montanhas. O ideal é que os incineradores sejam instalados em áreas já ocupadas por atividade industrial.
Segundo alguns analistas, a
tendência é que apenas pequenas parcelas do lixo urbano no Brasil sejam
incineradas, já que em sua idealização a PNRS dá prioridade às iniciativas de
recuperação e reciclagem de resíduos, apoiada em políticas de valorização dos
“catadores” – indivíduos que tiram seu sustento da venda dos materiais
recicláveis. Essa posição não é unânime no país e é provável que quando de sua
implantação (2018) ainda surjam mudanças. A ideia é transformar os “catadores”
em empresários ou cooperados, atuando no setor de resíduos, e não mantê-los na
posição de elo mais fraco da cadeia.
A geração de energia a partir do metano de grandes aterros sanitários, já ocorre há pelo menos há dez anos. Trata-se da extração e queima do metano (CH4) por turbinas termelétricas. O potencial ainda é limitado, já que apenas seis regiões metropolitanas no Brasil têm volume de lixo suficiente para implantação de unidades de geração de
energia. No momento o potencial é de 2,4 GW, com capacidade de geração de
14.400 GWh, o que representa 1,85% da matriz nacional 5.
O aspecto mais importante na questão da incineração e eventual geração de energia a partir do lixo,
segundo muitos especialistas, é não criar apenas uma necessidade tecnológica artificial (que sempre beneficia alguém),
quando existem outras soluções mais econômicas e seguras disponíveis. Por
experiências passadas sabemos que é preciso cuidado com repentinas
"urgências" na implantação de novas tecnologias ambientais -
principalmente na gestão de resíduos, envolvendo altos investimentos. Casos
anteriores mostraram que sem estudos prévios, implantação de um projeto e comprometimento de todos os
envolvidos, pode-se muitas vezes jogar muito dinheiro público no lixo.
Referências
(Imagens: Fotografias de Ugo Mulas)
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