"Não é elegante abusar da má sorte; alguns indivíduos, como certos povos, se comprazem tanto nela que desonram a tragédia." - Emil Cioran - Silogismos da amargura
Ao longo da Média surgiram
diversas interpretações, populares e intelectuais, deste processo que em pouco
tempo, esperava-se, levaria à Parúsia, ao Final dos Tempos. Perto do ano 1000 a
Europa passava por uma crise econômica e social bastante grave. A Igreja
enfrentava problemas internos. Interpretações de partes da Bíblia pareciam
predizer que na virada do primeiro milênio da história da cristandade - leia-se
história ocidental - ocorreria a implantação do Reino de Deus, com todas as
suas implicações. Assim, alguns anos antes da virada do milênio, espalharam-se
os movimentos formados principalmente por camponeses, pobres e peregrinos, que
defendiam uma volta à vida ascética dos Evangelhos e o arrependimento frente ao
Julgamento Final iminente.
Intelectuais da Igreja mais
tarde também incorporaram a ideia de que Deus era o "senhor da
História", mas de uma forma bem mais sofisticada. Joaquim de Fiore
(1135-1202), monge cisterciense italiano, criou, baseado no livro do
Apocalipse, a teoria das Três Eras. Fiore dividia a história humana em três
períodos distintos: o período do Pai, o do Filho e pregava a chegada (em sua
época, no século XIII) do período (ou reino) do Espírito Santo. A Era do Pai
correspondia ao período histórico relatado pelo Antigo Testamento, o período de
obediência aos mandamentos de Deus. O período do Filho compreendia o tempo de
aparecimento do Cristo até 1260, quando o homem havia se tornado filho de Deus.
O terceiro tempo referia-se ao do Espírito Santo, o mais importante da
história, seria aquele no qual a humanidade teria contato direto com Deus e
quando a ordem eclesiástica seria substituído pela “ordem do justo”, que na
época se pensava referia-se à ordem franciscana. Este terceiro período da
história da humanidade seria de paz e nele a humanidade teria um contato
diretor com a divindade, o que eliminaria a necessidade de uma estrutura
eclesiástica. A doutrina de Fiore, evidentemente, foi condenada pela Igreja e
pelos escritos de seus teólogos oficiais, como Tomás de Aquino. As ideias de
Fiore, no entanto, continuaram presentes na ideologia de diversos movimentos
milenaristas durante a Idade Média e o Renascimento. As ideia das “Três Eras
Históricas” exerceram forte influência em pensadores posteriores, como o
historiador Giambattista Vico (1668-1744) e o filósofo Georg F. Hegel
(1770-1831).
A história, que para os
gregos como para várias outras culturas (hindus, chineses, entre outros) era um
processo cíclico, formada por fases que regularmente se repetiam, assumiu uma
forma linear, tanto no Judaísmo quanto no cristianismo. A origem disso
encontra-se, provavelmente, nos mitos da criação que eram comuns a diversos
povos do Oriente Médio e que também foram incorporados pelos antigos judeus ao
seu corpo de crenças. Os judeus, provavelmente em tempos mais recentes,
transformaram este em um mito fundador de seu povo, como vários outros povos o
fizeram, e passaram a ver a sua história de uma maneira linear - visão
fortalecida pelos dois exílios e pelas profecias da reinstituição do reino de
Israel através da interferência de Javé. A história do povo judeu tinha assim
seu mito de Criação e do surgimento de seu povo, com as histórias de Abraão e
Moisés. Mais tarde, após o segundo exílio, esta visão teleológica da história
foi ainda mais fortalecida com as visões apocalípticas, cujo teor era
essencialmente de destruição da dominação grega e mais tarde romana, e
instituição do domínio de Javé.
Tudo isto foi incorporado
pelo cristianismo e através dele à filosofia cristã. A discussão se a filosofia
moderna ainda pode ser chamada de cristã ainda está em aberto. Inegavelmente
nossa filosofia, mesmo aquela posterior à Revolução Francesa, tem muitos
pressupostos que tiveram sua origem na cultura cristã.
A filosofia ocidental
contemporânea teria conseguido equacionar a eterna discussão entre Heráclito e
Parmênides - a dicotomia entre o mundo das Ideias (ou dos Ideais) e o mundo
criado pelo Demiurgo, segundo Platão? Seria possível conciliar a visão de ambos
os filósofos gregos? Sob ponto de vista de Heráclito tudo muda, mas para
Parmênides é apenas a superfície que muda, o Uno não. O que seria este Uno? O
fundamento do universo? Sob certo aspecto a história muda, mas, de certa forma
permanece a mesma. Dependendo dos parâmetros que consideramos, Heráclito está
certo, considerando outros aspectos a razão fica com Parmênides. É, por
exemplo, o caso da dialética de Hegel, que numa primeira visão parece ir de
encontro ao pensamento de Heráclito. No entanto, todo o processo dialético da
história é a manifestação e crescente presença do "Espírito
Absoluto", ou seja, a velha ideia do Uno, já defendida por Parmênides.
Influenciada pelo
cristianismo e pelo filosofia, a civilização ocidental incorporou dois
conceitos bastante importantes na história da cultura: a ideia de que existem
dois mundos; um material e o outro oculto, “espiritual”, como afirma a religião
cristã e as metafísicas. O segundo conceito diz respeito à história, quando
afirma que o desenrolar das ações humanas, dos grupos e da civilização tem um
direcionamento e finalidade. Para a religião esta finalidade é algum tipo de
união com a divindade, seja no mundo ou em um plano espiritual.(CONTINUA)
(Imagens: pinturas de Georgia O' Keeffe)
0 comments:
Postar um comentário