Notas sobre o desenvolvimento da questão ambiental

sábado, 2 de junho de 2018

"- Quer dizer que não há esperança?
  - Sim, há muita esperança. Mas não para nós." 
                       Gustav Janouch   -   Conversas com Kafka


A atividade humana vem influindo no meio ambiente desde a Antiguidade. Nas últimas décadas, arqueólogos encontraram cada vez mais indícios de que diversas cidades da Mesoamérica pré-colombiana foram abandonadas, devido à exaustão dos recursos hídricos, provocada pelo desflorestamento da região. Hoje, sabe-se que grande parte das regiões costeiras do Mar Egeu foi cobertas por pinheiros e carvalhos, cortados para construção de embarcações das frotas marítimas de fenícios, cretenses, gregos e romanos. A destruição dos ambientes naturais ocorre ao longo de toda a história; passando pelo avanço da fronteira agrícola na Europa durante a Idade Média, pela extração de madeiras nas Américas e especiarias na Ásia, até o estabelecimento de extensas áreas de monocultura, derrubando e vegetação original de muitas regiões do planeta.

Com o desenvolvimento da máquina a vapor no final do século XVIII, com aplicações na indústria têxtil, na mineração e no transporte em geral, utilizando-se do carvão mineral como principal fonte energética, o impacto ao meio ambiente passou a aumentar exponencialmente. Iniciada na cidade de Manchester, e a princípio restrita à Inglaterra, a mecanização das atividades industriais e de transporte rapidamente se estendeu ao continente europeu. Em poucos anos a França e a Alemanha passam a dominar e desenvolver diversas tecnologias, baseadas na utilização do carvão mineral, bastante abundante e de fácil extração na região.

Associada à industrialização, ocorre o fenômeno da migração de grandes massas humanas do campo para a cidade. Procurando melhores oportunidades de vida, milhares de camponeses e trabalhadores sem especialização deixam o campo e as pequenas cidades, para migrar para as cidades maiores, onde esperavam encontrar trabalho nas indústrias. A vida na cidade era, todavia, pior do que aquela que deixaram para trás, no campo. Charles Dickens, escritor inglês que melhor retratou estes aspectos da sociedade inglesa durante o século XIX, descreve a vida destes operários; homens, mulheres e crianças, submetidos a jornadas de trabalho de até 16 horas, ganhando salários baixíssimos e vivendo em péssimas condições de higiene e conforto. O acúmulo de indústrias, moradias – na realidade imensos cortiços – e de outras atividades em um pequeno espaço, queimando carvão para diversos fins (acionamento de máquinas, aquecimento, cozimento de alimentos), gerava muita fumaça, provocando diversas doenças respiratórias.

Este, porém, não era o único problema ambiental urbano à época. Havia a contaminação da água, já que inexistiam sistemas de coleta e tratamento de esgotos. O economista Barrington Moore Jr., em seu livro Aspectos morais do crescimento econômico relata que surtos de cólera mataram centenas de pessoas na década de 60 do século XIX, em Londres. Isto fez com que a prefeitura se convencesse da necessidade de construir um sistema de coleta e tratamento desses resíduos. "A partir daí, as famílias puderam instalar banheiros em suas residências e diminuíram os casos de cólera", relata o autor. No decorrer da segunda metade do século XIX e início do século XX, todas as grandes aglomerações urbanas da Europa Ocidental passaram a coletar e a tratar os esgotos domésticos. Surtos de cólera, como, por exemplo, os ocorridos nos últimos anos do século XIX na cidade de Hamburgo, tornaram-se cada vez mais raros.

Com o desenvolvimento tecnológico, o século XX trazia novos problemas ambientas: a poluição provocada pelas emissões atmosféricas, resíduos e efluentes industriais. Na publicação Meio Ambiente: Acidentes, Lições e Soluções, dos engenheiros Cyro E. do Valle e Henrique Lage, são listados, entre outros fatos, alguns dos principais acidentes ambientais ocorridos no século XX:

1914 / 1918: Gases tóxicos na guerra que matam cerca de 100.000 pessoas;
1928: Acidente com gás fosgênio mata dez pessoas e fere 150 em Hamburgo;
1930: Uma ocorrência de smog próximo a Liége causa cem vítimas fatais;
1932: Indústria química em Minamata (Japão) passa a lançar mercúrio no mar;
1951: Indústria do estado de Ohio lança 200 t. de poeira radioativa na atmosfera;
1952: Mercúrio lançado ao mar em Minamata começa a fazer vítimas fatais;
1952: Smog causado por queima de carvão causa quatro mil mortes em Londres.

A lista apresentada pelos autores é bastante extensa, mostrando que os impactos provocados pelas indústrias – na época ainda sem efetivo controle ambiental de suas atividades – foram bastante danosos. A mobilização da sociedade, forçando governos a criarem uma estrutura legal para regulamentar as atividades industriais, ainda não havia ocorrido.

Após a Segunda Grande Guerra diversas regiões do globo, notadamente os Estados Unidos, a Europa e o Japão (estes dois últimos com recursos do Plano Marshall) apresentam um crescimento de suas atividades econômicas, sem precedentes. Aumenta a atividade industrial e com ela o fluxo mundial de matérias-primas, fontes energéticas (principalmente petróleo) e produtos acabados. Paralelamente, inicia-se a "Revolução Verde" na agricultura, baseada na mecanização das atividades e no uso maciço de fertilizantes e agrotóxicos a fim de aumentar a produtividade das safras agrícolas. Neste contexto de intensas atividades econômicas, o meio ambiente recebe cargas cumulativas de resíduos e efluentes, já que a maior parte dos países não dispunha de leis ambientais abrangentes e específicas.

No entanto, fatos novos começam a mudar este panorama. Em 1962 a bióloga norte-americana Rachel Carson publica o livro Primavera Silenciosa, que analisa o efeito dos inseticidas no meio ambiente. Em um trecho de seu livro Carson escreve: "Pela primeira vez na história do mundo, agora todo ser humano está sujeito ao contato com substâncias químicas perigosas, desde o instante em que é concebido até sua morte." Pouco depois, em 1968, é criado o Clube de Roma, formado por cientistas dedicados a estudar o problema da fome mundial e a degradação da natureza provocada pelas diversas atividades humanas. Com relação à falta de alimento em vastas regiões da Ásia, África e América Latina, o Clube de Roma fez, baseado em estudos da época, diversas previsões catastróficas que não acabaram se concretizando. Todavia, parte de suas atividades serviu de alerta para muitos governos e instituições, sobre os rumos que o sistema industrial estava tomando.

No aspecto social, surgem nos Estados Unidos e na Europa diversos movimentos, com diferentes orientações ideológicas, que colocam em questão o sistema econômico e a organização social vigente, base do que se chamava o American way of life (modo de vida americano), cuja grande ênfase estava no aumento do consumo e da produção. Fizeram parte destas correntes de opositores ao regime os vários movimentos de contracultura que dos Estados Unidos se espalharam pelo mundo. Alguns anos depois, muitos personagens remanescentes destes grupos vieram a constituir as primeiras ONG's (Organizações Não-Governamentais) atuando no setor ambiental, como a Greenpeace e a Worldwatch Institute, entre outras.

A década das grandes mudanças no setor ambiental foi a de 1970. Além da realização de diversas convenções internacionais, que iriam estabelecer as bases para a regulamentação de muitas atividades (transporte marítimo de produtos perigosos, proteção às espécies ameaçadas, controle de emissões, entre outras), foram criados órgãos ambientais e estabelecidas legislações sobre resíduos, inicialmente nos países industrializados. A legislação e as normas técnicas ambientais destes países tornaram-se cada vez mais restritivas, forçando a indústria a introduzir procedimentos que reduzissem a geração de resíduos, efluentes e emissões, passando assim a um melhor aproveitamento dos seus recursos. O responsible care iniciado pela indústria química, é um exemplo de tais iniciativas. Na Alemanha, por exemplo, a partir da década de 1970, a água de refrigeração empregada pela indústria passou a ser utilizada pelo menos por três vezes, antes de ser descartada. Segundo a publicação From Ideas to Action - Business and Sustainable Development (Das ideias à ação - empresas e desenvolvimento sustentável), a indústria química alemã reduziu em poucos anos suas necessidades de energia por unidade produzida em um terço.

Por outro lado, o gradual desenvolvimento do desempenho ambiental dos países desenvolvidos, acaba conduzindo à visão de que "são os países ricos que estão mais preocupados com os efeitos da continuidade das agressões ao meio ambiente, criando um número maior de leis de proteção ambiental do que nos países pobres. Os países ricos reclamam de estarem em desvantagem com relação aos menores custos de produção em países menos favorecidos, onde as leis ambientais são pouco rígidas ou nem mesmo existem", segundo citado por Philip Kotler em O Marketing das Nações".

A melhoria da legislação e do controle ambiental, associados ao aumento da conscientização dos consumidores, propiciou condições favoráveis para o surgimento de uma indústria ambiental nos países desenvolvidos, ainda na década de 1970. Na Europa, a Alemanha foi o país que mais rapidamente se destacou neste mercado. Dispondo de uma legislação bastante elaborada e de capitais públicos e privados, suficientes para executar os investimentos ambientais, a economia do país permitiu que se formasse todo um setor ambiental, constituído em grande parte pelo Mittelstand, as empresas de porte médio, que foram as grandes impulsionadoras da recuperação econômica alemã do pós-guerra.

O mercado ambiental mundial movimentou cerca de US$ 950 bilhões 2017, em serviços e equipamentos. Os países que lideram este mercado são os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão, cada um detendo cerca de 20% do mercado mundial. Outros atores importantes neste mercado são a França, Inglaterra e a Itália.
A exemplo do que ocorre na Alemanha, o mercado mundial de meio ambiente é dominado pelas pequenas e médias empresas, atuando em seus nichos de mercado, com alto nível de especialização, já que o segmento é bastante diversificado e requer soluções altamente técnicas. A exceção a esta regra é o mercado de saneamento básico (tratamento de água e esgoto doméstico) onde, devido à privatização dos serviços em alguns países, aliados aos valores de investimento envolvidos, atuam os grandes grupos econômicos do setor.
(Imagens: pinturas de David Normal)

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