Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

sábado, 27 de outubro de 2018



Apontamentos sobre a condição antropocêntrica




A compreensão do homem está limitada à sua condição antropocêntrica. Não pode ter uma percepção além disso, já que é uma espécie viva entre outras. Suas ciências são baseadas em suas percepções; tanto as ciências humanas, quanto as exatas. Sua concepção do Universo é imprecisa e, em última instância, limitada porque humana. Conhecemos nossa limitação, mas desconhecemos o que não sabemos.  

As religiões e outras crenças humanas como a ética, a política e o direito são criações que, mesmo tendo alguma base evolutiva (porque os nossos antepassados mamíferos e símios já têm certas noções equivalentes), dizem apenas respeito a nós, humanos. Não valem para o universo não humano.

Nossos conceitos de Deus, por mais afastados do antropomorfismo que sejam, são conceitos humanos. Mesmo as noções mais abstratas, como as de Espinoza, Meister Eckhart, do hinduísmo e budismo, entre outros, permanecem ligados ao antropomorfismo.

Sendo assim, vale lembrar que apesar de tudo que pensamos saber, nunca teremos certeza de nada. Teremos aquelas certezas básicas - eu estou aqui, estou vivo e pensando, e em pouco tempo vou almoçar. Muitas outras coisas permanecem obscuras e sem fundamentação. Portanto, não há grandes verdades a descobrir ou a alcançar; não há grandes heroísmos ou virtuosismos (no aspecto da ética).

Permanecemos assim em nossa vida do dia a dia, sabendo que os ídolos (no sentido baconiano) da Verdade, do Bem, da Virtude, da Divindade, da Alma, das boas ações, da melhoria do mundo; tudo isso não tem fundamento absoluto. Lembremos aqui dos antigos céticos. Não há nada a procurar ou alcançar - esperando encontrar conhecimentos definitivos. Tentar apenas, como os céticos, conduzir a vida do dia a dia na sociedade e cultura em que se vive. O que resta é a vida do dia a dia, sem objetivos, valores e crenças supremos. Uma vida comum que vai se vivendo. E é isto a vida.

Resta ainda - mesmo com todas as construções humanas - o problema da morte e da dor. Aquilo que nos une a todos os outros organismos, mesmo os mais primitivos. Quanto a estes aspectos continuamos sendo totalmente animais, mesmo que teorizemos sobre o universo, um além, e que tenhamos meios de diminuir a dor através da medicina.   

A "vontade" de Schopenhauer e a "vontade de poder" de Nietzsche. Ambas têm fundamento em impulsos de vida e de domínio. Estes impulsos têm origem nos primórdios do mundo animado e podem ir além, desde a organização da matéria (matéria - vida - pensamento). Não deve haver nenhuma teleologia por trás deste processo; apenas uma "força", "lei", "estrutura", que está por trás das coisas. A partir disso, talvez, seja possível  explicar-se algo sobre o Universo e toda a vida - inclusive a humana. 

Todas as estruturas e criaturas seriam, em última instância, um resultado da ação deste princípio. Mas este princípio não seria consciente (Deus). Não se deve cair novamente em um antropomorfismo e em um infantilismo para explicar a estrutura de todo universo. Por outro lado, isto poderia ser mais uma simples tentativa de explicar a realidade, e assim voltaremos aos pontos acima.


(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

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