"Os acontecimentos sociais existem apenas na medida em que os meios de comunicação de massa os constituem como tal [...] o acontecimento em si é uma espécie de variável desconhecida que os meios de comunicação vão construir." Eliseo Verón, citado por Djalma L. Benette - Em branco não sai: um olhar semiótico sobre o jornal impresso diário
(Texto originalmente publicado na revista
“Benchmarking” – dezembro de 2008)
Em dezembro de 2008 - há dez anos - publicamos este artigo. O que mudou neste período?
Sustentabilidade: o que esperar de 2009?
Fazer previsões é tarefa difícil e ao mesmo
tempo simples. Difícil, porque o desenvolvimento de qualquer sistema complexo –
e aqui estamos falando de sustentabilidade, tema que perpassa todas as atividades
humanas – é praticamente impossível de se prever. Simples, porque em não
acertando as previsões, podemos agir como outros ramos das ciências humanas:
dizer que nos faltaram dados. Não se trata aqui de nenhuma crítica, mas é fato que
em qualquer estudo a componente humana é a menos previsível.
Efetivamente, dada a sua complexidade, é
difícil falar sobre sustentabilidade (não estou querendo me justificar de
antemão). O tema inclui todas as disciplinas que se conheciam como meio
ambiente e proteção ambiental, passando a abranger também assuntos como o uso
de energias renováveis, a eficiência energética, os biocombustíveis, a
agricultura orgânica, o consumo sustentável, a produção mais limpa, a química
verde, a redução das emissões de CO², até aspectos sociais como a
responsabilidade social empresarial, o comércio justo, a preservação de
culturas, entre outros assuntos. Ainda com relação à sustentabilidade, existem
mais de cem diferentes definições e uma grande discussão em torno de sua
efetividade.
Quando penso nas perspectivas para o ano de 2009,
lembro de uma imagem criada pelo filósofo Friedrich Nietzsche, em sua obra A
origem da tragédia. Conta que “no tempo de Tibério alguns navegadores gregos,
perdidos numa ilha solitária, ouviram de uma vez este clamor terrível: O grande
Pan está morto! – assim ressoou também através do mundo helênico este grito de
angústia e dor” (Nietzsche, 1984). A morte de Pan, a grande divindade grega,
representava a dissolução de toda uma visão de mundo, característica da
civilização helênica e em parte herdada pelos romanos – posteriormente substituída
pelo cristianismo.
Talvez seja um pouco desta maneira, que no futuro será
encarada a catástrofe financeira que se abateu sobre o sistema econômico mundial
em 2008. Não que o capitalismo seja substituído por outro sistema econômico ou
que sofra alterações profundas, não se trata disso. No entanto, a crise deixou claro
que diversas mudanças terão que ser introduzidas no sistema, a começar pelo maior
controle dos fluxos financeiros, causa primordial da crise econômica. A
fiscalização dos fluxos de capitais vai dificultar a especulação financeira e
trará mais estabilidade a todo o sistema econômico. Outra conseqüência da crise,
esta mais política, é a descentralização do poderio econômico global, com o enfraquecimento
da influência americana e européia e o aumento da importância das economias em
crescimento, como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, a Indonésia e a África
do Sul. Enfim, o mundo não será mais o mesmo e Pan está definitivamente morto.
As conseqüências econômicas da crise ainda
nos acompanharão por alguns anos, já que diversos setores da indústria mundial
deverão amargar um período de queda de vendas. Como se trata de uma reação em
cadeia, afetando setores industriais inteiros, muitas empresas estão e
continuarão demitindo funcionários, fechando fábricas e revisando planos de
investimento para os próximos anos. Segundo dados da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) a crise poderá causar o desemprego de mais de 20 milhões de pessoas
em todo o mundo, nos setores de construção, indústria automotiva, serviços
financeiros, turismo e setor imobiliário. Além disso, a organização prevê que o
número de trabalhadores pobres vivendo com menos de um dólar ao dia deverão
aumentar em 40 milhões; aqueles que recebem dois dólares diários podem
ultrapassar os 100 milhões de pessoas, o que significa um aumento mundial da
pobreza.
Como em toda crise, existem sempre os setores
da economia que acabam sofrendo as maiores perdas, por não serem prioritários
na estratégia de sobrevivência das empresas e instituições. O setor de sustentabilidade
ambiental e energética é um dos primeiros a ter seus recursos reduzidos ou
cortados. Uma das mais recentes notícias nesse sentido é que o plano ambiental
da Europa, cujo objetivo principal era a redução das emissões de CO² em 20% até
2020, com um custo de adaptação anual de 44 bilhões de Euros (cerca de R$ 117
bilhões) entre 2013 e 2020, será muito provavelmente cancelado ou reduzido. Os
investimentos, a serem realizados pela indústria, representam um grande
sacrifício financeiro e não encontram mais apoio, mesmo entre aqueles que anteriormente
eram favoráveis à iniciativa.
Outro setor cujos investimentos se encontram
em queda é o de energias renováveis. Os bancos estão relutantes em conceder
novos investimentos e as ações de muitas empresas de energia limpa estão em queda. O principal fator
que tira o interesse do setor de energias renováveis é a brusca queda do preço
do barril de petróleo, que de 147 dólares o barril em julho desse ano, caiu
para quase 55 dólares em
novembro. Com o preço do petróleo em queda, ficam menores os
custos de geração de energia convencional, inviabilizando outras matrizes
energéticas mais caras, como as renováveis. Como conseqüência imediata,
deixarão de ser construídas fábricas de óleo de palma na Indonésia e fazendas
eólicas e de energia solar nos Estados Unidos e Europa. Além disso, várias
empresas do setor estão sendo forçadas a suspenderem seus planos de abertura de
capital, já que o número de interessados nestas ações é ínfimo.
No Brasil, ainda não existem dados
disponíveis para se analisar os efeitos da crise no setor ambiental ou de
sustentabilidade. A economia apenas aos poucos vai sendo afetada pelo impacto
da crise nos países ricos, ainda que de maneira menos intensa. Com isso, o governo,
apesar das afirmativas em contrário, não deverá dispor do mesmo volume de
recursos a ser destinado ao PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) para obras
de infra-estrutura. Assim, muito provavelmente serão reduzidos os investimentos
em um setor importantíssimo, o do saneamento. Por outro lado, empresas de
setores aquecidos, que haviam fechado 2007 com grandes lucros e perspectivas ainda
melhores para 2008, estão sendo forçadas a mudarem completamente sua
estratégia. O restante do setor industrial deverá se comportar da mesma
maneira: se ajustar à crise, cortando custos. Neste contexto, o grau de maturidade
das empresas dirá se estas reduzirão seus custos com cortes em programas de sustentabilidade
ou em outras áreas.
Conclui-se, assim, que a questão da
sustentabilidade em 2009 dependerá em grande parte do comportamento do governo
e do setor privado. O país se tornará mais sustentável se ambos os setores
mantiverem parte de seus investimentos visando aumentar a produtividade da
economia, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e ampliar investimentos em
pesquisas, entre outras iniciativas. A manutenção dos investimentos deve ser
utilizada para melhoria da estrutura de produção e distribuição, já que grande
parte da indústria, da agricultura e da infra-estrutura estava sendo exigida em
grau máximo, devido à alta demanda interna e externa. Desta forma, a redução da
atividade econômica poderá ser uma oportunidade para que o Brasil faça uma “parada
para manutenção”, preparando-se para um novo ciclo de crescimento e para o novo
papel que deverá desempenhar na nova ordenação da economia e política
internacional. Isto tudo, no entanto, sem esquecer a questão da
sustentabilidade.
(Imagens: pinturas de Aleksandr Deyneka)
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