Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020




"Nenhuma invenção foi mais fácil para a humanidade do que o céu"

(G. C. Lichtenberg)




Lula e Francisco 


Há poucos dias, o ex-presidente Lula foi recebido pelo papa Francisco. O fato foi pouco comentado ou quase ignorado pela maior parte da imprensa. O Jornal Nacional, que deu grande destaque aos encontros de outras personalidades brasileiras com este e outros papas, fez apenas uma brevíssima referência ao encontro. Nas redes sociais, houve fortes ataques a Lula e ao papa de um lado, e efusivos elogios de outro.

No varejo dos diversos grupos do WhatsApp e do Facebook, a impressão é que a visita de Lula a Francisco causou desgosto aos apoiadores do presidente Bolsonaro. Foram várias as manifestações, referindo-se ao sumo pontífice como “comunista”, associando isto ao fato de ser argentino. Parece que nossa velha xenofobia em relação aos argentinos ainda não foi superada – acontecimentos recentes têm contribuído para manter o tema em pauta.

Outros lamentam o fato de que o chefe máximo da igreja católica tenha recebido em audiência privada “o maior ladrão na história brasileira”, figura que, segundo estes “tanto mal fez ao Brasil”. Independentemente disto, vale lembrar que a função do papa, como sacerdote e representante de Deus, é exatamente esta: receber e confortar os pecadores (lembrando que, pelo menos em relação aos pecados dos quais é acusado por estas pessoas, o processo do julgamento de Lula foi fortemente influenciado por forças políticas, as quais, acima de tudo, queriam tirá-lo das eleições de 2018).

A visita do ex-presidente ao pontífice levanta outras questões sobre a sociedade brasileira. Por um lado, parece que parte dos católicos conservadores, acompanhando setores igualmente conservadores do clero local, colocam-se contra Francisco e suas decisões pontifícias. Nestas condições, personagens, políticas e ideias conservadoras, sejam quais forem, despertam a simpatia de tais grupos sociais. Aqueles que por uma razão ou outra não têm o apoio das lideranças conservadoras, por defenderem outro tipo de visão da sociedade, são considerados inimigos – e Lula cristaliza esta situação –, são rechaçados e atacados.

Por outro lado, parece que para as alas menos progressistas da igreja católica brasileira a situação política e social do país não é o motivo principal de seu reacionarismo. O objetivo primordial de suas ações é fazer oposição à posição progressista do papa Francisco na condução da Igreja. O momentâneo alinhamento com muitas posições retrógadas do presente governo (Bolsonaro) é muito mais baseado em estratégia do que em convicções.

Parece que a situação política do país é o fator mais importante a provocar uma divisão entre católicos conservadores e progressistas. A posição do papa em relação a certos temas provavelmente provocaria pouca reação entre os fiéis, se o governo de Bolsonaro não tivesse uma agenda conservadora tão acentuada. Haverá no Brasil uma divisão definitiva entre grupos católicos conservadores e outros mais progressistas? Vale observar, por outro lado, que os grupos evangélicos também não estão apoiando Bolsonaro e seu governo em sua totalidade. 

Até que ponto os futuros governos do Brasil, sua ideologia e as condições sociais, influirão nesta divisão entre progressistas e conservadores? E se o próximo papa for alguém tão progressista quanto Francisco?   

(Imagem: retrato de G.C. Lichtenberg)

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