"Ante a história tomam-se duas atitudes: a dos que consideram que o homem é apenas um efeito, e a dos que consideram uma causa. Em outras palavras: ou nós somos um produto da história ou a história é um produto do homem." - Mário Ferreira dos Santos - Filosofia da crise
A
prática de esportes é bastante antiga e remonta, provavelmente, à época em que se
estabeleceram os primeiros agrupamentos humanos organizados politicamente, como as cidades-estado, os reinos e impérios. Inicialmente, a prática esportiva tinha como
principal objetivo valorizar as aptidões para a caça e a luta em batalhas. Baixos-relevos assírios mostram soberanos caçando, enfrentando leões e lutando em batalhas. No
antigo Egito, os esportes já eram praticados de forma regular, com o propósito de
exercitar e fortificar o corpo e manter a saúde. O pugilato, a natação e os campeonatos de caça e pesca eram praticados em muitas cidades ao longo do Nilo.
Foram, porém, os gregos que diversificaram e sistematizaram a prática esportiva, como
fim em si mesmo, organizando os primeiros campeonatos esportivos dos quais se
tem notícia. Através de um acordo de paz selado no ano de 776 a.C., entre
diversos reis que estavam constantemente em guerra, foram criados na cidade de Olímpia
os Jogos Olímpicos gregos. Enquanto durasse o torneio, todas as
atividades bélicas eram suspensas, permitindo que todos os cidadãos capacitados
da Grécia pudessem treinar e participar deste grande festival esportivo. Os
jogos aconteciam no verão, nos meses de julho e agosto, e eram dedicados a Zeus,
no caso das competições masculinas, e a Hera, nos torneios para as mulheres.
As
práticas esportivas gregas entraram em decadência, junto com sua civilização.
Os romanos, sucessores culturais dos helenos, mantiveram a realização das
competições esportivas e valorizavam a prática dos exercícios físicos,
especialmente as classes mais abastadas e instruídas, influenciadas pela
cultura grega. Na Roma clássica, era famosa a citação atribuída ao poeta romano
Juvenal (55-127 d.C.): Mens sana in corpore sano (uma mente sã em um corpo
são); parte de um poema sobre o que as pessoas deveriam valorizar na vida. Mas
Roma se destacou principalmente pela prática do esporte voltado às atividades
guerreiras e aos espetáculos no circo romano, como as lutas entre gladiadores e
com animais selvagens, até as batalhas navais.
Na
Idade Média, de forma geral, a prática do esporte era pouco valorizada. A forte
influência da religião cristã, com sua doutrina de menosprezo do corpo, tido
como instrumento do pecado, fez com que as atividades esportivas públicas fossem
desaprovadas. Os medievais, notadamente a partir do século XI, organizavam torneios de combates entre cavaleiros armados com lanças e espadas; técnicas de treinamento para
batalhas que travariam entre si e contra os árabes muçulmanos, durante as Cruzadas.
Historicamente,
a prática dos esportes como atividade de lazer – e não como treinamento de
soldados e policiais – quase sempre foi uma ocupação exclusiva das elites
econômicas e dos nobres. No entanto, com a conquista de diversos direitos pelas
classes trabalhadoras, ao longo do desenvolvimento do capitalismo industrial na segunda metade do século XIX,
incluindo menos horas de trabalho e melhores salários (mas ainda longe de condições aceitáveis), fez com que se ampliassem
as opções de lazer dos trabalhadores. A prática esportiva organizada como atividade recreativa, historicamente exclusividade das elites econômicas, começa a se difundir nas regiões mais populosas
e industrializadas. Assim, na Inglaterra e em outros países industrializados da
Europa no final do século XIX, começam a se organizar clubes para a prática do
futebol, do rúgbi e outros esportes de apelo popular. Formam-se os clubes de
ginástica e a prática da atividade física passa a ser incorporada às escolas e
às políticas públicas de muitos governos.
Retoma-se
assim, no final do século XIX, o ideal grego de valorização dos esportes como formadores do caráter e da saúde do indivíduo e instrumento de fomento à uma convivência harmoniosa entre os povos e as nações do planeta. Foi o francês Pierre de Fredy, o Barão de
Coubertin (183-1937), quem depois de uma visita a colégios dos Estados Unidos e da Inglaterra, propôs melhorar o sistema de educação através do incentivo às
práticas esportivas. Para isso, decidiu retomar o ideal grego dos Jogos
Olímpicos, divulgou a ideia entre os principais governos da Europa e, em 1896,
conseguiu organizar a primeira Olimpíada dos tempos modernos, simbolicamente realizada em Atenas,
na Grécia.
O
Brasil não participou das primeiras cinco edições dos Jogos Olímpicos, tendo
começado sua participação regular a partir de 1920, com uma ausência ainda na
Olimpíada de Amsterdã em 1928. Nossa melhor participação foi na Olimpíada de
2016, realizada no Rio de Janeiro. Ao longo dos vários torneios, o país nunca
chegou a ganhar um grande número de medalhas, destacando-se, porém, na vela (7
medalhas de ouro e 3 de prata), no atletismo (5 ouro e 3 prata), no vôlei (5 e
3), no judô (4 e 3), e no vôlei de praia (3 e 7). No futebol, nossos times
amadores não tiveram tanto sucesso, tendo obtido apenas 1 medalha de ouro e 5
de prata.
O
número de vitórias brasileiras nas Olimpíadas e em outros torneios esportivos
poderia ser bem maior, considerando o tamanho da população e as condições climáticas
favoráveis para a prática de esporte ao ar livre, durante todo o ano. No
entanto, para melhorar a participação brasileira neste tipo de atividade,
falta-nos, como em muitas outras áreas, uma estratégia com metas, planejamento
e efetiva execução – não esquecendo o aspecto principal: alocar recursos para tal tipo de iniciativa.
A
grande maioria das cidades brasileiras não dispõe de número suficiente de aparelhos esportivos,
parques ou clubes públicos, onde a população possa praticar algum tipo de
esporte em condições adequadas. O resultado disso é que nas cidades maiores e nas
capitais, os parques municipais, que também não possuem instalações adequadas
para a prática de esportes, fiquem apinhados de pessoas, deixando de ser locais de lazer. Quando existe alguma infraestrutura,
trata-se geralmente de um ginásio de esportes em mal estado de conservação ou
um campo de futebol, de uso exclusivo de um grupo de esportistas
da região. Em suma, administrações públicas, via de regra, têm pouca consideração
com a prática de esportes e com o lazer dos cidadãos. O que sobra como opção de
prática esportiva são os clubes particulares, geralmente frequentados por pessoas de alto poder aquisitivo, nos quais a frequência é praticamente impossibilitada ao cidadão comum,
dados os preços proibitivos das mensalidades, joias, taxas de manutenção, estacionamento, etc.
Enquanto
o atual governo federal cortou 49% das verbas destinadas aos investimentos em
esportes em 2020, o Brasil é um dos maiores exportadores de jogadores de
handebol, futebol, basquete e de atletas de diversas modalidades, que não encontram
incentivo para continuarem com suas carreiras por aqui. Desde sempre são comuns
os dramas de conceituados ginastas ou nadadores, que não recebem qualquer
incentivo financeiro, precisando e pedir contribuições através dos meios de comunicação
ou das redes sociais, para poderem participar de algum torneio no exterior.
A
conclusão a que se chega é que também nesta área, a dos esportes, a
administração atual aposta na “mão invisível do mercado”, como promotor da
prática esportiva no pais. Há, no entanto, uma falácia por trás deste raciocínio: o mercado não está
preocupado em incentivar o desenvolvimento de qualquer área esportiva em si. O que o
capital quer e faz – e este é o seu papel no sistema capitalista – é patrocinar atividades, atletas, clubes, etc., que possam resultar em lucro, de preferência
a curto prazo. Não é por outra razão que os programas ditos “esportivos”, que
pululam nas programações das TVs abertas todos os dias na hora do almoço e à
noite, nas quartas-feiras à noite, nos sábados e nos domingos de tarde e à
noite, falam quase exclusivamente de futebol. Futebol é no momento o único
esporte que está trazendo algum retorno financeiro aos investidores – seja no
merchandising das camisas dos jogadores (e outros objetos), nos eventos dos times ou nos anúncios durante a programação da TV.
(Imagens: pinturas de Rosalyn Drexler)
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