A "melhor idade"?

sábado, 2 de outubro de 2021

 
"É sábio ser cético sobre qualquer religião que diz não estar interessada em poder político. Dadas as circunstâncias propícias, a maioria das religiões não poderá resistir à tentação."   - Darrel W. Ray   -   O vírus de Deus - Como a religião infecta nossas vidas e nossa cultura    


Comemorou-se ontem, 1 de outubro de 2021, O Dia Nacional do Idoso e o Dia Internacional da Terceira Idade. A data foi criada em 1991 pela Organização da Nações Unidas (ONU), a fim de conscientizar as comunidades humanas da importância das pessoas idosas na estrutura social, e proporcionar aos anciãos uma vida mais proveitosa. Em dezembro de 2020 a Assembleia Geral da ONU declarou o período de 2021 até 2030 como a Década do Envelhecimento Saudável (https://www.paho.org/pt/noticias/14-12-2020-assembleia-geral-da-onu-declara-2021-2030-como-decada-do-envelhecimento). No Brasil, a data comemorativa foi instituída em 2006, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva.  

Tecnicamente a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica como idosos as pessoas com mais de 65 anos de idade nas nações desenvolvidas e acima de 60 anos nos países em desenvolvimento. No Brasil atualmente cerca de 15% da população – aproximadamente 31 milhões de pessoas – situam-se na categoria de idosos. A principal lei que rege sobre o tema é a Lei nº 10.741, o Estatuto do Idoso, aprovado em 1 de outubro de 2003 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm.). Em seu Artigo Segundo, o texto do documento legal define:

Art. 2º: O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” 

No Artigo Terceiro o Estatuto estabelece que cabe à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público garantir ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Ao idoso, segundo os termos da lei, ainda são assegurados outros direitos, como proteção contra negligência, discriminação e violência (Art. 4º); proteção da vida, pelo Estado (Art. 9º); atenção integral à saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS) (Art. 15); direito à educação, cultura, lazer, diversões, etc. (Art. 20º); direito ao exercício de atividade profissional (Art. 26º), entre outros. Recomendo a todos os idosos, ou àqueles que os tenham na família ou no círculo de amigos, que consultem a referida lei, para que possam conhecer melhor o Estatuto do Idoso. A conscientização do cidadão é fator importante para aumentar o grau de cidadania da população. Por isso, vale a pena conhecer os diversos Estatutos em vigor no Brasil – ao todo são 21 – tratando de variados temas de interesse (https://pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto).  

Se a lei estabelece diversos direitos para as pessoas idosas, seja de acordo com as diretrizes dos órgãos internacionais nos quais o Brasil participa (ONU, OMS), ou através de legislação específica criada no país (Estatuto do Idoso), a situação real da maioria dos idosos no Brasil ainda deixa muito a desejar. A condição dos velhos, no acesso aos benefícios e direitos estabelecidos por lei, depende em grande parte de sua situação social; da classe econômica à que pertencem.

Enquanto que sêniores dos cerca de 20% mais ricos da população dispõem de recursos médicos, alimentação, moradia, lazer e outras vantagens, 80% dos restantes dos idosos brasileiros sobrevivem nas mesmas condições difíceis em que sempre viveram – ou, às vezes, em situações piores. Isto porque o valor médio das aposentadorias pagas no Brasil é baixo, (em novembro de 2020 o valor médio mensal do benefício pago pelo INSS era de R$ 1.349,05), em relação ao custo de vida no país. No entanto, as alterações nas aposentadorias de funcionários do setor privado e público, excluindo os militares, introduzidas pela Reforma da Previdência votada em 2020, deverá diminuir ainda mais os valores dos benefícios pagos pelo Estado brasileiro no futuro.    

Chamam a atenção as imagens de idosos de países europeus, viajando pelo mundo. A maioria recebe uma aposentadoria compatível com os antigos ganhos, quando ainda exerciam uma profissão. Também dispõem de assistência médica de qualidade fornecida pelo Estado, além de outros benefícios, facilitando o acesso à cultura e ao lazer. O Brasil, apesar de ser uma das maiores economias do mundo, com um considerável número de cidadãos milionários ou bilionários, não consegue oferecer estes benefícios a seus cidadãos. Novamente, assim como em várias outras áreas, as vantagens de uma sociedade econômica, social e culturalmente desenvolvida, ficam limitadas a uma parcela diminuta da população. No Brasil, cerca de 70% da população não possui planos de saúde privada, dependendo do SUS, e menos de 10% da população tem algum plano de previdência privada.

Voltamos novamente ao assunto que já abordamos por várias vezes em nossos artigos neste blog. Enquanto não se criarem condições de igualdade para todos, a começar por uma alimentação, assistência e educação de boa qualidade na fase da infância e juventude – pública, onde estudam os filhos do empresário e do empregado, como ocorre nas nações desenvolvidas – não poderá haver uma mudança nas condições socioeconômicas da maior parte da população. Esta assimetria social tem influências em todos os outros aspectos da sociedade: acesso a empregos melhor remunerados, cargos políticos, benefícios de diversos tipos, incluindo aposentadoria, assistência médica e vida mais digna na velhice (na “melhor idade”, eufemismo criado para escamotear uma realidade muitas vezes sórdida e cruel).

O Brasil, no entanto, sempre caminhou em direção contrária, comandado pelos grupos que dominam desde sempre a economia e, consequentemente a política. A própria estrutura do Estado é formada de modo a atender aos interesses apenas destes grupos e daqueles diretamente ligados a eles, as (cada vez menores) classes médias. 

A grande massa da população sempre teve que se contentar com as migalhas: a fila da vaga de emprego, a fila do SUS, a fila do auxílio emergencial, a fila do seguro-desemprego, a fila da distribuição de comida, etc., etc... Assim, o Dia do Idoso é apenas mais uma data comemorativa para celebrar um ideal, o qual ainda estamos muito longe de alcançar – pelo menos pela maior parte da população.     

 

 (Imagens: pinturas de Jyoti Bhatt)

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