Esperar a COP 26. E depois?

sábado, 13 de novembro de 2021

"Uma das funções da literatura é transformar truísmos em verdades."   G. K. Chesterton   -   citado por Evan Esar em Quips & Quotes   


Depois de abordar temas de impacto, como a ocorrência de grandes incêndios, ataques de tubarões, destruições provocadas por imensos maremotos e furacões, além dos espetaculares ataques alienígenas, o cinema-catástrofe americano encontrou mais um tema sobre o qual criar suas tramas: as mudanças climáticas. Também chamada de crise climática por aqueles que querem dar mais relevância e seriedade ao assunto, as consequências do fenômeno – o aquecimento da atmosfera terrestre devido às emissões de gases – foram tratadas em filmes como O dia depois de amanhã (2014) e Tempestade: planeta em fúria (2014). Além disso, existe uma série de documentários melhor fundamentados, que tratam da crise climática de forma científica. Dentre estes, destacamos Uma verdade inconveniente (2007); A última hora (2007); Faça as contas (2013); Cowspiracy (2014) e Nosso Planeta (2019), entre outros.

A crise climática volta às manchetes das mídias regularmente a cada final de ano, quando se realizam as reuniões anuais da Conferência das Partes (COP). Em 2020, por causa da sindemia da Covid, a reunião não foi realizada, tendo sido transferida para este ano. A COP 26 ocorreu em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro. No momento em que escrevemos este texto (1/11) ainda são poucas as informações sobre o evento, já que os trabalhos tiveram início há pouco. No entanto, já antes do início da conferências, diversos empresários e políticos de projeção mundial declaravam que os gastos para reduzir as emissões de gases seriam muito altos e exigiriam bastante esforço de todos. Jeff Bezos, fundador do Amazon e segundo indivíduo mais rico do planeta, afirmou em março de 2020 que doaria 10 bilhões de dólares (cerca de 57 bilhões de reais) até o ano de 2030. Mesmo assim, afirma o bilionário, será necessário muito mais para diminuir o aquecimento global. “Serão necessários trilhões de dólares, para fazer a mínima coisa com relação à mudança do clima”, declarou Bezos (https://abcnews.go.com/International/live-updates/cop26/?id=80799651#80907837).

As expectativas em relação aos resultados da COP 26 não são muito diferentes das edições anteriores. As atenções voltam-se, como sempre, às ações programadas pelos grandes poluidores; a China, os Estados Unidos e a Europa, que juntos contribuem com o maior parte do volume de gases de efeito estufa. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já havia anunciado metas de redução para seu país em abril de 2020, e não trouxe novidades para a Conferência. O governante da China Xi Jinping não compareceu ao evento, alegando outros compromissos internos. Segundo informações preliminares de pesquisadores, a Argentina, o Canadá, a União Europeia, África do Sul, Reino Unido e os Estados Unidos foram os únicos países que apresentaram compromissos de reduções de emissões. Coreia do Sul, Japão e China limitaram-se a anunciar cortes, mas não chegaram a apresentar planos concretos. México e o Brasil foram os únicos países do G20 que elevaram suas previsões de emissões, em relação ao que já anteriormente haviam prometido reduzir até 2030 (nesse interim, parece que o Ministério do Meio Ambiente voltou atrás e reviu suas previsões para baixo, repetindo números anteriores - “pedalada climática” dizem os especialistas).   

Espera-se que nesta reuniões possam avançar as negociações em relação à criação de um mercado mundial de créditos de carbono, prática que chegou a tomar fôlego no início da década passada, na Europa e nos Estados Unidos. O Brasil, foi um dos países que chegaram a implantar dezenas de projetos de crédito de carbono e, caso as negociações voltem a avançar, poderá ser um dos grandes beneficiados na implantação de novos empreendimentos. Projetos de crédito de carbono são atividades que reduzem ou eliminam emissões de gases de efeito estufa (metano, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso, entre outros). Por exemplo, ao invés de instalar um gerador movido a óleo diesel, um empresário pode optar por gerar energia a partir de células fotovoltaicas, queima de biomassa em uma caldeira ou instalar um gerador eólico. A diferença entre as emissões que este empresário geraria com um gerador a diesel (100 t/ano, por exemplo) e um gerador eólico (zero t/ano), torna-se crédito. Ou seja, determinado número de toneladas de dióxido de carbono (CO²) – neste caso hipotético 100 t/ano – deixarão de ser emitidas. Como a tonelada de CO² não gerada tem uma remuneração (atualmente cerca de 50 Euros – 330 reais), o projeto deste empresário poderá gerar um crédito (330 reais X 100 = 33.000 reais/ano). Este crédito pode ser comprado por outras empresas que, por emitirem acima de um limite, precisam abater esta diferença emitida a mais, através da compra de créditos.  

Há vários encontros da COP espera-se que os países ricos disponibilizem recursos para que os países em desenvolvimento possam adquirir know-how e tecnologia a fim de reduzirem suas emissões e tornarem suas economias menos carbono-dependentes. Modernização de equipamentos, substituição de combustíveis e matérias primas, retrofitting de unidades de produção e de operação; são medidas de eficiência que podem reduzir significativamente as emissões de gases em diversos setores da economia. Os recursos existentes são escassos e sem a ajuda das nações industrializadas será difícil que os países pobres e em desenvolvimento possam atingir os objetivos globais de redução de emissões em 2030 e 2050.

Os países que mais serão atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas são principalmente os países do hemisfério Sul, em sua maioria nações pobres na América Latina, África e Ásia. Países-ilha do Pacífico Sul, como Kiribati e Tuvalu estão começando a desaparecer do mapa, devido ao aumento do nível do mar. As Filipinas vêm sendo constantemente afetadas por fortes tufões e o arquipélago de Figi vê o número de ciclones aumentar gradativamente – só para citar alguns exemplos. Isto sem considerar o forte impacto que as mudanças do clima terão na agricultura de países como a Indonésia, a Índia, o Brasil e os países africanos, cujas economias dependem em grande parte dessa atividade.

Os maiores emissores de gases de efeito estufa da economia mundial são os setores de transporte, geração de eletricidade e a indústria. Não por coincidência, a maior parte das atividades relacionadas a estes setores situam-se no hemisfério Norte. Quanto mais alto o padrão econômico de uma sociedade, maior o número de deslocamentos (automóveis, caminhões, trens, aviões, navios, etc.), mais alto o consumo de energia (combustível, aquecimento, eletricidade, etc.) e mais diversificada a atividade industrial (bens de consumo, bens semiduráveis e duráveis, etc.)

A desigualdade na economia mundial e a exploração dos países pobres pelos ricos espelha-se, assim, nas consequências das mudanças climáticas. Apesar dos discursos filantrópicos e benevolentes dos organismos multilaterais – ONU, OMC, FMI, Banco Mundial, etc., e dos países ricos -, os maiores prejudicados com os efeitos de uma ordem econômica mundial iníqua, da qual os pobres pouco aproveitaram, serão as próprias nações pobres.   


(Imagens: pinturas de José Vital B. Malhoa) 

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