O
mercado editorial e livreiro no Brasil foi constantemente sujeito a crises. Nas
últimas décadas houve uma redução no número de editoras – algumas adquiridas pelas
maiores e outras que faliram. Com o aparecimento das grandes livrarias, as megastores, no começo dos anos 2000, as
pequenas livrarias tenderam a desaparecer ou foram compradas pelas grandes
redes, como a Saraiva, a Siciliano, Cultura e a FNAC, entre outras. Em 2008 a
Siciliano foi adquirida pela Saraiva, que se tornou a maior rede de livrarias no Brasil.
A FNAC, de origem francesa, veio ao país para expandir seus negócios globais.
Chegou a ter 12 lojas em sete estados, mas em 2018 fechou sua última loja,
encerrando suas atividades. Das grandes e tradicionais livrarias de atuação
nacional, restam apenas a Cultura e a Saraiva, que reduziram seu número de
lojas, demitiram funcionários e estão em processo de recuperação judicial.
A
situação hoje, tanto no mercado editorial quanto no livreiro, é difícil. E isto
tem várias razões, algumas históricas. No Brasil, o livro nunca chegou a ser
realmente valorizado. Apesar de personagens da história cultural brasileira,
como Castro Alves, Monteiro Lobato, Millôr Fernandes, Carlos Drummond de
Andrade, entre outros, terem valorizado a leitura, o acesso aos livros sempre
foi dificultoso. Pode-se elencar uma série de circunstâncias, como sendo as causas deste
fato: o acesso ao ensino só foi efetivamente universalizado a partir da
Constituição de 1988; escolas não incentivam suficientemente a prática da
leitura; o custo do livro ainda continua sendo alto para a maior parte da
população; há falta de biblioteca públicas e são poucos os eventos que promovam
o livro. Segundo a última pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, realizada em
2019, cerca de 44% da população brasileira não lê e 30% nunca adquiriu um
livro. A atividade da leitura está em décimo lugar no rol das atividade de
lazer dos brasileiros; atrás de assistir TV, ouvir música, navegar na internet
e nas mídias sociais, etc. A média da leitura de livros no Brasil ainda
continua em torno dos dois exemplares por ano, média muito baixa – nos Estados
Unidos, por exemplo, se leem em média 12 livros por habitante/ano e na França
21.
A
estes fatores, junte-se ainda os efeitos da crise econômica que afeta o país
desde 2016, provocando queda dos salários e desemprego; e a crise da Covid, que
entre 2020 e 2021 forçou o fechamento parcial ou total de grande parte do
comércio, incluindo as livrarias, o que provocou queda de mais de 8,8% nas
vendas de livros em 2020, comparado a 2019. Como em todo o setor do comércio,
houve um aumento considerável nas vendas online, tanto de livros quanto de
e-books. No entanto, estas vendas não compensaram as perdas médias que o setor
vem acumulando há praticamente cinco anos.
Segundo
o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o volume de vendas de livros teve
uma redução de 0,48% entre 2019 (R$ 1,75 bilhões) e 2020 (R$ 1,74 bilhões).
Mesmo assim, segundos os dados do relatório da Associação Internacional dos
Editores (International Publisher Association – IPA), o Brasil é classificado
como o sétimo maior mercado editorial do planeta, em 2018. Com relação ao
número de exemplares, o Brasil publicou em 2020 41,91 milhões de livros, enquanto
que a Argentina publicou 8 milhões de exemplares, a Colômbia 43,7 milhões e o
México 13,8 milhões. Segundo dados de publicações especializadas, o mercado
editorial latino-americano e mundial teve uma queda média de 25% no volume de
livros lançados durante o ano de 2021, devido à paralisação da economia causada
pela Covid.
O site Global English Editing (https://geediting.com/world-reading-habits-2020/), voltado aos estudos sobre os hábitos de leitura, publicou em seu relatório World Reading Habits 2020 (Hábitos de Leitura do Mundo 2020) dados e informações sobre este setor. Na tabela “Que país lê mais”, por exemplo, são apresentados os seguintes número:
Horas utilizadas para leitura por pessoa por semana
Colocação País Horas
1º Índia 10:42
2º Tailândia 09:24
3º China 08:00
-------------------------------------------------------------
12º Polônia 06:30
13º Venezuela 06:24
14º África
do Sul 06:18
----------------------------------------------------------------
20º Canadá 05:48
21º Alemanha 05:42
22º Estados
Unidos 05:42
No item “países que mais publicaram novos títulos" aparece:
Países
que mais publicam títulos novos anualmente
China 440.000
Estados Unidos 304.912
Inglaterra 184.000
Japão 139.078
Rússia 101.981
Alemanha 90.600
Índia 90.000
------------------------------------
Brasil: 46.829 (2018 – inserção nossa)
Segundo o site Mural dos Livros (https://muraldoslivros.com/dados-sobre-a-leitura-no-brasil/) no artigo “Dados sobre a Leitura no Brasil e no Mundo”, consta que “levando em conta as percentagens referentes a vendas, os livros mais lidos no Brasil são os de não ficção, com 55,17%, seguidos pela ficção, com 24,93% e infanto-juvenil e educacional, que representam 19,89%.” Os livros eletrônicos, que nos Estados Unidos representam 20% do total das vendas, no Brasil perfazem apenas 4% das vendas, segundo dados de 2020 de outro relatório.
Com
relação à publicação de livros e ao tamanho do mercado editorial, o Brasil
encontra-se em uma posição acima da média, em comparação com outros países. O
tamanho da nossa população, o grau de industrialização e o valor que se deu ao
ensino e à cultura nos últimos sessenta anos, contribuiu para que o país
pudesse chegar a esse patamar – que todavia ainda não é suficiente em relação
ao que podemos e devemos alcançar em termos de desenvolvimento. Considerando
que o país detêm o 13º PIB mundial (já teve o 6º maior em 2010) entre 195
países, poderíamos ou deveríamos estar em uma posição melhor; seja quanto ao
volume de publicações e, mais importante, quanto ao número de livros lidos ou
horas investidas em leitura por habitante.
Estudo publicado no jornal The Guardian em 2018, informa que um novo estudo feito por pesquisadores da Universidade Nacional da Austrália e da Universidade de Nevada (Estados Unidos) revelou os países que tem o maior número de “ratos de biblioteca” (a expressão usada no texto em inglês é bookworms, vermes de livros). Com a pesquisa, os cientistas também descobriram que possuir em casa mais livros na fase de crescimento, mesmo que não lidos, melhora o rendimento educacional. De fato, adultos com grau universitário, que cresceram em meio a menos livros, têm nível de alfabetização equivalente ao de estudantes que deixaram a escola ao fim do ensino fundamental (Year 9 em inglês), mas que tinham muitos livros em casa, na juventude. O estudo, publicado posteriormente pela revista Social Science Research, comprovou que o número de livros que uma pessoa tinha à sua disposição em casa, em torno dos 16 anos, tinha uma influência direta positiva com o grau de alfabetização, numeramento e habilidades de informática nos anos de vida sequentes, independentemente da quantidade ou duração dos estudos terciários, ou com que frequência se lê quando adulto. O estudo descobriu que o australiano médio tem 148 livros em casa, mas a maior parte dos entrevistados apenas possuía 65. Os estonianos (cidadãos da Estônia), líderes na pesquisa, têm em média 218 livros, mas 35% dos pesquisados possuíam 350 ou mais. Mais detalhes sobre este assunto podem ser pesquisados em (https://www.theguardian.com/books/2018/oct/12/the-more-books-in-a-house-the-brighter-your-childs-future-study-finds).
No
Brasil, o cultivo da leitura ocorre principalmente nas escolas e através da
frequência de bibliotecas, já que a maior parcela dos brasileiros não dispõem
de recursos para adquirir livros. Mas, o incentivo à leitura e à construção de
bibliotecas e infotecas só ocorre no bojo de uma política preocupada com a
melhoria da educação. Por isso, é necessário que o país volte a se preocupar
com o ensino e a cultura de uma maneira séria. Os governos e todos aqueles
envolvidos com a questão educacional, não devem se contentar com o nível de qualidade
do ensino que existe atualmente na maioria das escolas. Se alguns casos
pontuais podem ser considerados de qualidade mediana, é preciso melhorar muito
mais. Nosso padrão de comparação para ensino – o benchmarking como falam os empresários – são os países que
alcançaram um ótimo nível na educação, onde a escola pública é de tal
qualidade, que compete em igualdade com o ensino privado.
O
Brasil tem conhecimento e tradição educacional para tal empreitada. Basta
lembrar de educadores como Anísio Teixeira (1900-1971), Darcy Ribeiro
(1922-1997), Paulo Freire (1921-1997), Maria Nilde Mascellani (1931-1999), Edgard
Roquette-Pinto (1884-1954), Newton Sucupira (1920-2007) e muitos outros, que deixaram sua herança na história da educação do país, sem
esquecer os profissionais das novas gerações que atuam no presente. Mas, para empreender
tal redirecionamento é preciso que haja vontade. Que decidamos que a educação e
a cultura são, definitivamente, junto com a saúde, a moradia e o trabalho, as metas
prioritárias de uma sequência de governos, em todos os níveis; uma política de Estado. Os recursos para
tal programa existem, mas é preciso que políticos definitivamente identificados
com as causas populares legislem e governem para a maior parte da população.
Se o
pais colocar em marcha este processo, as consequências positivas virão ao longo
dos anos. Um país mais educado e culto sabe escolher melhor seus governantes,
estabelecer seus objetivos como sociedade, desenvolver seus projetos,
visando o bem-estar da sociedade toda, e não apenas de grupos que fazem
prevalecer seus interesses. Como escreveu o pedagogo, filósofo e educador Paulo
Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a
sociedade muda.”
(Imagens: pinturas de Hans Baluschek)
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