A guerra e o futuro da Rússia

sábado, 19 de março de 2022

 

"Os seres humanos são como o mecanismo de um relógio: dá-se-lhes corda e caminham sem saber por quê."   -   Arthur Schopenhauer   -   A arte de envelhecer     


O conflito entre a Rússia e a Ucrânia já se estende por vinte dias até esta data (15/3/2022). Mais de dois milhões de ucranianos deixaram sua pátria em direção a outros países, principalmente a Polônia, Eslováquia e Romênia, fugindo da guerra. Cidades e aldeias estão sendo bombardeadas e destruídas. Até escolas, áreas residenciais e hospitais não estão sendo poupadas pelas tropas russas. Paralela à guerra das armas, ocorre a guerra de informações: ucranianos declaram já terem destruído centenas de veículos militares russos, enquanto que russos anunciam um avanço rápido e desimpedido das suas tropas. Na guerra, a primeira vítima é a verdade, dizem correspondentes de guerra experientes.

No Ocidente começou um imenso bloqueio econômico à Rússia. Putin, centenas de membros do seu governo e oligarcas que o apoiam, tiveram seus bens e seus recursos financeiros bloqueados por bancos e governos europeus e pelos Estados Unidos. Empresas transnacionais que vinham atuando na Rússia – gigantes como o McDonalds, Starbucks, Coca Cola, Adidas, Apple, Mastercard, Bunge, Arcelor Mittal, entre centenas de outras – encerraram temporariamente suas atividades. Companhias internacionais de transporte marítimo e rodoviário, além de companhias aéreas, igualmente suspenderam todo tipo de operação na Rússia. A guerra está custando caro a Putin e aos seus apoiadores.

Internamente Putin também tem problemas. Dezenas de milhares de cidadãos russos protestam contra a aventura militar de seu presidente em grandes centros como Moscou e São Petersburgo. A polícia segue ordens de reprimir duramente as manifestações e prender as lideranças. Até o início de março já eram mais de 3.500 pessoas presas e processadas pelo Estado. O governo instituiu um esquema de forte censura sobre a imprensa, fechando jornais e redes de rádio e TV. A proibição de divulgar notícias sobre a guerra também afeta as mídias sociais: Facebook e Twitter foram proibidos e o Instagram também está sendo restringido.

Analistas políticos informam que o presidente Putin perdeu grande parte do apoio de seus aliados internos, a elite econômica. Entre o povo, onde sempre gozava de admiração, também começa a cair em descrédito, à medida que a situação econômica se deteriora e a guerra não chega a um desfecho. Uma classe média formada por profissionais liberais, professores, estudantes e funcionários públicos de alto escalão, lidera as manifestações que só tendem a se alastrar, à medida que estes grupos sociais se sentem cada vez mais afastados do padrão de vida europeu que detinham. O isolacionismo cada vez mais autoritário de Putin não agrada – principalmente aos ricos e à classe média culturalmente influenciada pelo modo de vida europeu e americano.

O Ocidente impõe um forte bloqueio econômico à Rússia, tentando enfraquecer o poder interno e externo do autocrata, de modo a apressar o final do conflito através de negociações entre os dois países. Alguns analistas, no entanto, alertam para uma eventual dose excessiva do remédio. O isolamento econômico e político prolongado da Rússia – e o efeito desta segregação imposta à sociedade russa – pode, ao invés de enfraquecer o líder russo, fortalecê-lo. Pode colocá-lo como guia de um movimento de revanche contra o Ocidente, principalmente seus vizinhos europeus. Desmantelar grande parte da economia de um país, deixando a população em situação de grande necessidade, sentindo-se abandonada, pode trazer consequências nefastas para os causadores desta situação. A história nos mostra o resultado da fragorosa humilhação imposta pelos aliados à Alemanha, após a Primeira Grande Guerra (1914-1918): ascensão de Hitler, do nazismo e eclosão de mais uma guerra mundial.

Outra possibilidade, já aventada por outros observadores internacionais, será o gradual desgaste de Putin, enfraquecendo seu poder e sua liderança, o que poderia levar à sua destituição ou inviabilizar sua reeleição. A pergunta, neste caso, é o quanto as elites econômicas e políticas ainda continuarão apoiando o líder em suas aventuras militares, em sua nova situação de isolamento da Europa e sua estratégia de repressão interna. Os próximos meses talvez nos tragam uma resposta, é esperar para ver. Todavia, quem não pode esperar de nenhuma maneira, é o povo da Ucrânia. Esta guerra tem que acabar o mais rápido possível.    


(Imagens: pinturas medievais)

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